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Opinião|A dimensão da ignorância

Enquanto a educação é algo que fica na promessa e no horizonte, a ignorância campeia e é infinita. A lucidez sempre a combateu. Exemplo disso as “Máximas, pensamentos e reflexões” do Marquês de Maricá, ao dedicar inúmeras de suas frases à ignorância humana

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convidado
Por José Renato Nalini

Quem acredita na perfectibilidade humana está convencido de que aprender é missão permanente. Aprender a cada dia, educar-se para saber conduzir esta experiência tão frágil quanto efêmera. A cada humano é dado permanecer neste planeta por algumas décadas. Raramente se ultrapassam dez. Daí a celebração dos centenários, que, em regra e em 99,99%, ocorrem quando o alvo da lembrança já se foi.

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Contudo, enquanto a educação é algo que fica na promessa e no horizonte, a ignorância campeia e é infinita. A lucidez sempre a combateu. Exemplo disso as “Máximas, pensamentos e reflexões” do Marquês de Maricá, ao dedicar inúmeras de suas frases à ignorância humana. Vale a pena coletar algumas delas, para a nossa meditação. Talvez nos animemos a lutar contra nossa própria ignorância e reduzir o imenso cabedal daquilo que desconhecemos e que nunca iremos conhecer.

Aqui vão, portanto, algumas das expressões extraídas da obra do Marquês: Ignorância e pobreza vêm de graça, não custam trabalho nem despesa. Ignorância e preguiça a ninguém enriquecem. a ignorância que deveria ser acanhada, conhecendo-se, é audaz e temerária porque se não conhece. Não é dado ao saber humano, conhecer toda a extensão da sua ignorância. O que se qualifica em alguns homens como firmeza de caráter, não é ordinariamente senão emperramento de opinião, incapacidade de progresso ou imutabilidade da ignorância. Há ignorantes com muito juízo, e doutores sem muito nem pouco. A única vantagem da ignorância é não custar despesa nem trabalho. O ignorante se espanta do mesmo que o sábio mais admira. Achar tudo em desordem é prova de supina ignorância: descobrir ordem e sistema em tudo é demonstração de profundo saber. A ignorância, exagerando a nossa pouca ciência, promove a nossa grande vaidade. A ignorância vencível no homem é limitada, a invencível, infinita. A ignorância, lidando muito, aproveita pouco. A inteligência, diminuindo o trabalho, aumenta o produto e o proveito. A variedade é o distintivo da sabedoria, como a uniformidade e monotonia, o da ignorância. A infinita sabedoria de Deus se revela pela infinita variedade das suas obras e maravilhas. A tirania é o talento dos homens ordinários e ignorantes quando governam. A ignorância, qual outro Faetonte, ousa muito e se precipita como ele. Não se reconhece tanto a ignorância dos homens o que confessam ignorar, como no que blasonam de saber melhor. Em um povo ignorante, a opinião pública representa a sua própria ignorância. A ignorância dócil é desculpável, a presumida e refratária é desprezível e intolerável. Condenamos por ignorantes as gerações pretéritas e a mesma sentença nos espera nas gerações futuras. Os sábios duvidam mais que os ignorantes; daqui provêm a filáucia destes e a modéstia daqueles. Sempre haverá mais ignorantes que sábios, enquanto a ignorância for gratuita e a ciência dispendiosa. Os que falam em matérias que não entendem, parecem faze gala da sua própria ignorância. Os ignorantes exageram sempre mais que os inteligentes. A morte refuta vitoriosamente todos os argumentos a favor da sabedoria humana: morremos por ignorantes. A sabedoria indigente é menos invejada que a ignorância opulenta. Os velhacos são tais por ignorantes: desconhecem que a melhor política é a probidade, e o meio mais eficaz e seguro de ser felizes, a virtude. A ignorância nos empregados públicos é talvez mais danosa do que a sua improbidade. Em um jardim causa menos detrimento um ladrão do que um jumento. Não podemos deixar de ser difusos com os ignorantes, mas devemos ser concisos com os inteligentes. As grandes livrarias são monumentos da ignorância humana. Bem pouco seriam os livros, se contivessem somente verdades. Os erros dos homens abastecem as estantes. Muito contribui para acreditar o nosso juízo, confessar ingenuamente a nossa ignorância. O fruto de um longo estudo, experiência e reflexão, é a sábia convicção da nossa ignorância ilimitada. A ignorância tudo exagera, porque não conhece o justo meio. A ignorância pasma ou se espanta, mas não admira. Desagrada aos ignorantes a companhia dos sábios, como aos meninos a sociedade dos velhos. A ignorância em seus bens privativos, como a sabedoria seus males peculiares. O ateísmo é talvez uma quimera: nos homens não há suficiente ignorância para poderem ser ateus. A ignorância é sempre mais pronta em resolver-se do que a sabedoria. A ignorância dos inocentes não prejudica à sociedade, como a a inteligência dos velhacos. Nenhum homem se considera tão ignorante como aquele que mais sabe. A ignorância crê tudo, porque de nada duvida. Quando os sábios se calam, a monção é propícia aos ignorantes. Os sábios enganam-se pensando que são compreendidos por todos, os ignorantes presumindo que todos ignoram o que eles sabem. Os ignorantes invejam aos doutos a sua ciência, e estes aos néscios a sua cômoda ignorância e fácil credulidade. Um dos argumentos da racionalidade dos homens é saberem que ignoram: os animais, por certo, não têm o conhecimento da sua ignorância. O que o gênero humano sabe é pouco; o que deseja saber, muito; o que há de sempre ignorar, infinito.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão
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