A construção de novos modelos de negócios, buscando a sustentabilidade empresarial plena, baseada em pilares mais sólidos e mais modernos do que o universo corporativo estava acostumado até o final do Século XX – ampliando e modernizando conceitos de resultados, e de retorno sobre os investimentos – está cada vez mais forte (a despeito dos enormes desafios que enfrenta); e 2023 está sendo uma grande prova de fogo.
O tema está movimentando investimentos, empreendedores, academia, executivos, colaboradores, parceiros comerciais, consumidores, opinião pública e tantos outros setores da sociedade, que podemos destacar o E-ESG como a grande questão do empresariado, no Brasil e no mundo todo. E já não se vê rodas corporativas de conversa ou eventos corporativos que não o abordem.
Ninguém nega a importância da questão, que passa por todas as empresas, todas as áreas e todas as atividades econômicas e profissões, envolvendo executivos, consultores e agentes de todas as categorias. E justamente, por conta dessa magnitude e desse impacto, precisamos acompanhar os movimentos voluntários das organizações e os que são direcionados pelos reguladores e pelo legislativo.
Da contabilidade ao marketing, dos recursos humanos ao financeiro, das áreas de inovação ao departamento jurídico, da governança corporativa ao compliance, dos conselhos às gerências, das assembleias gerais às rodadas de investimento, dos comitês internos às reuniões dos conselhos, dentre outros, temos (todos) abordado e discutido questões que passam necessariamente pelo impacto das escolhas e das decisões, e pelas maneiras de buscarmos mais sustentabilidade nas organizações e nos negócios.
Seja no planejamento estratégico, nas formas de financiamento, ou nos aspectos ligados à advocacia corporativa moderna, a necessidade de incluir os temas ESG, por exemplo, nos movimentos empresariais, nos contratos, na concepção de novos produtos e serviços, nas parcerias, nos novos cuidados com a terceirização, nas novas construções (de fábricas, lojas, prédios, escritórios etc.), assim como com a melhoria dos processos de compras e das auditorias, nas operações e nos projetos em geral, é enorme.
Por consciência, por pressão social ou de parceiros, ou até mesmo por constrangimento, vemos todos os dias que grandes decisões de investimentos consideram cada vez mais os impactos de novas fábricas, novas jazidas, novas operações, novas unidades. E que os empresários e investidores mais conscientes já não buscam o lucro ou retorno rápidos (que são efêmeros), mas a efetiva geração e manutenção de valor – ou seja, a sustentabilidade.
Já se notam, também, iniciativas legislativas e normas reguladoras em diversos países, que se juntam a clamores sociais e ao aumento da consciência das pessoas; e em alguns casos se percebe a preocupação dos reguladores com a necessidade de se organizar a divulgação de informações para, também, tentar barrar o “greenwashing”.
2023 está se mostrando um ano de muitos esforços na construção da sustentabilidade – e tudo indica que seja um grande divisor de águas, especialmente no Brasil. E, certamente, veremos mais movimentos nesse sentido – inclusive por pressão internacional, e dos mercados consumidores.
Os desafios e as críticas existem, bem como crises nacionais e internacionais (incluindo guerras, grandes desastres naturais e climáticos, disputas comerciais e questões econômicas), mas, em certa medida, os maiores críticos ao ESG, que dele reclamavam (ou duvidavam) por conta das crises, que em sua visão impediriam as empresas de serem mais conscientes, já estão ficando sem argumentos. Em resumo, não se pode deixar de considerar a sustentabilidade em todos os negócios e segmentos, mesmo que não seja simples e nem fácil (ou necessariamente barato).
Com ou sem pandemias, com ou sem crises econômicas e políticas, bem como com ou sem guerras e conflitos em geral, a verdade é que as empresas estão assumindo o seu papel na sociedade como um todo, percebendo que não são e não podem ser neutras, pois não operam no vácuo.
Mudanças e desastres climáticos são cada vez maiores, mais frequentes e mais devastadores, bem como a percepção da desigualdade social e de suas consequências, de maneira que não se pode ignorar, nem cruzar os braços.
Todas as atividades empresariais geram impactos, de maneira que a escolha está (apenas) no tipo de impacto que se pretende imprimir às pessoas, ao meio ambiente e ao Planeta. Dessa forma, cada vez mais veremos empresas efetivamente preocupadas com o seu papel e as suas contribuições, e empresas que “não ligam” (que por sua vez serão avaliadas pela sociedade em geral, que as prestigiará e incentivará – ou não).
No intuito de organizar todas essas questões, 2023 nos apresenta movimentos importantes que precisam ser registrados e acompanhados, como a entrada em vigor das novas normas da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) no tocante aos formulários e às divulgações em geral, no que se refere ao ESG.
Ainda que a CVM não esteja, por enquanto, determinando atitudes práticas das companhias, permitindo, inclusive, em alguns casos, o sistema “pratique ou explique”, o avanço é tremendo, e muito importante.
O grande objetivo é tentar organizar e uniformizar a maneira de se divulgar informações ao mercado, e de se comunicar com investidores, permitindo maior visibilidade a certos temas, bem como alguma comparação, além de tentar reduzir o risco de “greenwashing”.
As informações já divulgadas neste ano serão utilizadas não apenas para as tomadas de decisão por parte dos investidores, mas também terão grande impacto comparativo, entre empresas e segmentos, num primeiro momento, e no tocante aos anos, uma vez que se espera evolução ao longo do tempo. Certamente serão, também, objeto de grande debate nas assembleias gerais dos próximos anos.
2023 também engloba iniciativas importantes por parte da B3 (a grande “bolsa” brasileira) que não se omitiu, e reviu suas políticas e requisitos de sustentabilidade para segmentos das empresas listadas, como o Novo Regulamento de Emissores, que, igualmente, ajudarão a manter o ESG como uma das prioridades das companhias.
E, ainda, o lançamento da nova versão do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa (6ª edição) do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), que foi totalmente reformulado, e que passou a incluir a sustentabilidade como pilar fundamental da boa governança.
Percebemos, assim, que ao considerarmos o conjunto do que nos trouxeram a CVM, a B3 e o IBGC, é inegável que o tema ESG é fundamental para o mercado de capitais brasileiro, e para as empresas em geral – por conta da necessidade de se fortalecer as boas práticas em governança corporativa.
Esses primeiros passos são estruturantes, e terão fortíssimo impacto orientador (neste e nos próximos anos) para todos os mercados, e todas as empresas, de todos os portes, segmentos e setores – uma vez que ao focar em universos que envolvem empresas maiores, mais conhecidas, mais fortes, mais conscientes e mais comprometidas com a boa governança, atuam, também, como modelos e inspirações para as demais organizações.
Esse conjunto de novas normas tende a organizar bastante o tema ESG no Brasil, pois, aos poucos, e mesmo por influência das empresas líderes, que precisam manter a sustentabilidade ao longo de toda a cadeia produtiva (incluindo todos os seus fornecedores, parceiros, distribuidores e revendedores), impactará praticamente todo o universo corporativo do País. Ou seja, os impactos virão, também, por pressão dos mercados.
2023 é um grande marco, e seguiremos acompanhando os movimentos ESG nos próximos anos, focando na construção de empresas melhores, maiores, mais valiosas e rentáveis, e fortemente comprometidas com a sustentabilidade, que realizem melhores e maiores negócios.
*Leonardo Barém Leite é sócio sênior do escritório Almeida Advogados e presidente da Comissão de Direito Societário, Governança Corporativa e ESG da OAB-SP/Pinheiros
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