BRASÍLIA – O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso afirmou neste domingo, 24, que há movimento político com intenção de usar as Forças Armadas para atacar o processo eleitoral no País. Falando a um grupo de estudantes brasileiros na Alemanha por videoconferência, Barroso voltou a defender a integridade das urnas eletrônicas e condenou tentativas de politização dos militares, ressaltando que as Forças Armadas devem resistir, "como já têm feito", a serem objeto das "paixões políticas".
"É preciso ter atenção a esse retrocesso cucaracha de voltar à tradição latino-americana de colocar o Exército envolvido com política. É uma péssima mistura para a democracia e uma péssima mistura para as Forças Armadas", disse Barroso. Ele ressalvou, no entanto, que militares "têm sabido se preservar", apesar de exemplos recentes no governo Bolsonaro de troca nos comandos.
Assista a trecho da fala de Barroso:
"Até agora o profissionalismo e o respeito à Constituição têm prevalecido (nas Forças Armadas). Mas não deve passar despercebido que profissionais admirados e respeitadores da Constituição foram afastados, como o general Santos Cruz, um herói brasileiro que combateu no Congo; o general Maynard Santa Rosa, um homem de maior integridade; o próprio general Fernando Azevedo, que foi ministro da Defesa, uma pessoa de imensa integridade e grande liderança. Os três comandantes das Forças foram todos afastados. Não é comum isso, nunca havia acontecido isso desta forma".
O ministro participou de um evento virtual promovido pela universidade alemã Hertie School, de Berlim. Também participaram do “Brazil Summit Europe” a ex-presidente Dilma Rousseff (ontem) e o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (hoje).
Barroso também comparou o desfile de tanques promovido pelo governo Bolsonaro, no ano passado, a um episódio do final do Império Romano. "Na república romana - que, depois da experiência grega, foi a primeira experiência próxima a algo de democracia no mundo -, a regra era que os generais não atravessavam o Rubicão. Eles não entravam com as suas tropas nos espaços do poder civil. Quando César [o imperador Júlio César] atravessou o Rubicão com as suas tropas, acabou a república romana e vieram 500 anos de despotismo sobre o Império Romano ou mais, se nós contarmos o Oriente. Portanto, um desfile de tanques na Praça dos Três Poderes é um episódio com intenção intimidatória."
Assista a este outro trecho da fala de Barroso:
Barroso destacou que a Venezuela serve de mau exemplo em relação à intromissão militar na política. "Tenho fé que as lideranças militares saberão conter esse risco de contaminação indesejável que levou à ruína da Venezuela. Aconteceu na Venezuela: jogaram as Forças Armadas no varejo da política, contaminando-as com todas as vicissitudes do varejo da política, da corrupção ao empreguismo. E, hoje, a Venezuela é uma ruína, um desastre humanitário", declarou.
Na palestra, o ministro evitou citar o nome do presidente Jair Bolsonaro. Mas, em pelo menos um trecho, fez menção direta aos protestos que pregavam atos antidemocráticos e à participação do presidente nos atos. "Tivemos momentos graves na experiência recente brasileira, com a participação do próprio presidente da República em um comício na porta do QG do Exército pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal."
Barroso citou ainda como os exemplos de ataques à urna eletrônica e defendeu o processo de apuração eleitoral no País. "Desde 1996 não há um episódio de fraude no Brasil. Eleições totalmente limpas, seguras e auditáveis. E agora se vai pretender usar as Forças Armadas – gentilmente convidadas para participar do processo – e agora estão sendo utilizadas para atacar o processo e tentar desacreditá-lo".
Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Barroso convidou representantes das Forças Armadas para participarem da Comissão de Transparência, que analisa o processo de apuração eleitoral e o uso das urnas eletrônicas nas eleições deste ano.
“O fenômeno em alguma medida preocupante, que até aqui não tem ocorrido, mas que é preciso estar atento, é o esforço de politização das Forças Armadas. Esse é um risco real para a democracia. E aqui gostaria de dizer por dever de justiça – eu que fui um crítico severo do regime militar e militante contra a ditadura militar – que nesses 33 anos de democracia, se teve uma instituição de onde não veio notícia ruim e que teve um comportamento exemplar, foram as Forças Armadas", afirmou. "Todos nós assistimos movimentos para jogar as Forças Armadas no varejo da política. Isso seria uma tragédia para a democracia e para as Forças Armadas, que levaram três décadas para se recuperarem dos desprestígio do governo militar e se tornarem instituições valorizadas e prestigiadas pela sociedade brasileira. Portanto, tenho a firme expectativa de que elas não se deixem seduzir por esse esforço que eu vejo e muitos outros vêm de jogá-las nesse universo indesejável para uma instituição de Estado, que é a fogueira das paixões políticas".
O ministro afirmou que o Supremo precisa do apoio da sociedade para conseguir enfrentar os ataques e garantir que o resultado das eleições seja respeitado. “No Brasil, penso que temos uma história de sucesso apesar do esforço contínuo de gerar embates com a Suprema Corte. Nos Estados Unidos, foram 60 ações para tentar anular eleições, duas chegaram à Suprema Corte e nenhuma acolhida. Cortes constitucionais não têm condições de ganhar briga se lutarem sozinhas. Precisam de sociedade civil. Onde enfrentaram sozinhas, as supremas cortes perderam”, alertou.
Conforme mostrou o Estadão nesta semana, emissários do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm sondado generais da cúpula do Exército para saber se o petista conseguirá tomar posse, caso seja eleito. Em cerimônia em homenagem ao Dia do Exército na última terça-feira, 19, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que as Forças Armadas “não dão recados” e “sabem” o que é melhor para o povo. “Não podemos jamais ter eleições no Brasil sobre as quais paire o manto da suspeição”, discursou.
Na palestra, Barroso afirmou ainda que as instituições democráticas brasileiras "têm sabido resistir" às pressões antidemocráticas. "Ataques a pessoas, grosserias, pedidos de impeachment de ministros do Supremo por ato jurisdicional. As ameaças institucionais claramente ocorreram no Brasil, mas apesar de sermos uma democracia jovem, as instituições resistiram. O Congresso continua funcionando, tomando as decisões que tem que decidir. Você pode concordar mais ou menos, mas tem funcionado. As decisões do Supremo têm sido respeitadas", afirmou.
Ao ser indagado por uma das organizadoras do evento sobre o caso do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo STF, mas perdoado por Bolsonaro, Barroso preferiu não falar do tema. E encerrou a palestra citando Renato Russo: "A democracia se encontra sob pressão. A desinformação é um problema com o qual precisamos lidar com seriedade e as instituições têm resistido mas, parodiando Legião Urbana, não tenho medo do escuro, mas deixe as luzes acesas".
REAÇÃO
O chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, general Augusto Heleno, rebateu as declarações de Barroso. Em seu perfil no Twitter, Heleno disse que a afirmação de que as Forças Armadas estão sendo orientadas para atacar o processo eleitoral é "inconsistente e sem fundamento". Segundo o general, as Forças Armadas contribuem com a lisura do processo eleitoral.
"Essa afirmação não procede; é inconsistente e sem fundamento. FA, 'convidadas para participar do processo', estão sendo orientadas, como sempre, a ajudar a lisura do evento", escreveu Heleno.
As declarações de Barroso também incomodaram parlamentares bolsonaristas. A deputada Carla Zambelli (PL-SP) disse que o ministro fez "ilação que atenta contra a história do Exército" e que o "discurso militante não contribui com a solução do problema".
"O TSE convida as Forças Armadas a participarem do processo eleitoral. Elas aceitam e, como fiscais do processo, apontam vulnerabilidades. O que faz Barroso? Acusa as FFAA de serem orientadas a atacar as eleições. Só podem participar pra bater palmas?", publicou a deputada Bia Kicis (PL-DF).
As vulnerabilidades mencionadas pela deputada foram questionamentos feitos por militares envolvidos no processo de aperfeiçoamento das urnas eletrônicas. A Corte Eleitoral respondeu a todos eles.
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