O Brasil ainda não consegue cumprir algumas obrigações que firmou na Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (UNAC, da sigla em inglês) após 17 anos de sua ratificação, aponta relatório da Transparência Internacional-Brasil (TI).
Apesar de ter conquistado marcos legais anticorrupção citados pela ONG, os avanços institucionais estão ameaçados, por exemplo, por retrocessos percebidos na autonomia dos órgãos de fiscalização e controle e por mecanismos como o orçamento secreto, diz o documento.
É o caso do Conselho de Controle de Atividades Financeira (Coaf), que, segundo a ONG, tem desempenho moderado no cumprimento das responsabilidades ratificadas na Convenção por carecer de autonomia e recursos adequados para desempenhar suas funções. Já a Procuradoria-Geral da União tem avaliação considerada fraca. “A PGR carece de independência institucional, pois a nomeação para Procurador-Geral depende exclusivamente do Presidente e do Senado e não está sujeita a critérios objetivos”, diz o relatório.
Como mostrou o Estadão, crimes de corrupção perderam espaço na avaliação dos pedidos feitos por órgãos de controle ao Coaf desde 2019.
A Transparência Internacional avalia de forma independente o cumprimento dos mecanismos da Convenção em parceria com uma rede global de mais de 350 organizações da sociedade civil. Neste ano, o Brasil é um dos países que passa pelo escrutínio do Grupo de Revisão da Implementação da Convenção comandado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Droga e Crime.
O relatório mostra que o País fortaleceu mecanismos anticorrupção desde a ratificação do acordo, mas os marcos legais regrediram nos últimos anos e ficaram marcados por falhas em sua implementação.
“O Brasil, que vinha sendo um exemplo de sucesso principalmente entre os países emergentes como um caso de avanço no combate à corrupção, passou a ser um país olhado com enorme preocupação, porque os retrocessos são mais rápidos do que esse lento progresso”, aponta Bruno Brandão, diretor-executivo da TI Brasil. “O Brasil está em condição de descumprimento de suas obrigações.”
A Transparência aponta que desde a ratificação do acordo o Brasil passou a contar com instituições capazes de prevenir e combater a corrupção, como a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União e o Ministério Público Federal, além de marcos legais como Lei de Acesso à Informação e o aprimoramento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Também houve avanço em relação a políticas preventivas, como a criação da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), que fomenta a cooperação entre agências e estabeleceu um plano de ação em 2018.
Por outro lado, o órgão considera que há interferência do governo federal em órgãos como a PF, o Coaf e a Receita Federal. Também elenca o esquema de repasse de recursos públicos sem critérios técnicos, o Orçamento Secreto, como danoso ao combate à corrupção.
Os retrocessos impactam ainda áreas temáticas, como o meio ambiente. A ONG alerta para evidências de menor transparência e qualidade de dados, redução dos espaços de participação social e desmonte de órgãos ambientais.
Entre as principais recomendações ao Brasil estão adotar mecanismos de supervisão e integridade no serviço público, como os relacionados à evolução dos ativos; redistribuir atribuições penais em casos relacionados a crimes eleitorais da Justiça Eleitoral à Justiça Federal e melhorar as práticas de auditoria sobre a aprovação e a execução das emendas parlamentares.
Para Bruno Brandão, é inegável o avanço do Brasil no enfrentamento à macrocorrupção, mas os retrocessos elencados “colocam em risco a condição brasileira na comunidade internacional” e revertem a imagem de “caso de sucesso”.
Além da avaliação da Convenção, o Brasil também passa nos próximos anos por avaliação do cumprimento das recomendações do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo e Convenção da OCDE Contra o Suborno Transnacional. A realização das medidas da Convenção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) são etapa para o País aderir ao grupo.
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