Auditores da alfândega já monitoravam viagens de Bento Albuquerque antes de apreensão de joias

Foram dez viagens para o exterior somente em 2019, que chamaram a atenção dos órgãos de fiscalização

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Atualização:

BRASÍLIA - A agenda de viagens internacionais do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e de sua comitiva já era alvo de monitoramento por auditores da alfândega. O Estadão apurou que a intensidade dos compromissos fora do País - dez viagens para o exterior em um único ano - já havia chamado a atenção dos órgãos de fiscalização.

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O Estadão fez um levantamento sobre todos os compromissos oficiais de Bento Albuquerque registrados em sua agenda oficial como ministro, desde que assumiu o cargo em janeiro de 2019, até deixá-lo em maio de 2022, em meio às pressões de Bolsonaro para intervir no preço dos combustíveis da Petrobras.

Os dados oficiais mostram que as viagens constantes do ministro e sua comitiva só cessaram em 2020, quando eclode a pandemia do coronavírus. Só em 2019, foram dez viagens ao Exterior, englobando países como Israel, Estados Unidos, Argentina, Japão, China, Áustria, França e Espanha. Em alguns compromissos, o então ministro acompanhou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em outros, seguiu com sua comitiva para eventos ligados ao setor de minas e energia.

Ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque tinha viagens monitoradas por auditores da alfândega antes da apreensão de joias da Arábia Saudita.  Foto: Adriano Machado/Reuters

Em 2020, com a pandemia, o número de viagens caiu consideravelmente, resumindo-se a três compromissos. Albuquerque esteve apenas na Índia, nos Estados Unidos e na Áustria, para a conferência anual do setor elétrico. Em 2021, o ritmo voltou a se acelerar, mesmo com as restrições impostas pela covid-19. Naquele ano, Bento Albuquerque participou de seis encontros internacionais. Passou pelos Estados Unidos, Áustria, Rússia, Inglaterra e Emirados Árabes. Foi em outubro de 2021 que o então ministro fez a visita à Arábia Saudita.

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Antes de voltar ao Brasil no dia 26 de outubro de 2021 e tentar entrar no Brasil de forma ilegal com as joias dadas a Bolsonaro pelo regime saudita, Bento Albuquerque teve compromissos durante quatro dias, incluindo encontro com o príncipe Abdulaziz bin Salman Bin Abdulaziz Al-Saud, ministro de Energia da Arábia Saudita, e o príncipe Mohammed bin Salman.

Foi na despedida desta viagem, em 25 de outubro, que o regime árabe entregou os presentes milionários para Bolsonaro, quando deixava o hotel com a sua comitiva para retorno ao Brasil. Naquele mesmo momento, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro almoçava na Embaixada da Arábia Saudita, em Brasília, na residência de Ali Abdullah Bahittam. Bolsonaro estava acompanhado do filho e senador Flávio Bolsonaro, além do ex-ministro das Relações Exteriores, Carlos França e diplomatas de demais países do Oriente Médio.

Naquele encontro, um dos temas abordados foi a venda da refinaria Landulpho Alves (RLAM), localizada em São Francisco do Conde, na Bahia, pela Petrobras. A estatal repassou a refinaria para o Mubadala Capital, dos Emirados Árabes. A operação foi concluída em novembro com o pagamento de US$ 1,8 bilhão (R$ 10,1 bilhões à época) para a Petrobras.

Bolsonaro almoçou na Embaixada da Arábia Saudita, no Brasil, no mesmo dia em que Bento Albuquerque recebia presentes na Arábia Saudita Foto: Alan Santos/PR

No mês seguinte, em 19 de novembro, quando a Receita já havia retido as joias de diamantes, Bento Albuquerque teve uma conversa por telefone com o ministro de Energia da Arábia Saudita. Em 22 de novembro, ele participou de uma reunião no Ministério das Relações Exteriores, com o embaixador Carlos França. Três dias depois, fez uma reunião com o ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino da Arábia Saudita.

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O Estadão procurou o Itamaraty e a Embaixada da Arábia Saudita no Brasil para comentar o assunto. Por meio de nota, o Ministério das Relações Exteriores declarou que “está averiguando eventual gestão junto à Receita Federal no caso, e contribuirá para seu esclarecimento caso a gestão tenha sido feita”. A Embaixada da Arábia Saudita não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Apesar de Bento Albuquerque ter liderado o Ministério de Minas e Energia por apenas cinco meses em 2022 – de janeiro a maio -, o almirante chegou a realizar sete viagens internacionais neste curto período, passando por países como Suriname, Guiana, Uruguai, Portugal, Rússia e Índia.

Bolsonaro, acompanhado de Flávio Bolsonaro e diplomatas, almoçou na Embaixada da Arábia Saudita, no Brasil, no mesmo dia em que Bento Albuquerque recebia presentes na Arábia Saudita Foto: Alan Santos/PR

Negócios

As relações que o governo Jair Bolsonaro mantinha com o regime da Arábia Saudita envolveram anúncios de acordos bilionários feitos diretamente pelo então presidente Bolsonaro e Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita. Dois anos antes da comitiva do então ministro de Minas e Energia deixar a Arábia Saudita com pacotes de joias de diamantes avaliados em cerca de R$ 16,5 milhões, Bolsonaro esteve em Riade, capital do país árabe, para celebrar acordos comerciais que envolviam US$ 10 bilhões (R$ 51,7 bilhões no câmbio atual).

No dia 29 de outubro de 2019, Bolsonaro celebrou a assinatura de um acordo que previa o investimento bilionário no Brasil, por meio do Fundo de Investimento Público saudita (PIF), que exploraria “oportunidades em parceria com o governo brasileiro”.

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O próprio Bolsonaro tratou de ir às redes sociais para anunciar a negociação. “O fundo soberano da Arábia Saudita vai investir até US$ 10 bilhões em projetos no Brasil, cerca de R$ 40 bilhões”, escreveu o então presidente, em sua conta no Twitter

O ministro da Casa Civil à época, Onyx Lorenzoni, disse que iria “organizar um conselho de cooperação entre os dois governos, com a iniciativa privada dos dois países para fazer a definição em que áreas e em que velocidade esses recursos vão ser aplicados no Brasil”. Onyx afirmou que o conselho foi, inclusive, uma sugestão das autoridades árabes, e que seria formado em três semanas.

Presidente recebeu placas comemorativas no Brasil do regime árabe, enquanto presentes embarcavam com seu ministro na Arábia Saudita Foto: Alan Santos/PR

Um dos principais alvos dos árabes eram as concessões de infraestrutura no País, dentro da área de energia e em outros setores incluídos no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que reunia os projetos estatais que seriam repassados à iniciativa privada.

Naquela ocasião, o governo Bolsonaro afirmou que a Arábia Saudita é o principal parceiro comercial do Brasil no Oriente Médio. O volume de intercâmbio comercial havia atingido US$ 4,42 bilhões em 2018, soma que superava os fluxos de comércio bilateral do Brasil com vizinhos da América do Sul, à exceção de Argentina, Chile e Colômbia. Tratava-se, também, do maior fornecedor de petróleo do Brasil, tendo suprido 33% do total importado do produto em 2018.

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A lista completa das transações discutidas envolvia, ainda uma série de acordos, como cooperação na área de ciência e tecnologia, memorando de entendimento sobre vistos de visita, memorando sobre fundo bilateral de investimentos em produtos de Defesa, acordo de cooperação administrativa em matéria Aduaneira e memorando de entendimento entre o BNDES e o fundo de investimentos Saudi Development, para projetos em financiamento em parceria.

Em junho de 2019, Bolsonaro já tinha se encontrado com o príncipe Mohammed bin Salman, durante a reunião de Cúpula do G20, em Osaka, no Japão. “Há acordos bilaterais propostos em diversas frentes de cooperação, como facilitação de investimentos, ciência e tecnologia, uso pacífico de energia nuclear, e uso do espaço exterior. Em muitas delas, a cooperação bilateral poderia se beneficiar da complementaridade entre o conhecimento técnico existente no Brasil e a ampla disponibilidade recursos da Arábia Saudita”, afirmou o governo Bolsonaro, em outubro de 2019.

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