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Opinião|A companhia dos grandes homens

Abolicionista, foi amigo de Saldanha Marinho, também negro, formando triunvirato com Luís Gama. Este, filho de escrava, queria o Brasil “sem rei nem escravos”. Na Convenção de Itu, Glicério foi apaziguador entre os radicais abolicionistas e os fazendeiros republicanos

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convidado
Por José Renato Nalini

A mais assídua companhia dos grandes homens tem sido a ingratidão. Parece que a vingança dos liliputianos é reduzir a estatura dos gigantes. Não foi diferente com Francisco Glicério, o mais notável “Pai da República Brasileira”.

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Em discurso pronunciado no Senado Federal, em 20 de maio de 1912, ele proclamava: “Há mais de 40 anos que sirvo ao ideal republicano, sendo certo que sob o Império jamais pretendi posições e, se ocupei uma Pasta de Ministro no Governo Provisório, foi por um mero acidente que tomei parte entre aqueles que elaboraram as leis da República, e disso pode dar testemunho o nobre presidente desta Casa. De então para cá tenho vivido, senhores, a prestar a minha responsabilidade aos que governam, aos que predominam. O próprio chefe do Partido Republicano Conservador, por muito tempo, dispôs incondicionalmente da minha adesão e da minha desvaliosa cooperação. Envelheci, Sr. Presidente; já não tenho ideias senão muito vagas do tempo que já passou, da mocidade que dissipei ao serviço da propaganda. Tenho recordações desse tempo, e agora me advertem que eu devo, nos últimos momentos da minha vida, reconciliar-me com a opinião do meu país, penitenciando-me dos meus erros, erros cometidos por um excesso de confiança que o meu amo à República me levou a cometer”.

Homem de ação, Glicério se destacou pela operosidade e dinamismo, ao aglutinar forças contraditórias e heterogêneas, que se encontraram na encruzilhada do final do Império. No texto “Francisco Glicério, um republicano pragmático”, José Sebastião Witter e Francisco de Assis Barbosa observam: “Ele foi, sem dúvida, um campeão do espírito de contemporização, hábil manobrista, sempre alerta, versátil e tolerando. Não era um ideólogo, mas uma natureza despida de quaisquer veleidades intelectuais, sempre disposto no seu pragmatismo a todas as combinações, para superar antagonismos aparentemente inconciliáveis, desde que não o afastassem da meta republicana”.

Quase meio século de atuação intimorata e fecunda em favor da República, numa trajetória triunfal: propagandista, vereador em Campinas, Ministro do Governo Provisório, General Honorário do Exército, constituinte de 1891, chefe do Partido Republicano Federal, membro da Comissão Diretora do Partido Republicano Paulista, Senador da República.

Sempre enfrentou preconceitos, pois filho de um Major da Guarda Nacional e pequeno agricultor, perdeu o pai quando tinha catorze anos. Mulato, sem disfarçar os traços da raça negra, não foi fácil a Glicério impor-se ao meio discriminatório e hostil, no qual teve de lutar pela sobrevivência. Não pode ingressar na São Francisco, mas foi advogado provisionado e, tal era o seu talento e empenho, que obteve certa fortuna. Com a qual propiciava alforria e proteção dos escravos perseguidos que se refugiavam em sua casa.

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Abolicionista, foi amigo de Saldanha Marinho, também negro, formando triunvirato com Luís Gama. Este, filho de escrava, queria o Brasil “sem rei nem escravos”. Na Convenção de Itu, Glicério foi apaziguador entre os radicais abolicionistas e os fazendeiros republicanos.

Aceitou a conspiração com os militares e foi o representante dos paulistas nos acontecimentos que culminaram com o 15 de novembro de 1889. Recebeu um telegrama de Campos Sales: “Venha já!”. Foi para o Rio e se reuniu, à noite, em casa de Deodoro, com Quintino Bocaiúva, Aristides Lobo, Benjamin Constant e Rui Barbosa.

Destemido, enfrentava os equívocos da incipiente República e clamava no Senado: “Com o mesmo desembaraço com que faltamos aos nossos deveres, com que violamos o direito do povo, com esse mesmo desembaraço o povo pode entrar aqui dentro deste recinto e expulsar dele os mercadores do templo. É o seu direito”.

Quem hoje teria coragem de repetir esse repto?

O Vice-Presidente Urbano Santos, ao comunicar a morte de Glicério em 12 de abril de 1916, asseverou: “Viveu sempre uma vida despida de qualquer luxo ou ostentação, vindo a acabar seus dias em medíocre pensão de ordem secundária...levei algum tempo a pensar sobre a injustiça e as dores íntimas que sofrem os homens públicos na nossa terra, principalmente quando eles, como o Senador Francisco Glicério, sofrem os botes da maledicência sem dizer uma palavra, sem proferir uma queixa”.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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