A cada segundo, uma mulher é assediada no Brasil. Muitas dessas mulheres sofrem em silêncio, por sentirem medo de denunciar e se reconhecerem sozinhas. Mas, cada vez mais, vítimas de violência de gênero têm se juntado, erguido as suas vozes e denunciado seus agressores.
Conforme noticiado pela imprensa, a atriz Dani Calabresa denunciou o então diretor de humor da TV Globo, Marcius Melhem, por assédio ao compliance da empresa. Ao lado dela, se somaram outras mulheres com relatos parecidos. E, hoje, o ator é investigado em um inquérito policial instaurado em 2020 na Delegacia da Mulher do Rio de Janeiro.
Mas não tem sido fácil. As denunciantes narram ter sofrido ameaças, que vão de ligações que desafiam a medida protetiva, até a exposição de informações íntimas. Segundo elas, foi nesse contexto, de tamanha intimidação, que Mayra Cotta, advogada das vítimas, passou a ser a porta-voz de suas clientes, tendo concedido, inclusive, uma entrevista em seus nomes.
No entanto, as manifestações da advogada sobre o caso ensejaram uma representação na Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal. E, em agosto de 2021, em sessão composta majoritariamente por homens, Cotta foi condenada à penalidade de censura, convertida em advertência.
Ora, a quem interessa censurar a porta-voz de vítimas de assédio sexual, que já se sentiam intimidadas e temiam se manifestar sobre o caso?
Muito incomoda ao patriarcado mulheres denunciando violências sofridas. Nesse sentido, a sanção disciplinar atribuída à Mayra exemplifica a cultura de culpabilização das vítimas e a responsabilização de seu círculo de apoio, que corrobora para o círculo de perpetuação da violência de gênero, desestimula mulheres a denunciarem os seus agressores e, assim, contribui para a impunidade dos assediadores.
A advertência atribuída a Cotta também demonstra que a arma da intimidação, como reação às denúncias de assédio, não se restringe apenas às vítimas, mas também às pessoas que as apoiam e as representam, sobretudo quando se trata de outra mulher.
O caso de Mayra não é uma exceção. São frequentes as intimidações e violências sofridas por mulheres advogadas no exercício de suas funções. Em pesquisa sobre Lawfare de Gênero feita pelo Grupo de Pesquisa Carmim - Feminismos Jurídicos da Universidade Federal de Alagoas, e com apoio da OAB-SP, 80% das advogadas entrevistadas disseram que já se sentiram ameaçadas no exercício da profissão, sendo que, em 96,4% dos casos, as violências se deram em razão de seu gênero e/ou de sua cliente.
Pois bem. Em uma sociedade patriarcal, em que o senso comum ainda reproduz a ideia de que "lugar de mulher é na cozinha", o assédio sexual consiste em um meio perpetuador dos privilégios de gênero, que exclui as mulheres do mercado de trabalho e, por isso, o seu combate ainda encontra tantos obstáculos.
No entanto, nós, advogadas, não podemos nos intimidar. A resposta para esse ciclo de violência de gênero não deve ser o silêncio e o consentimento aos diversos casos de assédio sexual que permeiam a sociedade brasileira.
Nesse sentido, é de suma importância a luta por mais representatividade nas cadeiras da Ordem dos Advogados do Brasil. Será que um Tribunal de Ética composto majoritariamente por mulheres comprometidas com as pautas feministas também teria condenado Mayra Cotta?
De todo modo, atreladas à luta por mais representatividade, é importante que continuemos denunciando as violências sofridas por nós e nossas clientes. Afinal, mecanismos que impõem medo e silêncio às mulheres são justamente um dos grandes dos pilares do patriarcado. Não se cala uma mulher. Não se cala uma advogada. Toda a solidariedade à Mayra Cotta!
*Daniela Felix, Daniella Meggiolaro, Fabiana Siviero, Isabela Del Monde, Izabella Borges, Luanda Pires e Maíra Recchia, advogadas
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.