No dia 13 de maio de 1888 foi sancionada a Lei Áurea, que, formalmente, aboliu a escravidão no país. A medida, entretanto, por não vir acompanhada de ações voltadas à redução das vulnerabilidades e a inserção social e produtiva dos trabalhadores “libertados”, acabou condenando sucessivas gerações à pobreza e à exploração de sua força de trabalho em formas contemporâneas de escravidão.
A libertação desprovida de emancipação não poderia ter outra consequência senão a repetição, sob novas roupagens, da mesma violação de direitos humanos mais de um século depois. Nos últimos anos, aliás, foram quebrados recordes históricos de submissão de trabalhadores a condições análogas à escravidão, que são resgatados aos milhares ano após ano.
Como se esse ciclo de infame repetição da história não fosse por si só trágico, em 2024 temos ainda um agravante: a inércia do governo federal e do Ministério do Trabalho e Emprego em solucionar a greve dos auditores-fiscais do trabalho tem enfraquecido a política de combate ao trabalho escravo.
Apesar de outras instituições que atuam no combate ao trabalho escravo, como o Ministério Público do Trabalho (MPT), permanecerem atuando e redobrando os esforços para garantir o direito das vítimas, a paralisação já ocasionou a acumulação de mais de mil denúncias pendentes de fiscalização. Isso porque o esforço interinstitucional de combate ao trabalho escravo ficou parcialmente prejudicado com a suspensão da participação dos auditores na política pública, sobrecarregando órgãos como o MPT.
Além deste prejuízo manifesto, o prolongamento da greve expõe no horizonte um outro grave risco: a não realização da Operação Resgate em 2024. Nos últimos três anos as instituições do fluxo nacional de atendimento as vítimas (MPT, MPF, DPU, PF, PRF e MTE) concentraram esforços para realização das operações resgate, que culminou, na edição mais recente, no resgate de mais de 500 trabalhadores. A paralisação congelou os preparativos e a organização para 2024.
É por isso que o dia da “abolição”, neste ano, exige a resolução dessa questão pelo governo federal e pelo Ministério do Trabalho e Emprego, para que o impasse em torno da paralisação dos auditores-fiscais do trabalho seja solucionado e a política interinstitucional de combate ao trabalho escravo volte a contar com esse importante parceiro.
Os números das operações dos últimos três anos são expressivos
Operação Resgate 1 - Em 2021, a Operação Resgate efetuou 128 fiscalizações distribuídas em 22 estados brasileiros e no DF. Na ocasião, foram resgatados de condições análogas às de escravo 136 trabalhadores, sendo cinco imigrantes e oito crianças e adolescentes.
A ação conta com a participação da Polícia Federal, do MPT, da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), do Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública da União (DPU). Aproximadamente 300 policiais federais, 100 auditores fiscais do trabalho, 29 procuradores do trabalho, 78 agentes de segurança institucional participaram das autuações.
Operação Resgate 2: 337 trabalhadores resgatados. Participaram ativamente do resgate das vítimas mais de 100 auditores fiscais do Trabalho, 150 policiais federais, 80 policiais rodoviários federais, 44 procuradores do Trabalho, 12 defensores públicos federais e 10 procuradores da República. As verbas salariais e rescisórias devidas aos trabalhadores somaram mais de R$ 3,8 milhões. Além disso, podem ser responsabilizados por danos morais individuais e coletivos, multas administrativas e ações criminais.
Operação resgate 3: 532 trabalhadores resgatados. Desses, 441 são homens e 91 mulheres. Seis são crianças e adolescentes e dez, trabalhadoras domésticas – uma delas com 90 anos de idade.
Foram 222 ações de fiscalização em 131 municípios de 22 estados e no Distrito Federal. Os trabalhadores já receberam, aproximadamente, R$ 3 milhões em verbas rescisórias e já foram pagos cerca de R$ 2 milhões em danos morais coletivos. O valor total será maior, pois muitos pagamentos ainda estão em processo de negociação com os empregadores ou serão judicializados.
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