Com o fim do mandato dos Ministros Sérgio Banhos e Carlos Horbach no Tribunal Superior Eleitoral e a indicação para substituir a cadeira do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, uma questão retorna ao centro das atenções: a presença feminina nos Tribunais Superiores tem caído drasticamente. Atualmente, o percentual de participação feminina nos Tribunais Superiores é de apenas 16%. Todavia, nota-se um retrocesso, pois nos últimos 10 (dez) anos já se atingiu o patamar de 23,6% de ocupação desses cargos por Mulheres.
Ao longo dos últimos anos tivemos avanços e retrocessos no que concerne a representação feminina. A posição do Brasil nos rankings de desigualdade de gênero deixa a desejar em comparação aos avanços de outros países. Na classificação do Fórum Econômico Mundial, o Brasil atualmente ocupa o 94º lugar. Enquanto no índice de Gênero dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável o país ocupa a 78ª posição. Nestes rankings o Brasil está entre países como: Indonésia, Nepal, Coreia do Sul e Chipre.
Vale ressaltar que a posição nesses rankings diz respeito a evolução do país nas temáticas de igualdade de gênero, logo, se outros lugares avançaram mais rapidamente consequentemente acabam tendo uma melhor nota e ganhando posições em relação ao Brasil.
Em comparação aos outros poderes, o legislativo teve um pequeno avanço. Conforme a Inter-Parliamentary Union, organização internacional criada em 1889 para promover uma governança democrática entre os parlamentos, pela primeira vez na história, todos os parlamentos possuem pelo menos uma representação feminina, mas ainda é um número muito aquém do mínimo desejável.
Nas eleições de 2022, dos mais de 26 mil candidatos, 9.353 era mulheres onde 4.829 delas se identificavam como negra. No Congresso Nacional, o número de representação feminina subiu de 15% para 17,7%. Dentre elas parlamentares negras, trans e indígena, o que só aumenta a importância da interseccionalidade ao tocar no assunto de liderança feminina nos espaços de poder.
Entretanto, a evolução da temática nos tribunais superiores ainda é ínfima em comparação com outros setores. O Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário do Conselho Nacional de Justiça lançado em 2019 é mais atual que nunca, visto que pouca coisa mudou nesses últimos anos. Ao todo, das vagas da magistratura, a presença feminina totaliza cerca de 37% das vagas. Dentre os ministros que atuam nos tribunais superiores o número cai drasticamente ao atingir uma porcentagem de 16%.
Nos últimos anos, o Tribunal Superior do Trabalho foi o que mais evoluiu, dos 27 ministros, 7 são mulheres. Em comparação, o Superior Tribunal Militar continua como o que tem a menor participação feminina, com apenas 1 Ministra.
É importante ressaltar que a problemática em si é muito mais ampla. A falta de representação feminina, e suas interseccionalidades, em espaços de poder tem relação direta com a desigualdade no mercado de trabalho, violência de gênero e os papeis de gênero impostos desde cedo para a mulheres como um todo.
Basta olharmos para a presidência do Supremo Tribunal Federal, onde, desde a sua criação em 1808, só tivemos três mulheres que ocuparam este cargo: Ellen Gracie, Cármen Lúcia e, atualmente, Rosa Weber. Além disso, é necessário um comprometimento maior acerca da participação feminina, tendo em vista o atual retrocesso ao percentual de participação das mulheres nos Tribunais Superiores (apenas 16%).
A representação feminina em locais de poder é imprescindível para que as Cortes consigam refletir a realidade do povo brasileiro. Em outras palavras, tendo em vista que somos mais de 214 milhões de pessoas, uma Corte diversa e que acompanha a interseccionalidade da sociedade é capaz de produzir decisões mais justas e equitativas. Por exemplo, um dos principais votos para descriminalizar o aborto de fetos anencéfalos no Brasil veio da ministra Cármen Lúcia que, em virtude de sua posição, foi violentada verbalmente por aqueles que assistiam ao julgamento.
A liderança feminina contribui principalmente para contrapor os estereótipos sociais de gênero e lidar com temas sensíveis que, muitas das vezes, não são contemplados pelos homens. A representatividade das mulheres no meio jurídico é significativa, mas ainda é desafiadora quando se observa os obstáculos ao processo de transição democrática no que se refere às políticas de equidade de gênero. Para que tal nível seja alcançado é imprescindível conscientização dos atores governamentais e políticas públicas efetivas para que as mulheres consigam adentrar nesses lugares e fazer mudança, superando, portanto, o plano retórico e dando cumprimento pleno à missão do Poder Judiciário: "fortalecer o Estado Democrático e fomentar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, por meio de uma efetiva prestação jurisdicional".
*Marcela Bocayuva, advogada, sócia e fundadora do escritório Bocayuva & Advogados Associados. Coordenadora da Escola Nacional da Magistratura. Mestra em Direito Público. Pós-graduada pela Fundação Escola do Ministério Público. Certificada em negociação e liderança pela Universidade de Harvard. Foi professora e pesquisadora do Uniceub e da pós-graduação da faculdade Estácio. Parecerista da Revista da Escola Nacional da Magistratura- ENM e da Revista da Escola do Tribunal Regional Eleitoral do RJ - TRE-RJ. Possui certificação de auditora em compliance e política de antissuborno ISO 37001 e ISO 370301. Possui diversos artigos e livros publicados
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