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Opinião|A ascensão da democracia dos não eleitos

Neste Dia Internacional da Democracia, precisamos refletir sobre os perigos da “democracia dos não eleitos” e lutar para restabelecer a democracia popular como o verdadeiro pilar do nosso sistema político. Afinal, sem a participação direta do povo, a democracia se transforma em uma casca vazia, desprovida de sua essência e de seu propósito fundamental

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convidado
Por Carlos Arouck

Neste Dia Internacional da Democracia, refletimos sobre o significado desse valor tão caro à sociedade. Tradicionalmente, a democracia é entendida como o governo do povo, pelo povo e para o povo. No entanto, nos últimos anos, temos assistido a uma transição preocupante: a substituição da “democracia popular” pela “democracia dos não eleitos”. Essa mudança tem diluído o poder da vontade popular em favor de decisões tomadas por indivíduos que não foram escolhidos diretamente pela população.

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A democracia popular está sendo enfraquecida por estruturas que concentram poder nas mãos de elites tecnocráticas, membros do judiciário e outras instituições que, embora possuam um papel relevante no sistema de freios e contrapesos, acabam por assumir funções que extrapolam suas responsabilidades. Um exemplo disso é o aumento da judicialização da política, em que cortes supremas e tribunais constitucionais muitas vezes decidem o destino de políticas públicas e questões sociais sem a participação direta dos eleitores.

No Brasil, esse fenômeno é representado pelo crescimento da influência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em decisões que afetam diretamente o curso político do país. Embora o papel desses tribunais seja essencial na preservação do Estado de Direito, o fato de juízes não eleitos muitas vezes ditarem os rumos da nação cria um desequilíbrio à sociedade. Cada vez mais, são esses magistrados, indicados por governantes passados, que estão moldando o futuro político, em vez dos representantes eleitos pelo povo.

Outro fator que contribui para essa perda de poder popular é a expansão contínua do poder do Executivo. Presidentes e primeiros-ministros, eleitos com promessas de mudanças ou de manutenção de uma determinada agenda, cada vez mais dependem de decretos, ordens executivas e medidas provisórias para governar, frequentemente à margem do legislativo. Quando esse poder executivo é apoiado por tecnocratas, conselheiros ou organismos reguladores, que não possuem mandato popular, isso intensifica a centralização do poder nas mãos de poucos.

No Brasil, vemos frequentemente o uso extensivo de medidas provisórias para contornar o debate legislativo, que deveria ser o fórum apropriado para a discussão de questões políticas. Embora essas medidas possam ser justificadas em momentos de urgência, o abuso desse mecanismo enfraquece o papel dos representantes eleitos e limita o envolvimento da população no processo decisório.

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Além dos tribunais e do executivo, outro fenômeno que coloca a democracia em risco é o crescimento do chamado “Estado Profundo” ou deep state, em que grupos de burocratas não eleitos, muitas vezes atuando dentro de agências reguladoras, ministérios e outras estruturas do governo, acumulam um poder desproporcional. Essas elites tecnocráticas tomam decisões que afetam a vida cotidiana dos cidadãos, sem qualquer mecanismo direto de controle popular sobre suas ações.

No cenário global, há exemplos como a União Europeia, onde decisões cruciais para milhões de cidadãos são tomadas por burocratas não eleitos, com mínima supervisão democrática. Embora a existência de organismos especializados seja crucial para a administração pública, o distanciamento entre esses tomadores de decisão e o povo alimenta um sentimento crescente de desconfiança e alienação.

O legislativo, por sua vez, tem sido cada vez mais marginalizado. Em vez de atuar como o grande fórum de debate democrático, os parlamentos ao redor do mundo, e especialmente no Brasil, veem suas atribuições minadas pelo aumento do poder judicial e do executivo. Leis são reescritas, invalidadas ou reinterpretadas por cortes, e o legislativo muitas vezes se submete ao ritmo ditado por outros poderes, em vez de representar os interesses diretos de seus eleitores.

Quando os parlamentares perdem relevância no processo político, a democracia deixa de ser exercida plenamente. Sem um congresso forte e atuante, o sistema de checks and balances fica comprometido, e a vontade popular é, mais uma vez, ofuscada por decisões de quem não responde diretamente ao povo.

A perda da democracia popular também se reflete no papel da mídia e das redes sociais. Embora as plataformas digitais tenham surgido como ferramentas de democratização da informação, elas rapidamente se tornaram arenas controladas por algoritmos e corporações que filtram o que é ou não divulgado. Além disso, decisões de censura por grandes plataformas são muitas vezes influenciadas por grupos de pressão e governos, sem qualquer transparência ou controle democrático.

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No Brasil, temos assistido a um aumento da interferência das cortes em redes sociais, como as ordens do STF para bloquear ou retirar do ar conteúdos que, em sua visão, violam a legislação eleitoral ou atentam contra a democracia. Contudo, esse tipo de ação, quando desmedido, pode criar um ambiente de censura que sufoca o debate público, substituindo a pluralidade de vozes por um controle centralizado sobre a informação.

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Se a democracia popular está em risco, como podemos recuperá-la? Em primeiro lugar, é necessário que as instituições que não foram eleitas diretamente pelo povo reconheçam seus limites e respeitem o princípio fundamental da soberania popular. O fortalecimento do poder legislativo, a revisão do papel dos tribunais e o controle mais efetivo sobre o poder executivo são essenciais para equilibrar novamente o sistema.

Além disso, a sociedade civil precisa se engajar de forma mais ativa na política. A participação popular vai além do voto. A cobrança contínua sobre os eleitos e o monitoramento de suas ações são fundamentais para garantir que o poder permaneça nas mãos de quem realmente detém a legitimidade para exercê-lo: o povo.

Neste Dia Internacional da Democracia, precisamos refletir sobre os perigos da “democracia dos não eleitos” e lutar para restabelecer a democracia popular como o verdadeiro pilar do nosso sistema político. Afinal, sem a participação direta do povo, a democracia se transforma em uma casca vazia, desprovida de sua essência e de seu propósito fundamental.

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Carlos Arouck
Formado em Direito e Administração de Empresas. Foto: Arquivo pessoal
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