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2022: um ano atípico para o Direito Penal

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Por Alamiro Velludo Salvador Netto e Fabrício Reis Costa
Alamiro Velludo Salvador Netto e Fabrício Reis Costa. FOTOS: DIVULGAÇÃO  Foto: Estadão

A escolha de novidades legislativas e judiciárias para uma análise das matérias penal e processual penal tratadas no ano de 2022, de largada, mostra uma grande diferença em comparação com o ocorrido em anos anteriores, a exemplo de 2021. Tal variação decorre, em grande medida, da pequena quantidade de leis penais sancionadas neste ano, o que pode ter ocorrido em razão de ter-se vivido um ano eleitoral movimentado, com pleitos para deputados estaduais e federais, além dos cargos majoritários, como os de senadores, governadores e a Presidência da República.

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Dito isso, propõe-se aqui a elaboração de uma breve retrospectiva, passando por inovações legislativas - ainda que não sancionadas pelo Poder Executivo - além de novidades trazidas por decisões judiciais, que possuíram, estas sim, forte atuação no cotidiano nacional.

Em primeiro lugar, destaca-se a criação de um novo crime, na Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), que trata do delito de "Violência Institucional", criado por meio da Lei nº 14.321/2022, popularmente conhecida como Lei Mari Ferrer. Trata-se de crime consistente em "submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade, a situação de violência ou outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização". Tal dispositivo deve ser compreendido criticamente, uma vez que positivo na proteção de vítimas e testemunhas, mas que pode vir a mitigar o direito de defesa ou até a busca pela "verdade real" no processo penal, caso coíba a atuação defensiva, como o direito à formulação de perguntas que poderiam trazer benefícios ao réu.

Ainda sobre a proteção da vítima e pessoas vulneráveis, no ano de 2022 foi sancionada a denominada Lei Henry Borel (Lei nº 14.344/2022), que, nos mesmos moldes da Lei nº 11.340/06 - conhecida como Maria da Penha -, prevê medidas protetivas de urgência às crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica e familiar.

Para além disso, ainda na esteira das proposições por parte dos legisladores, podem ser destacados projetos que versam sobre crimes cometidos por meios tecnológicos, como o recém aprovado PL nº 4.401/2021, que prevê regras penais e administrativas para a negociação de criptomoedas. Se sancionado, esse diploma adicionará ao Código Penal o artigo 171-A, cominando a pena de reclusão de 4 a 8 anos em caso de cometimento do crime de estelionato por meio de ativos virtuais. De igual modo, foi apresentado o PL nº 970/2022, que versa sobre aumento da pena do crime de extorsão quando a vantagem econômica indevida é obtida via Pix ou meio assemelhado, ademais de aumentar a pena do crime de estelionato praticado por meio de serviço de mensagens instantâneas.

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Todas as proposituras até aqui elencadas dão conta de demonstrar uma política criminal de agigantamento da lei penal frente ao cidadão, denotando o que já foi na retrospectiva de 2021, que é a opção por um sistema criminal baseado em um modelo de segurança pública. Dito de outro modo, entre o Direito Penal assegurar os limites do Estado e ser um instrumento de securitário, escolhe-se o segundo.

Não bastando as novidades legislativas, o ano de 2022 foi pródigo em decisões judiciais dignas de destaque como, por exemplo, a proibição de armas de fogo nos locais de votação, a garantia do direito do delatado em acessar o conteúdo de colaborações premiadas, a ocorrência - ainda não finalizada - do julgamento pelo STF sobre a prisão especial para pessoas com diploma de nível superior.

Sobre a primeira das decisões aqui mencionadas, tem-se que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu proibir a circulação de pessoas portando armas nos locais de votação, nas seções eleitorais e em outras localidades eleitorais no dia das eleições. A proibição valeu para as 48h que antecedem e as 24h que sucedem o pleito, no perímetro de 100 metros. O presidente da corte eleitoral, ministro Alexandre de Moraes, afirmou, naquela oportunidade, que o TSE não estaria afastando o porte de arma nos termos da lei, tão somente o porte nos locais de votação, como é determinado para estádios, aeroportos e bancos, entre outros.

Sobre a decisão relativa ao acesso do delatado ao conteúdo de colaborações premiadas, tem-se que a decisão do ministro relator Ricardo Lewandowski deve ser festejada, na medida em que positiva para o direito de defesa. Naquela oportunidade, o ministro afirmou - nos termos do próprio artigo 7º da Lei nº 12.850/13 - que o acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa deve ser garantido ao representante do investigado.

Por fim, com relação à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 334, cabe menção aqui ao voto do ministro Alexandre de Moraes que apontou o critério do diploma em nível superior como verdadeiro privilégio social, semelhante às discriminações promovidas em sociedades de castas e totalmente incompatível com o Estado Democrático de Direito em vigência no Brasil. Em que pese o julgamento não ter ainda sido finalizado, tudo aponta para que esse posicionamento será o vencedor.

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Em resumo, diferente de anos anteriores, 2022 foi um ano legislativamente mais calmo para o Direito Penal, sem fortes mudanças estruturais. As poucas novidades legais - que vinham se agigantando desde o popular "Pacote Anticrime" de 2019 - perderam força, ao menos por ora. Para os estudiosos e operadores do Direito e do Processo Penal, ao que parece, cada vez mais ganham força as questões advindas de órgãos judiciários, cuja importância ainda deverá ser objeto de detida análise por todos os atores e interessados no sistema de justiça criminal

*Alamiro Velludo Salvador Netto, professor titular do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da USP; advogado em AVSN Advogados Associados

*Fabrício Reis Costa, mestrando em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP; advogado em AVSN Advogados Associados

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