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Opinião | A banalização da prisão preventiva no processo penal

É imprescindível que o Judiciário atue como guardião dos direitos humanos, promovendo um equilíbrio entre a necessidade de combater a criminalidade e a proteção das garantias individuais. Somente assim, poderemos assegurar que a prisão preventiva cumpra sua função original de excepcionalidade, respeitando a dignidade da pessoa humana e os princípios do Estado democrático de direito

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convidado
Por Raíssa Cerqueira Maia

Recentemente, os debates sobre a prisão preventiva ganharam destaque, especialmente após a divulgação de decisões envolvendo figuras influentes nas redes sociais. Esses casos, marcados pela visibilidade midiática, trazem à tona um tema fundamental: a violação dos direitos fundamentais é uma ameaça que pode atingir qualquer indivíduo.

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Embora violações de direitos e garantias fundamentais devam ser sempre repudiadas, sem exceções, esses episódios suscitaram uma reflexão significativa: demonstraram que ninguém está imune a ter seus direitos ilegalmente restringidos, frequentemente violados sob o subterfúgio de “combate ao crime”.

Como é sabido, a prisão é a ultima ratio do sistema. Trata-se de uma medida que deve ser sempre utilizada de forma excepcional, pois implica severas restrições na esfera dos direitos fundamentais.

Consequentemente, exige estrita observância do princípio da legalidade e da tipicidade do ato processual.

Isto posto, tanto a prisão temporária quanto a prisão preventiva somente são cabíveis quando medidas diversas da prisão forem inadequadas ou insuficientes, aplicadas de forma isolada ou cumulativa. Excepcionalidade, necessidade e proporcionalidade devem, portanto, caminhar juntas.

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A título de contextualização, é importante ressaltar que a prisão pode ser classificada como “prisão-pena”, que é determinada pela sentença final do réu em decorrência do crime cometido, ou “prisão sem pena”, aquela que não é estabelecida na sentença penal condenatória transitada em julgado. Um exemplo dessa última é a prisão processual cautelar, subdividida em prisão temporária e prisão preventiva.

Há de esclarecer ainda, a diferença entre prisão temporária e preventiva. A prisão temporária é uma medida cautelar com prazo máximo de cinco dias (prorrogável em casos específicos) destinada a assegurar a investigação criminal, aplicada durante a fase investigativa. Já a prisão preventiva é uma medida mais ampla, sem prazo definido, que visa garantir a ordem pública e a efetividade do processo penal, podendo ser decretada após a denúncia.

A prisão preventiva deve ser, em sua essência, uma medida excepcional, aplicada apenas em situações que representem risco à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. No entanto, a pressão da opinião pública, frequentemente amplificada pela mídia, pode levar a decisões apressadas que comprometem a análise jurídica adequada. Como observa Luigi Ferrajoli, essa situação resulta em uma “crise e degeneração da prisão cautelar por mau uso”, o que torna a medida excessivamente banalizada.

Dessa forma, para a decretação de qualquer medida cautelar, exige-se motivação idônea, a qual deve estar amparada em aspectos concretos do caso penal, não bastando mero juízo de conveniência subjetivo. Não devem ser acatadas meras ilações impróprias e considerações genéricas, desprovidas de evidências materiais que justifiquem medida tão grave.

O preenchimento dos requisitos para a prisão preventiva, sobretudo sob o argumento de garantir a ordem pública, deve ser esboçado de forma precisa e minuciosa, atingindo a finalidade de controle social, sem esquecer de garantir a ampla defesa do acusado.

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Portanto, a segregação cautelar de qualquer indivíduo deve ocorrer apenas quando se comprove devidamente a materialidade do delito e a presença de indícios robustos de autoria, configurando o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, especialmente quando houver um risco concreto decorrente da manutenção da liberdade do acusado.

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Não sendo este o caso, existem medidas cautelares diversas da prisão que também podem ser decretadas quando previstas em lei (legalidade estrita) e observados os requisitos legais no caso em concreto.

O artigo 319 do Código de Processo Penal é taxativo ao especificar essas medidas, que são, em síntese: o comparecimento periódico em juízo; a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares; a proibição de manter contato com certas pessoas; a proibição de ausentar-se da comarca (quando necessário para a investigação ou instrução); o recolhimento domiciliar durante o período noturno e em dias de folga; a suspensão do exercício da função pública ou de atividade econômica; a internação provisória; o pagamento de fiança; e a monitoração por tornozeleira eletrônica.

Por fim, é crucial que o sistema de justiça penal seja rigoroso em sua aplicação das medidas cautelares, garantindo que a prisão preventiva não se torne uma prática banalizada. A proteção dos direitos fundamentais deve ser a prioridade, e as decisões acerca da liberdade do indivíduo devem ser tomadas com responsabilidade e embasamento sólido.

É imprescindível que o Judiciário atue como guardião dos direitos humanos, promovendo um equilíbrio entre a necessidade de combater a criminalidade e a proteção das garantias individuais.

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Somente assim, poderemos assegurar que a prisão preventiva cumpra sua função original de excepcionalidade, respeitando a dignidade da pessoa humana e os princípios do Estado democrático de direito. A reflexão crítica sobre o uso da prisão preventiva e o compromisso com a legalidade e a justiça são passos essenciais para um sistema penal mais justo e equitativo.

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Raíssa Cerqueira Maia
Advogada pós-graduada em Direito Processual e Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito Processual Civil pela Faculdade CERS, é advogada em Weber Advogados. Foto: Arquivo pessoal
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