O procurador-geral da República, Augusto Aras, propôs ao Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 18 de setembro do corrente ano, arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) contra o pagamento de pensões, aposentadorias especiais e benefícios similares a ex-governadores e seus dependentes. Na ação, com pedido de medida cautelar para suspender imediatamente os pagamentos, o PGR destaca levantamento de 2018 que aponta que 18 estados brasileiros realizam esse tipo de pagamento, somando R$ 23 milhões por ano.
Com a ADPF, Augusto Aras pretende que se dê o mesmo tratamento a todos os estados que se encontram nessa situação. Ele lembra que vários entes suspenderam o pagamento por força de impugnação de suas normas, enquanto outros, mesmo com julgamentos contrários, continuam pagando os benefícios. Um exemplo é o estado da Paraíba que ainda paga as pensões de ex-governadores a seus dependentes, "em evidente desobediência à decisão do STF", que julgou procedente ação direta de inconstitucionalidade contra o benefício.
No passado, em outros casos, por exemplo, as ações diretas de inconstitucionalidade não foram conhecidas em razão da revogação das normas questionadas, mas as pensões continuam sendo pagas. Essa é a situação do Acre, Santa Catarina, Amazonas, Minas Gerais e Rondônia. Na ação, o procurador-geral cita que Paraná, Mato Grosso, Ceará, Sergipe, Piauí, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Roraima e Bahia suspenderam o pagamento de pensão vitalícia a ex-governadores em razão de decisão em ADIs julgadas pelo STF.
Agiu bem o procurador-geral da República.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que é cabível o ajuizamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental com relação an revogada(ADPF 33, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgada em 7 de dezembro de 2005).
A concessão de aposentadorias a ex-governadores vem sendo discutida há anos no Supremo Tribunal Federal.
Os estados agem no vácuo de uma regra federal. Até 1988, os ex-presidentes da República tinham direito ao recebimento de uma aposentadoria. Os governos estaduais então, replicavam o benefício para os chefes do poder local.
A Constituição de 1988 acabou com a aposentadoria para os presidentes, mas não proibiu explicitamente a concessão da pensão aos governadores.
A Constituição Federal estabelece que a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.
Essa a redação dada pela Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro de 2003.
No julgamento da ADIMC - 1590/SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 15 de agosto de 1997, decidiu-se que a norma do artigo 37, XI, da Constituição é autoaplicável, no plano federal, estadual e municipal e no Distrito Federal, porque dotada de suficiente densidade normativa, independente da promulgação da lei a que seu texto alude.
Não podem ser recebidas fora do teto as vantagens pessoais, de que são exemplo: adicional do tempo de serviço, quintos, gratificações de gabinete e funções incorporadas, gratificações de risco de vida. É certo que, no passado, entendeu o Supremo Tribunal Federal que as vantagens pessoais devem ser excluídas do limite máximo de remuneração, como se lê do RE 185.842/PE, Relator para o acórdão o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 2 de maio de 1997.
Sendo assim não vejo, necessariamente, que se aguarde uma norma estadual, ainda que por emenda Constitucional, que faça impor esse limite já dado pela Constituição Federal de 1988.
Há, no caso, princípio constitucional estabelecido, que obriga aos Estados-Membros e ao Distrito Federal a agirem consoante a Constituição.
A norma do artigo 37, XI, da Constituição aplica-se aos Estados-membros, Municípios, uma vez que estamos diante de princípios constitucionais que, como bem explicou Raul Machado Horta (A autonomia do Estado-Membro no Direito Constitucional Brasileiro, Belo Horizonte, 1964, pág. 225), limitam a autonomia organizatória dos Estados, na medida em que são regras que revelam, previamente, a matéria da sua organização e as normas constitucionais de caráter vedatório, bem como princípios de organização política, social e econômica, que determinam o retraimento da autonomia estadual, cuja identificação reclama uma pesquisa ao texto da Constituição.
Estamos diante de limitações explícitas ou implícitas que a Constituição Federal apresenta aos Estados Membros, aos Municípios e ao Distrito Federal e que podem ser vedatórias ou mandatórias.
São o que José Afonso da Silva(Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, ed. RT, 5ª edição, pág. 515) chama de princípios constitucionais estabelecidos.
Em julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em caráter liminar, que a pensão vitalícia para a ex-governadores é inconstitucional. O caso analisado pela Corte trata de uma ação específica da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) referente ao Estado do Pará.
Tramitaram no STF diversas outras ações para cassar pensões vitalícias: no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia, Paraíba, Piauí, Sergipe, Paraná, Ceará e Mato Grosso do Sul.
A concessão do benefício referenciado distingue indevidamente determinados agentes políticos dos demais cidadãos e cria espécie de casta por estabelecer a pensão aos ex-governadores que hajam contribuído para a previdência social. por, no mínimo, 30 anos.
O princípio republicano e o da igualdade exigem que, ao final do exercício de cargo eletivo, seus ex-ocupantes sejam tratados como todos os demais cidadãos, sem que haja razão para benefícios decorrentes de situação pretérita, ainda mais de forma vitalícia.
No federalismo adotado pela Constituição de 1988, nem mesmo a autonomia dos Estados ou sua competência concorrente em matéria de previdência social os autoriza a inovar o ordenamento jurídico mediante instituição de 'pensão especial' em benefício de ex-governadores, afirmar-se.
Noticia-se, por fim, que a Procuradoria da República no Rio Grande do Norte encaminhou uma representação à Procuradoria Geral da República (PGR), em Brasília, questionando a regulamentação da pensão vitalícia dos ex-governadores do Rio Grande do Norte José Agripino Maia e Lavoisier Maia Sobrinho. O governo publicou no dia 24 de setembro de 2016 os atos que concedem o subsídio mensal aos dois ex-chefes do Executivo Estadual.
Aponta-se a violação aos princípios da igualdade, da moralidade e da impessoalidade.
Na matéria, Celso Antônio Bandeira de Mello(O conteúdo jurídico do principio da igualdade, São Paulo, RT, 1978) começa por observar que qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações pode ser escolhido pela lei, como fator discriminatório, donde se segue que, de regra, não é o traço de diferenciação escolhido que se deve buscar algum desacato ao principio isonômico. Todavia as discriminações legislativas são compatíveis com a cláusula igualitária apenas tão-somente quando existe um vinculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida, por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida. Não basta, porém, a existência desta correlação; é ainda necessário que ela não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição.
Portanto, nota-se, de plano, afronta-se da norma que determina tal concessão, pois são criadas discriminações legislativas que desafiam a lógica da razoabilidade e são incompatíveis com a chamada cláusula igualitária.
Pelo princípio da impessoalidade há a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. .Sem dúvida há afronta a esse principio da impessoalidade, pois que o ato tem o liame da concretude em afronta a generalidade própria de uma medida legal.
Pelo princípio da moralidade, em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa.
Os prejuízos causados com tal medida, sem dúvida, afrontam não só ao Erário como ainda a princípios fundamentais protegidas pela Constituição, em que se destaca o chamado princípio republicano.
A concessão desse benefício, por fim, agride ao principio republicano, princípio democrático qualificado, que não diferencia perante a lei.
*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado
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