BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode enfrentar uma segunda CPI no Congresso que contraria seus interesses. Depois de mudar de posição e passar a defender a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para apurar os atos golpistas de 8 de janeiro – ainda pendente de instalação –, o governo terá de lidar agora com a pressão da bancada ruralista para a abertura da CPI do Movimento dos Sem Terra (MST).
Com articulação da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que protesta contra a onda de invasões de propriedades rurais deflagrada no chamado “Abril Vermelho”, a instauração do colegiado tem o apoio de deputados aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Os ruralistas acumulam atritos com a gestão petista nestes primeiros três meses.
Autor do requerimento de criação da CPI já protocolado, o deputado Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS) justifica que há “propriedades rurais produtivas sendo invadidas”, além de “um crescimento desordenado” dessas ações. “Não cabe ao MST definir se a propriedade é produtiva ou não. A pauta de reforma agrária é política, financeira e ideológica”, afirma o deputado. O pedido já atingiu o número mínimo necessário de assinaturas, com 171 adesões.
Não cabe ao MST definir se a propriedade é produtiva ou não. A pauta de reforma agrária é política, financeira e ideológica.”
Tenente-Coronel Zucco (Republicanos), deputado federal
Na semana passada, o autor do requerimento e o presidente da FPA, Pedro Lupion (PP-PR), reuniram-se com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para garantir a leitura do pedido. O procedimento dá início à instalação da comissão. Segundo parlamentares que participaram do encontro, a CPI tem parecer jurídico favorável e deve ser lida nos próximos dias.
A expectativa de Zucco é de que a CPI seja instalada nesta semana ainda, “pois não há mais motivo” para que o colegiado não comece os trabalhos. O objetivo do grupo é investigar a “escalada” de invasões do MST em fazendas, apurar se parlamentares e empresários estão patrocinando as ações e analisar as nomeações de líderes dos sem-terra no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
“Um dos atores a serem escutados (na CPI) é o próprio governo”, afirmou o Zucco ao Estadão. “A gente vai procurar saber qual é o motivo e qual é a estratégia para tanta invasão, tanto crime e essa omissão e possível conivência.”
Concessões
Na semana passada, o governo Lula cedeu à pressão do MST e nomeou sete novos superintendentes regionais do Incra. O movimento cobrou a gestão petista para que fizesse a substituição imediata de chefias do órgão nomeados durante o governo Bolsonaro por “pessoas comprometidas com a reforma agrária”.
A ida do líder do MST, João Pedro Stédile, à China com Lula agravou as divergências com os bolsonaristas e com a FPA. Como mostrou o Estadão, Stédile foi ao encontro com o presidente do país asiático, Xi Jinping, após anunciar que as invasões a terras continuariam em abril. Segundo Zucco, Stédile será um dos primeiros chamados a depor. “O motivo das visitas era vender o agro, e a gente estava na comitiva com um integrante que anuncia invasões. O pior criminoso é aquele que anuncia o crime”, afirmou Zucco.
O presidente da FPA também criticou a presença do líder do MST na comitiva. “É um tapa na cara do produtor brasileiro. O prêmio do homem que anuncia uma série de crimes no Brasil é uma passagem de jato do presidente da República, é um absurdo”, disse Lupion. Todos os vice-líderes regionais da frente, com exceção de Marussa Boldrin (MDB-GO), que comanda o grupo no Centro-Oeste, assinaram o requerimento de instauração do colegiado.
Crescimento
Só em abril deste ano, o MST afirma ter invadido 13 fazendas. Reportagem do Estadão mostrou, no início deste mês, a escalada das ações no campo. Durante os primeiros três meses do governo Lula, as invasões já haviam superado o total das ações registradas em todo o primeiro ano da gestão Bolsonaro. Foram 16 invasões e, em 2019, 11, segundo dados do Incra.
O segundo-vice-presidente da FPA na Câmara, deputado Evair Melo (PP-ES), disse ter concluído que há “um projeto orquestrado de gente que está financiando” as invasões. “Nós queremos a CPI para identificar os financiadores e poder responsabilizá-los.”
Na viagem de Lula à China, o presidente da Agência de Promoção de Exportações do Brasil (Apex-Brasil), ex-senador Jorge Viana (PT-AC), atrelou o agronegócio brasileiro ao desmatamento. Como mostrou o Estadão, Viana, que não sabe falar inglês, retirou o requisito para se manter na presidência. “Vexame atrás de vexame. Ele (Viana) dá um jeitinho para garantir seus privilégios e permanecer rebaixando nossa imagem perante o mundo”, disse o deputado Messias Donato (Republicanos-ES).
O líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR), disse que propôs diálogo a Lira. “Sugeri a Lira um encontro de ambos os lados, MST e FPA, para um combinado de vida mais serena, mais harmônica.”
As ações dos sem-terra no governo petista
Stédile na China
No dia 16 deste mês, o MST intensificou as invasões de terra. Dias antes da onda de investidas do movimento, Lula levou o principal líder dos sem-terra, João Pedro Stédile, para encontro com o presidente chinês, Xi Jinping. A presença do dirigente na comitiva oficial em Pequim ocorreu no momento em que já havia a promessa de deflagração do chamado “Abril Vermelho”
‘Abril Vermelho’
No domingo passado, os militantes do grupo invadiram uma área de preservação ambiental e de estudos genéticos da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), em Petrolina (PE), comprometendo, inclusive, a vida de animais ameaçados de extinção. Ontem, finalizaram a saída do local
Terras produtivas
No dia seguinte, militantes investiram contra duas fazendas da Suzano em Aracruz (ES). Outras áreas da mesma empresa já haviam sido alvo do MST um mês antes, no sul da Bahia, e, naquela ocasião, um acordo intermediado pelo governo Lula levou à desocupação. Quanto às invasões mais recentes, o grupo começou a deixar as fazendas, após ordem judicial e novo acordo
Incra
Também na semana passada, o MST invadiu as superintendências regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em três Estados, em uma estratégia para pressionar o governo Lula a substituir os nomeados para o órgão durante o mandato de Jair Bolsonaro. O grupo foi atendido
Exigências
Mesmo após ter cedido no Incra, a gestão petista continuou se mobilizando para atender aos pedidos do MST. Na quinta-feira passada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, abriu as portas do gabinete da pasta na capital paulista a líderes e se dispôs a estudar um aumento da verba para reforma agrária
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