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30 anos do ECA devem ser comemorados, mas ainda há muitos desafios

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Por Jucimeri Isolda Silveira
Atualização:
Jucimeri Isolda Silveira. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Em 2020, o Brasil comemora os 30 anos da Lei 8.069/1990, texto que é mais conhecido como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes no país. A legislação trata dos direitos fundamentais à pessoa em desenvolvimento, responsabiliza a família, o Estado e a sociedade, na tarefa coletiva de proteção de crianças e adolescentes, compreendidas como sujeitos de direitos.  Consideradas avançadas, as previsões do ECA ganharam, inclusive, reconhecimento junto à Organização das Nações Unidas (ONU).

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Promulgado menos de dois anos após o advento da Constituição Federal de 1988, o ECA deixou evidente que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e revogou a polêmica Lei 6.697/1979, também chamada de Novo Código de Menores. A grande diferença do ECA para a lei anterior é que a legislação antiga só trazia disposições sobre como lidar com um conflito que já estivesse instalado, sem preocupação com a prevenção ou com a garantia de direitos inerentes aos adolescentes, partindo de uma perspectiva meramente punitivista.

Pela atual legislação, as crianças e adolescentes brasileiros têm como principais direitos o acesso à educação, cultura, saúde e segurança alimentar de qualidade, bem como a proibição do trabalho. Além disso, o ECA prevê expressamente que as crianças brasileiras devem brincar, praticar esportes e se divertir. A lei também dispôs que não cabe somente ao Poder Público e às famílias o dever de cuidado com as crianças e adolescentes, mas que também é papel de toda a sociedade garantir direitos, reivindicar e participar da elaboração de políticas públicas que deem conta dessa proteção. Nesse sentido, criou órgãos de controle democrático e defesa de direitos, notadamente os Conselhos de Direitos e os Conselhos Tutelares.

Uma das principais conquistas do ECA nessas três décadas foi a redução de mortalidade infantil, que permitiu a sobrevivência de 827 mil crianças na primeira infância entre 1996 e 2017, de acordo com a Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O Brasil, porém, é apontado atualmente como um dos países mais desiguais do mundo. Segundo a Unicef, no mesmo período, 191 mil crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos foram vítimas de homicídio no país. É uma triste realidade de Estado penal para a população mais pobre e que vive em contextos mais desiguais.

Observa-se, portanto, que ainda há muitos desafios a serem enfrentados, sendo que a realidade demonstra a necessidade de um Estado efetivamente Social e de desafios urgentes quanto às responsabilidades dos atores do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes, visando a materialização, a integralidade e a universalidade com diversidade dos direitos humanos das crianças e adolescentes brasileiras.

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Em 2019, foram registrados 86,8 mil casos de violações de direitos das crianças e adolescentes por meio do Disque Direitos Humanos, um aumento de 14% em relação aos números de 2018 contabilizados pelo mesmo canal. Entre eles, 11% se referem à violência sexual. Importante dizer, ainda, que muitos casos não chegam a ser notificados - a real situação, portanto, pode ser muito mais grave.

O acesso à educação, ainda mais em tempos de pandemia da Covid-19, quando os estudantes brasileiros precisaram se adaptar às aulas remotas, também merece uma atenção maior. De acordo com a fundação Abrinq, em 2018 havia 1,3 milhão de crianças e adolescentes fora da escola. As condições de ensino no Brasil precisam ser revistas com efetivo pacto federativo, por isso a importância, num contexto de tanta adversidade, da aprovação do Fundeb - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

A pandemia trouxe situações novas e excepcionais, e a atual situação pela qual o país passa expõe, ainda mais, as desigualdades brasileiras, o que afeta diretamente as crianças e adolescentes. Os instrumentos de proteção, entretanto, permanecem os mesmos já definidos legalmente pelo ECA. Neste cenário, destaca-se o congelamento dos recursos para as políticas sociais por 20 anos, diante da vigência da Emenda Constitucional nº 95/16 que além de congelar os patamares orçamentários atingidos, tem retirado direitos da população e inviabilizado os sistemas públicos de saúde, de assistência social, de educação, entre outros, bem como programas fundamentais como de enfrentamento ao trabalho infantil e das violências.

A pandemia tem escancarado a falência de um Estado neoliberal e a necessidade de sistemas integrados, democráticos e universais de proteção social. A pandemia que afeta toda a humanidade atinge especialmente as populações que vivem em condição mais desigual. Daí a importância de seguranças sociais como renda, para que a população possa ter acesso a um conjunto de serviços e benefícios. O contexto de enfrentamento da Covid19 tem exigido de nós reflexões sobre que padrão de sociabilidade e proteção queremos para nossas crianças e adolescentes e para a população brasileira em geral.

Nesses 30 anos de ECA, o horizonte de direitos materializados e de vida digna para crianças e adolescentes permanece orientando compromissos e ações coletivas. A legislação, interligada com demais legislações sociais, já apresenta responsabilidades e direitos fundamentais. Resta efetivá-los e colocá-los, plenamente, em prática, agora e no pós-pandemia.

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*Jucimeri Isolda Silveira é mestre em Sociologia, doutora em Serviço Social, professora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR

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