No ano de comemorações de 10 anos da Lei Anticorrupção, além do olhar retrospectivo dos avanços alcançados e prospectivos dos ajustes necessários, o lema deve ser retroceder jamais. E no âmbito do compliance, o combate à discriminação e a promoção à diversidade e pluralidade em órgãos públicos e empresas privadas se tornaram não somente uma questão de equidade e justiça social, mas também um imperativo de eficiência. A diversidade traz às instituições criatividade, inovação e inúmeras novas potencialidades no desempenho de suas atividades.
A ONU estabeleceu como Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5 metas para garantir a participação plena e eficaz das mulheres e a igualdade de gênero, a concessão de oportunidades de liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública, o que só podemos alcançar com reformas concedendo direitos iguais aos recursos econômicos e a devida proteção da legislação.
Já existem importantes projetos internacionais a promoção da diversidade, como o projeto da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico - “Strength through Diversity” - A Diversidade faz a Força, que trata da educação para sociedades inclusivas abrangendo seis temas principais: migração, grupos étnicos, minorias nacionais e povos indígenas, gênero, identidade de gênero e orientação sexual, necessidades educativas especiais e superdotação.
A União Europeia(EU) e as Nações Unidas (ONU) também lançaram, em 2018 a iniciativa “Spotlight”, que é uma parceria plurianual global entre a União Europeia e as Nações Unidas para eliminar todas as formas de violência contra mulheres e meninas, sendo inicialmente lançada com uma doação financeira inicial de 500 milhões de Euros pela União Europeia, um esforço global sem precedentes para investir na igualdade de gênero e no empoderamento das mulheres, como condição prévia e motor para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
O projeto garantiu em mais de 25 países que 2,5 milhões de mulheres tivessem acesso a serviços de enfrentamento à violência baseada em gênero e foi responsável pela duplicação do aumento das taxas anuais de condenação de autores de violência sexual nos países abrangidos pela iniciativa. O Tribunal de Contas Europeu considerou. Em setembro de 2023, a iniciativa como o esforço mais ambicioso e sem precedentes para acabar com todas as formas de violência contra as mulheres e meninas.
De acordo com o relatório World’s Women 2020: Trends and Statistics, em todo o mundo, quase metade das mulheres casadas não tem poder de decisão sobre a sua saúde e direitos sexuais e reprodutivos e que 35 por cento das mulheres entre 15 e 49 anos de idade já sofreram violência física e/ou sexual por parceiro íntimo, e que, a distribuição desigual do trabalho doméstico e de cuidados não remunerado que impede as mulheres de participarem no mercado de trabalho.
Comemoramos que, em 1º de janeiro de 2023, mais cinco mulheres passaram a ocupar cargos de CEOs das empresas Fortune 500, vindo a totalizar 53 mulheres em tal posição nesse conjunto de companhias, em um percentual histórico de mais de 10% das empresas e, no Brasil, que a bancada feminina na Câmara dos Deputados eleita em 2022, composta por 91 mulheres foi a maior bancada eleita historicamente, cuja representação que era de 15% passou para 17,7% das cadeiras da Câmara dos Deputados, em um universo que corresponde a 52,65% eleitoras aptas a votar.
A ONU estabeleceu como metas para garantir a participação plena e eficaz das mulheres e a igualdade de gênero, a concessão de oportunidades de liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública, o que só podemos alcançar com reformas concedendo direitos iguais aos recursos económicos e a devida proteção da legislação.
O apoio deve ser materializado desde a implementação da universalização da renda básica de cidadania, como o programa disciplinado pela Lei n. 14.601, de 19 de junho de 2023, que dispõe sobre o bolsa família, quando aduz que os benefícios devem ser preferencialmente concedidos à mulher, como a implementação de ações em grandes empresas, de proteção ostensiva de um compliance, com o foco progressivo em ações relacionadas ao respeito às pessoas e aos direitos humanos, como formas de garantir o cumprimento de compromissos públicos com a responsabilidade social.
Como ocorreu com a recente aprovação da reestruturação da Diretoria de Governança e Conformidade da Petrobras, que, alinhada com todo esse contexto, passou a ter uma nova gerência para cuidar das investigações de assédios e discriminação, uma gerência executiva para aprimorar sua atuação na responsabilização disciplinar (de empresas e colaboradores) e outra gerência executiva para desenvolver metodologias e processos envolvendo o uso de ciência de dados aplicadas ao compliance.
A empresa lançou uma cartilha de prevenção e combate à discriminação, ao assédio moral e às violências de natureza sexual citando alguns tipos de discriminação.
O mesmo vem ocorrendo em instituições públicas com programas de integridade, enfrentamento ao assédio e promoção à igualdade de gênero e combate ao racismo estrutural, nas mais diversas esferas com destaque para o sistema de justiça, com exemplos como o Protocolo de Julgamento de Gênero do CNJ, a criação de comitê pela Advocacia Geral da União para promover a inclusão e igualdade racial e de gênero e o estabelecimento de cotas para promoção por merecimento de juízas no CNJ.
Se em 2019 a percepção da corrupção era apontada pela OCDE como um dos piores problemas das pessoas, esperamos a avançar para que cada vez mais a percepção da intolerância seja amplamente repreendida e que ninguém mais fique “atirando pedra, com a vida cheia de pecado, cada um fazendo a sua regra, ninguém mais pode pensar o contrário” (Elza Soares, No tempo da Intolerância).
*Vanessa Reis é sócia do Medina Osório Advogados, mestre em Direito da Administração Pública, doutoranda em Direito Financeiro e Econômico Global pela Universidade de Lisboa, professora de Direito Financeiro e procuradora do Estado
*Nathalie Giordano é procuradora do Estado. Mestre em Ciências Jurídico-Ambientais pela Universidade de Lisboa; Especialista em Direito Ambiental pela PUC-Rio. Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro e Presidente da Comissão de Promoção à Igualdade de Gênero da PGE-RJ
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção. Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
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