'Autonomia do MPF está em risco', diz 1º lugar da lista tríplice ignorada por Bolsonaro

Em entrevista, o subprocurador-geral Mário Bonsaglia defende que obrigação de se respeitar a lista se torne lei

PUBLICIDADE

Foto do author Marcelo Godoy

Pouco depois de saber da escolha de Augusto Aras para o cargo de procurador-geral da República, o primeiro colocado na lista tríplice feita pela Associação Nacional do Procuradores da República (ANPR), o subprocurador-geral Mário Bonsaglia, criticou a decisão do presidente Jair Bolsonaro.

Ele afirmou ao Estado que "a autonomia institucionaldo MPF corre claro risco de enfraquecimento diante da desconsideração da lista tríplice". Aras foi anunciado por Bolsonaro na tarde da quinta-feira, 5, e terá de ser aprovado pelo Senado antes de assumir o cargo.

Concorreu com Janot em 2015, quando o procurador-geral foi reconduzido. Na época, o grupo ligado a Janot pretendia que ele fosse reeleito por “aclamação”, sem a formação da lista tríplice, mas os demais candidatos rejeitaram a proposta. Nas urnas, Janot obteve 799 votos, seguido de Bonsaglia, com 462. Costuma ser bem votado em eleições internas e pretende se apresentar como um candidato independente.Está entre os candidatos que apresenta críticas moderadas a Janot. Foto: Amanda Perobelli/Estadão

PUBLICIDADE

Bonsaglia é um conservador que fez carreira na área criminal. Já esteve duas vezes na lista tríplice da associação, mas pela primeira vez havia sido o mais votado pela categoria - obteve 478 votos. Recebeu o apoio de integrantes de forças-tarefa importantes, como as das operações Lava Jato, Zelotes e Greenfield.

Também teve o nome defendido pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. Para Bonsaglia, o uso da lista tríplice para a escolha do novo procurador-geral não se tratava de mera "questão corporativista". "Mas de interesse para toda sociedade, que é beneficiada pela atuação independente do Ministério Público."

"A lista funciona como um contrapeso ao poder presidencial de escolha. Isso fica muito claro no âmbito dos MPs estaduais. E confere também transparência quanto às propostas dos candidatos e ao que pensam sobre os mais diversos temas", afirmou o subprocurador-geral. Diante da decisão de Bolsonaro de romper com uma tradição iniciada em 2003 e escolher um candidato fora da lista para dirigir a instituição, Bonsaglia defendeu que a obrigação de se respeitar a lista se torne lei.

Publicidade

"A constitucionalização da lista tríplice para escolha do PGR é uma necessidade para consolidar a autonomia que a Constituição já prevê para o Ministério Público. Há uma evidente lacuna no texto constitucional com relação ao MPF. Todos os demais 29 Ministérios Públicos contam com previsão normativa da escolha de seu procurador-geral por meio de lista tríplice", afirmou ao Estado.

O subprocurador-geral lamentou a quebra da tradição. Foram cinco procuradores-gerais que haviam sido escolhidos com base na lista até agora. "Era uma tradição que se estava solidificando." Bonsaglia repetiu o que havia dito horas antes pelo Twitter, quando chamou o dia da escolha de Bolsonaro de "melancólico" para o MPF. E concluiu da mesma forma, dizendo que se trata de "um retrocesso de décadas para a instituição".

O novo PGR terá pela frente decisões como definir o modelo de preenchimento de cargos nas forças-tarefa do MPF. Deve ainda escolher o novo vice-procurador-geral e o vice-procurador-geral eleitoral. Também deve nomear - ouvido o conselho do MPF - o procurador federal dos direitos do cidadão. Por fim, deve representar o MPF em julgamento no STF, em casos como a descriminalização da maconha e sobre a decisão do ministro Dias Toffoli que paralisou as investigações do inquérito sobre organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro que envolve o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.