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Opinião | A corrupção dos conceitos

O pano de fundo desse processo de corromper a História em torno de um ideal, que justifique a utilização instrumentalizada de conceitos em prol de uma perspectiva revolucionária, ganhou capilaridade com os caminhos trilhados pela Revolução Francesa, bem como daqueles que a interpretaram como um novo projeto social de humanidade

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convidado
Por Victor Augusto Ramos Missiato
Atualização:

Desejemos a chegada dos céticos, se eles puderem extinguir o fanatismo – Raymond Aron

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Em entrevista ao jornalista Antonio Polito, o historiador Eric Hobsbawm admitiu, com certo constrangimento, a opção por ter se silenciado após as denúncias ocorridas em 1956, quando a União Soviética massacrou o movimento revolucionário na Hungria. Ao assumir que sua militância política naquela época tendeu para um “preconceito favorável ao avanço da causa pela qual lutamos”, Hobsbwam reconheceu que: “embora espere não ter dito ou escrito nada sobre a União Soviética de que me deva me sentir culpado, procurei evitar tratar desse tema diretamente, pois sabia que, se o fizesse, teria escrito coisas que seriam difíceis para um comunista dizer sem afetar sua atividade política e os sentimentos de seus companheiros”.

Essa posição chegou a influenciar o próprio tema de estudo do autor. Ao ser perguntado acerca da relação entre o que ocorreu em 1956 e sua ênfase no estudo do capitalismo, Hobsbawm respondeu: “Para ser sincero, sim. Também é por isso que escolhi me dedicar ao estudo do século XIX, em vez do século XX. Porque eu via que tudo o que era produzido pelo Partido Comunista soviético em termos de história contemporânea era inaceitável”. Em relação à sua permanência, o historiador britânico relatou: “Por que permaneci por tanto tempo após a crise de 1956? Creio que por lealdade a uma grande causa e a todos aqueles que por ela sacrificaram suas vidas. [...] Se eu me arrependo? Não, não creio. Tenho plena consciência de que a causa que abracei revelou-se infrutífera. Talvez não devesse seguir por esse caminho. Mas, por outro lado, se os homens não cultivam o ideal de um mundo melhor, eles perdem algo”.

Por fim, reconhecendo a instrumentalização da História como um fator político, o historiador inglês também admitiu que seu silenciamento em relação aos crimes cometidos pelo stalinismo fazia parte de um projeto maior em torno de interesses específicos e programáticos.

O pano de fundo desse processo de corromper a História em torno de um ideal, que justifique a utilização instrumentalizada de conceitos em prol de uma perspectiva revolucionária, ganhou capilaridade com os caminhos trilhados pela Revolução Francesa, bem como daqueles que a interpretaram como um novo projeto social de humanidade. Em seu livro “Tolos, fraudes e militantes”, o filósofo Roger Scruton apresenta um cenário de cooptação dos conceitos de liberdade, alienação, sujeito e objeto, realizado pelo filósofo Alexandre Kojève através das leituras e interpretações das obras de Hegel. Eclipsando as conclusões mais conservadoras do pensador alemão, Kojève criou uma verdadeira escola relativista em torno dos sentidos da História.

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Intelectuais centrais na formação do pensamento filosófico ocidental do pós-Segunda Guerra, como Bataille, Lacan, Sartre, Simone de Beauvoir, Lévinas e Merleau-Ponty, participaram dos cursos de Kojève. Muitos deles também optaram por eclipsar barbáries cometidas nas Revoluções Cubana, Chinesa, Vietnamita, Iraniana, entre outras, a fim de produzir uma nova hagiografia na História, composta por uma redenção conceitual revolucionária e uma queda processual do que venha a ser sociedade burguesa.

O impacto desse movimento cultural em diversas universidades americanas, do Brasil aos EUA, consolidou-se a partir de 1968. De lá pra cá, a busca pela verdade foi substituída pela dialética da vontade. A metodologia científica e a horizontalidade do pensar foram sendo substituídas pelo engajamento e empoderameto do saber. Jornalistas, professores, advogados e artistas passaram a dedicar suas obras, ficcionais e não ficcionais, em nome de um projeto hagiográfico que vê no objeto burguês uma etapa a ser superada, questionada, problematizada em função de um novo homem revolucionário, posteriormente uma nova mulher, e, agora, tendo como referência uma revolução de gêneros.

Subjaz dessas escolhas a demonização caricata de uma cultura política “hétero, branca e burguesa”, ameaçadora e totalitária, que põe à prova o caos enquanto “novo normal”. Sendo assim, os ditadores fascistas dos anos 1970-1980, foram transformados em neoliberais nos anos 1990 e novamente fascistas no mundo pós-Crise de 2008. O que não compõe o projeto progressista de emancipação da sociedade é acusado de extremo sem qualquer rigor metodológico. A lógica é corromper os conceitos para que eles sejam enquadrados dentro de um programa específico, delineado em diversos cursos acadêmicos.

O impacto da pós-verdade reflete na relativização das decisões políticas e judiciais no ordenamento jurídico-social da própria sociedade civil. Nota-se esse movimento, quando um esquema de corrupção como o “Petrolão” é totalmente desmantelado em algumas canetadas, a despeito de todas suas provas e sentenças aferidas por diversos juízes em diversas instâncias, enquanto que vândalos são prontamente caracterizados como terroristas antes mesmo de um julgamento formal acerca de suas práticas excrescentes, porém, equiparadas a qualquer depredação de um espaço público.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Victor Augusto Ramos Missiato
Doutor em História (Unesp/Franca), professor e pesquisador do Instituto Presbiteriano Mackenzie, campus Tamboré. Foto: Inac/Divulgação
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