BRASÍLIA - O novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, defendeu nesta sexta-feira, 29, a regulação das plataformas digitais, mas contemporizou dizendo que o tema está em discussão no Congresso, por meio do projeto de lei (PL) das fake news, portanto fora das suas competências.
“A questão do PL é evidentemente uma questão que está em tramitação no Congresso Nacional e, portanto, fora da minha atribuição. Embora eu seja um defensor da regulação moderada, parcimoniosa, mas com uma estrutura mínima estabelecida em lei”, disse a jornalistas no Salão Branco do STF. “Há um meio termo muito razoável em relação em que todos nós possamos estar de acordo e que possa se materializar no PL”, completou.
Barroso se disse favorável ao chamado compartilhamento de receitas. Esse modelo prevê que as redes sociais remunerem produtores de conteúdo, com destaque o jornalismo profissional. “As plataformas digitais circulam informação, mas não produzem conteúdo, de modo que eu acho que é simplesmente uma questão de justiça chegar a uma harmonia”, disse.
“Acho que isso deveria se transformar em senso comum, pois não importa se alguém liberal, progressista ou conservador, nós todos estamos de acordo que não pode ter pedofilia na rede. Nós todos estamos de acordo que não pode ter venda de armas na rede, que não pode ter venda de drogas, ou que não possa ter discurso de ódio pregando ataque a pessoas por suas posições”, prosseguiu.
O presidente do STF ainda defendeu a adoção de políticas de educação midiática, que sejam capazes de instruir a população a distinguir entre informação falsas e verdadeiras em circulação nas redes. Segundo Barroso, os fenômenos observados no ambiente digital nos últimos anos demonstram os algorítimos das big tech promoveram uma “espécie de tribalização da vida”. “De modo que você cria mundos apartados que não dialogam entre si. Acho que esse é um problema que nós temos enfrentar”, afirmou.
Nessa área, Barroso pretende adotar um projeto de comunicação institucional que explique de forma mais assertiva as decisões da Corte.
Crise com o Congresso
O tema defendido pelo ministro é mais um dentre a extensa lista de questões que causam divisão entre o STF e o Congresso. Na última quarta-feira, 27, parlamentares defenderam que a Corte não deveria se envolver na discussão sobre os parâmetros de controle das chamadas big techs.
Barroso minimizou a crise entre o STF e o Congresso por conta das reações das bancaras ruralistas e evangélicas que ameaçaram obstruir votações e reapresentaram uma proposta de emenda que autoriza o Legislativo a anular decisão do Supremo que não forem unânimes.
“Eu de forma honesta sincera não vejo crise. O que eu vejo, como em toda democracia, é a necessidade de relações de diálogo e boa fé”, disse Barroso. “Eu pretendo dialogar com o Congresso de forma institucional e respeitosa, como deve ser”, prosseguiu.
O presidente do STF afirmou que, “numa democracia, o intérprete final da constituição é o STF”. Barroso, porém, fez um aceno aos parlamentares ao dizer que “não se tratando de cláusula pétrea, o Congresso é que tem a última palavra”. De acordo com o ministro, se deputados e senadores aprovarem uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) vale a decisão deles. Mas relembrou que cabe ao Supremo dizer se a mudança constitucional não fere princípios, o que, na prática, ainda garante aos ministros a decisão final.
“Formalmente o Supremo dá a última palavra, mas o tribunal não é o dono da Constituição. Portanto, ele interpreta a Constituição em interlocução com a sociedade e os outros Poderes e dentro do sentidos possíveis que a Constituição oferece, de modo que não é um competência arbitrária de dar a última palavra”, disse. “Formalmente é a última palavra, mas realmente não é, porque é possível reverter”, completou.
Barroso assumiu o comando do STF em um dos momentos de maior conflagração entre o Poder Judiciário e o Legislativo. Se os seus antecessores Rosa Weber e Luiz Fux tiveram de lidar com os arroubos autoritários do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o constante clima de animosidade na Praça dos Três Poderes, Barroso não deve ter grandes atritos com Lula, mas será testado diuturnamente pelas forças do Centrão.
Um dia antes da posse de Barroso, data da despedida da ministra Rosa Weber na presidência da Corte, deputados e senadores de 17 Frente Parlamentares e dois partidos apresentaram um manifesto no Salão Verde da Câmara contra a usurpação de poderes do Congresso e a guinada do País rumo à “ditadura do STF” por votar temas como o marco temporal de terras indígenas.
Na cerimônia de posse da última quinta-feira, 20, o novo presidente disse discordar das acusações de que a Corte tem adentrado na política. “Incluir uma matéria na Constituição é, em larga medida, retirá-la da política e trazê-la para o direito. Essa é a causa da judicialização ampla da vida no Brasil. Não se trata de ativismo, mas de desenho institucional. Nenhum Tribunal do mundo decide tantas questões divisivas da sociedade. Contrariar interesses e visões de mundo é parte inerente ao nosso papel”, afirmou.
PEC da Harmonia entre os Poderes
O presidente do STF ainda comentou a PEC que discute a limitação das competências dos ministros. O texto em discussão no Congresso prevê, por exemplo, a possibilidade de os parlamentares cassarem decisões do tribunal. Segundo o ministro, a tramitação do texto não incomoda a Corte. “Numa democracia, a política é gênero de primeira necessidade. O Congresso pode debater todas as questões que lhe parece próprio fazer”, afirmou.
Barroso, contudo, mandou um recado ao Congresso. O presidente do STF citou que a previsão de cassação de decisões da Corte já existiu na Constituição brasileira durante a ditadura do Estado Novo comandada por Getúlio Vargas.
Mulher no STF
Barroso afirmou publicamente na conversa com a imprensa uma posição que já era sabida em conversas reservadas com interlocutores. Ele defendeu a indicação de uma mulher à vaga da ministra Rosa Weber, mas fez afagos aos nomes que despontam como favoritos na disputa. O novo chefe do Poder Judiciário também disse que, apesar da preferência, a escolha do próximo magistrado a compor a Corte é uma escolha exclusiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Os nomes em maior evidência, do ministro Flávio Dino, do ministro Jorge Messias e do ministro Bruno Dantas, eu pessoalmente acho que são excelentes nomes do ponto de vista de qualificação técnica e idoneidade, mas todo mundo que ouviu o meu discurso ontem viu que eu defendo a feminilização dos tribunais”, disse.
Nova equipe
Barroso aproveitou o encontro para a apresentar a sua equipe de subordinados diretos nas gestões do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A maioria dos novos assessores são mulheres. A ex-secretária do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Aline Osorio e a juíza federal Adriana Cruz assumirão, respectivamente, a Secretaria-Geral do STF e do CNJ. A chefe de gabinete do novo presidente será a jurista Leila Mascarenhas. A diretoria-geral da Corte ficará a cargo de Eduardo Toledo, que já exerceu o mesmo cargo nas gestões dos ministros Cármen Lúcia (2016-2018) e Dias Toffoli (2018-2020). Já o secretário de Estratégia e Projetos do CNJ será Frederico Rego.
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