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A arbitragem e a transação na solução de disputas tributárias do agronegócio

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Por Sérgio Farina Filho, Andréa Mascitto e Diego Filipe Casseb
Atualização:
Sérgio Farina Filho, Andréa Mascitto e Diego Filipe Casseb. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A legislação tributária brasileira é indiscutivelmente complexa e a dificuldade de sua interpretação e aplicação às empresas do agronegócio é ainda maior. As controvérsias surgem desde o início, na fase de estruturação da atividade rural, e se estendem a toda a cadeia de produção, sendo ainda agravadas pela interpretação restritiva dada pelas autoridades fiscais aos regimes diferenciados de tributação instituídos para atender às especificidades da atividade agropecuária. O resultado disso é o elevado grau de litigiosidade e a existência, por vezes, de intermináveis discussões entre Fisco e contribuintes.

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Como exemplo, controvérsias sobre a aplicação de regras diferenciadas de PIS/COFINS (que podem deixar de existir caso seja aprovada a Contribuição sobre Bens e Serviços - CBS recentemente proposta pelo Governo Federal), ou mesmo relativas ao direito ao aproveitamento de créditos dessas contribuições, podem levar anos para se encerrarem. A legislação atinente a essas contribuições foi objeto de ajustes ao longo dos anos, mas, em contrapartida, houve aumento da complexidade das regras tributárias.

Outro tema controverso está relacionado à configuração ou não de determinados contratos como de parceria ou arrendamento rural. Para cada tipo de contrato, existem regras específicas de apuração do Imposto de Renda. Citem-se ainda discussões sobre o uso de crédito no âmbito do REINTEGRA, relacionadas à definição da base tributável e incidência do Imposto Territorial Rural e à incidência de Imposto de Renda no ganho de capital decorrente da venda de imóvel rural.

Além desses temas recorrentes, em 2020, o STF passou a incluir em pauta de julgamento diversos casos de repercussão geral reconhecida e que envolvem muitas empresas do setor, mas que aguardam em média cerca de 12 anos para serem julgados, se computarmos o tempo médio de tramitação de uma ação tributária adicionado do tempo de julgamento de temas pelo Supremo desde o reconhecimento de sua repercussão geral.

Para ilustrar, citamos dentre os casos mais recentes julgados pelo STF tema que pode impactar as holdings rurais: imunidade do ITBI (tema 796) em relação à incorporação de imóveis ao patrimônio de empresa. O STF decidiu que a imunidade não se aplica caso o valor total dos imóveis exceda o limite do capital social a ser integralizado.

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Para abreviar a solução de disputas ou em caso de decisões finais desfavoráveis, em muitos casos, os contribuintes do agronegócio já podem contar com a transação como meio alternativo para resolução de conflitos e quitação de dívidas. Com base no artigo 171 do Código Tributário Nacional, a lei pode facultar a celebração de transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário. Já há mais de 50 mil[1] acordos de transação firmados, envolvendo cerca de R$ 10 bilhões, considerando todas as modalidades de transação federal atualmente possíveis.

Na esfera federal, a Lei nº 13.988/2020 permite que a União realize transação (i) por proposta individual ou por adesão, na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa, (ii) por adesão, nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e (iii) por adesão, em caso de débitos de pequeno valor.

Além disso, no contexto da pandemia de COVID-19, criou-se a transação extraordinária e a transação excepcional, cada uma com seus requisitos próprios. A primeira - cujo prazo de adesão se esgota em 31.9.2020 - apresenta como maior atrativo o alongamento do prazo de pagamento, e a segunda - cujo prazo de adesão se esgota em 29.12.2020 - traz a possibilidade de descontos especialmente àquelas pessoas cuja receita foi comprovadamente afetada com a pandemia.

Recentemente, foi publicada a Lei Complementar nº 174/2020, regulamentada pela Portaria PGFN nº 18.731/2020, que estende a possibilidade de realizar transação às empresas optantes pelo Simples Nacional, para fins de pagamento parcelado e com descontos para dívidas considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação. A Receita Federal também instituiu a transação tributária para o contencioso administrativo de pequeno valor, com prazo de adesão até dia 29.12.2020, que pode ser aproveitado por pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte. A possibilidade de transação tributária também existe para outras unidades federativas, como no Município de São Paulo, em razão da recente Lei nº 17.324/20, que será regulamentada neste mês de setembro.

Em breve, pode ser instituída a transação tributária relativa a débitos estaduais inscritos em dívida ativa do Estado de São Paulo, já que o governo apresentou o Projeto de Lei nº 529/2020 à assembleia legislativa, que prevê pagamento em prazos maiores e descontos nas multas e nos juros de débitos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação.

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Outra forma de resolução de conflitos que está por vir é a arbitragem tributária. Tramita no Senado o Projeto de Lei nº 4.257/19[2], que propõe alteração na Lei de Execuções Fiscais para prever que, após a garantia da dívida por dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, o executado possa optar pela adoção de juízo arbitral de direito para julgar seus Embargos à Execução Fiscal em qualquer das três esferas, respeitados os requisitos da Lei nº 9.307/96, que dispõe sobre a arbitragem de forma geral. Já há parecer favorável à aprovação do projeto pela Comissão de Assuntos Econômicos e sua análise é aguardada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que promoveu, no final de 2019, audiência pública para debater a matéria. Além disso, o PL 4.468/20, recentemente apresentado no Senado, busca instituir a arbitragem tributária para dívidas fiscais ainda não definitivamente constituídas, o que é uma inovação em comparação com o PL 4.257/19.

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No âmbito Estadual, pode-se citar o Projeto de Lei nº 531/2020, que tramita na Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Embora o projeto trate alguns aspectos da arbitragem de forma diferente do que já disciplinado na Lei Federal nº 9.307/96 e seja de fato suscetível a críticas, os projetos sobre arbitragem tributária representam importante passo para se iniciar a discussão sobre o tema.

Em conclusão, a interpretação de normas e regimes diferenciados que atendem às especificidades do agronegócio leva muitas vezes a discussões tributárias intermináveis. Atualmente, a transação pode auxiliar no encerramento dessas disputas, especialmente as que possuem baixas chances de êxito e que, se levadas adiante, podem consumir, desnecessariamente, tempo e recursos valiosos. É mais um instrumento para a manutenção da tão importante regularidade fiscal exigida para a continuidade das atividades do setor, e há ainda espaço para sua expansão e implementação de outros instrumentos, tal como a arbitragem.

*Sérgio Farina Filho, sócio de Tributário de Pinheiro Neto Advogados

*Andréa Mascitto, sócia de tributário de Pinheiro Neto Advogados, co-coordenadora do grupo de pesquisa "Métodos Alternativos de Resolução de Disputa em Matéria Tributária" do Núcleo de Direito Tributário da FGV Direito SP e professora da FGV Direito SP

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*Diego Filipe Casseb, associado de tributário de Pinheiro Neto Advogados

[1] Conforme consta no site da PGFN: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/divida-ativa-da-uniao/painel-dos-parcelamentos/

[2] Sem nos esquecermos do Projeto de Lei Complementar nº 469/2009, parado há cerca de 11 anos na Câmara dos Deputados.

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