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Opinião | A dívida moral com o Acre (parte 1)

Discorrer sobre o passado histórico do Acre é imprescindível para relembramos, sempre, a dívida permanente do Estado brasileiro para com o povo aguerrido que desbravou parte dessa região importante da Amazônia

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convidado
Por Coronel Ulysses
Coronel Ulysses. Foto: Arquivo pessoal

Em recente lançamento da Frente Parlamentar em defesa da garantia de investimentos para a rodovia BR-364 - única ligação terrestre entre o Centro-Oeste e o Norte brasileiro - resgatei um tema caro para os acreanos: a dívida moral e econômica da União com os povos dos rincões amazônicos. Refiro-me à obrigação moral decorrente do esforço sobre-humano empenhado por brasileiros (do Acre, em particular) na produção de látex - a borracha - nos períodos da Revolução Industrial e da Segunda Guerra Mundial. Tema vasto e complexo, que será abordado em dois artigos.

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Minha preocupação não foi a de simplesmente rememorar uma história marcada pelo destemor e espírito heroico de milhares brasileiros - especialmente nordestinos - que largaram tudo para desbravar e conquistar o território do hoje conhecido Acre. O objetivo é mostrar que a ocupação do Acre, promovida pelos ciclos da borracha, é, além de um enredo majestoso, um feito histórico que, sem modéstia, influenciou sobremaneira os destinos da história da Humanidade.

Aliás, o resgate histórico desses ciclos é fundamental para a compreensão multifatorial dos fenômenos integrantes das diversas narrativas e nuances da ocupação daquele espaço territorial abandonado pelo Brasil e a Bolívia, bem assim, para asseverar há lembrança da dívida permanente do Estado brasileiro para com aguerridos compatriotas que saíram de suas terras e escolheram o Acre para viver.

O interesse pelo látex produzido exclusivamente na Amazônia cresceu com o desenvolvimento tecnológico da indústria química, siderúrgica e elétrica durante o período da Segunda Revolução Industrial. Tendo o Acre entrado na cena histórica, ocupando lugar de destaque. Isso decorre do fato de que - na metade do século XIX - foi potencializada a utilização da borracha no fabrico de produtos vulcanizados, como pneus de bicicletas e de automóveis. A produção em grande escala desses bens despertou a necessidade da extração do látex de seringueiras da Amazônia, tornando, assim, uma atividade altamente lucrativa.

O capital internacional, representado pela Europa e os Estados Unidos, fomentaram a ocupação da região para promover a exploração dos seringais que surgiam vertiginosamente na Amazônia, atraindo brasileiros de diversas regiões do país, em especial do nordeste e, consequentemente, permitiram surgir cidades portentosas para época. Na Belle Époque Amazônica, período entre 1980 a 1920. Manaus (AM) e Belém (PA) se tornaram as capitais brasileiras mais desenvolvidas - com eletricidade, sistema de água encanada e esgotos, isso sem falar nos museus, cinemas e teatros construídos sob influência europeia. O secular Teatro Amazonas, em Manaus, construído nos idos de 1895, é um exemplo.

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À época, as terras do Acre já eram ocupadas por brasileiros - basicamente por nordestinos fugitivos das secas - que exploravam a produção de látex. Aliás, as terras acreanas se constituíram na região mais produtiva da Amazônia. Mesmo assim, o Acre não vivenciava a bonança das demais capitais nortistas.

Porém, os acreanos reagiram. Face à instabilidade quanto à soberania do território, os ocupantes da região, notadamente nordestinos enxotados pela seca e atraídos pelas supostas riquezas derivadas da exploração dos seringais, liderados pelo ex-militar José Plácido de Castro e financiados pelos chamados Barões da Borracha, travaram um embate sangrento com a Bolívia - a Revolução Acreana. O desfecho do conflito se deu após o governo brasileiro comprar o atual território acreano do país vizinho, com formalização dos atos por meio do Tratado de Petrópolis.

Modelo draconiano

O incentivo migratório para Amazônia, naquela época, baseou-se em relação draconiana, representada por uma nova espécie de escravização da mão de obra, por meio de proposital endividamento perpétuo do seringueiro com o patrão. Como se não bastasse, precisavam conviver com a ameaça de animais selvagens, índios e doenças.

Euclides da Cunha[i] relata que a condição de vida dos seringueiros originários do Nordeste era precária ao se fixar no interior da floresta, pois nos seringais não se vislumbrava a ostentação das cidades e os seringueiros eram presos a um regulamento criminoso, privado de qualquer assistência:

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O cearense aventuroso ali chega numa desapoderada ansiedade de fortuna; e depois de uma breve aprendizagem em que passa de brabo a manso, consoante a gíria dos seringais [...] ergue a cabana de paxiúba à ourela mal destocada de um igarapé pinturesco, ou mais para o centro numa clareira que a mata ameaçadora constringe, e longe do barracão senhorial, onde o seringueiro opulento estadeia o parasitismo farto, pressente que nunca mais se livrará da estrada que o enlaça, e que vai pisar durante a vida inteira, indo e vindo, a girar estonteadamente no monstruoso círculo vicioso de sua faina fatigante e estéril (Cunha, 2011, pp. 220-221).

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O período que caracterizou o primeiro ciclo da borracha teve seu auge entre os anos 1880 e 1910, quando a Malásia passou a produzir o látex da seringueira. Paulatinamente, o Brasil perdeu o protagonismo do produto no mercado mundial, que no auge representou mais de 50% das exportações do País. Os avanços produtivos dos seringais de plantio malasianos fez com que o Brasil perdesse, em apenas três anos, a hegemonia no fornecimento da matéria-prima (látex). No ano de 1912, por exemplo, os seringais da Malásia produziram 47 mil toneladas, ao passo que os nossos produziram 38 mil toneladas. Dez anos depois, em 1922, o Brasil responderia por somente 6% da produção mundial de látex natural.

Sobressai do imponente milagre produtivo malasiano a ação imperialista britânica caracterizada pelo "contrabando" de milhares de sementes de seringueira no Pará em 1876, ao arrepio das autoridades alfandegarias brasileiras. As sementes foram encaminhadas ao Royal Botanic Gardens em Londres e, após selecionadas geneticamente, enviadas para plantações na Malásia. Esse fato histórico, nefasto, sem dúvida, é a clara demonstração do interesse (e da cobiça) das grandes potências mundiais nas riquezas da Amazônia. Esse fato, por si só, expõe que a ambição internacional pelos bens amazônicos não constitui visão lunática e nacionalista, bem assim. Pelo contrário. Demonstra que há mais interesse em afanar graciosamente as riquezas da Amazônia do que a preservação da biodiversidade propalada messianicamente em verso e prosa.

Simples leitura do obituário de Sir Henry Alexander Wickham, botânico inglês responsável pelo contrabando das 70 mil sementes de Hevea brasiliensis da região de Santarém, no Pará, é elucidativa. Vejamos:

"... foi aquele [Henry Winckham] que, enfrentando extraordinárias dificuldades, teve sucesso no contrabando de sementes da árvore Hevea do Alto Amazonas e estabeleceu a ampla indústria de plantação de borracha."

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Pois bem! Os efeitos do ato nefasto - o contrabando das sementes - perpetrado por agente do Império Britânico foram devastadores para a economia da região Amazônia, e, consequentemente, para o Brasil. Apesar da ação criminosa gestada pela Coroa Inglesa, até hoje (pasmem!) não houve pedido formal de desculpas face ao surrupio das riquezas de nosso País.

E, nós acreanos-amazônidas, ainda nos dias atuais somos credores de uma dívida ético-moral colossal devido ao tráfico desses produtos - as sementes de seringueiras, assunto que daremos sequência no próximo artigo.

*Coronel Ulysses é deputado federal (União-AC), 2.º vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, advogado especializado em Segurança Pública

[i]  CUNHA, Euclides da. Entre os seringais. In: EUCLIDESITE. Obras de Euclides da Cunha. Crônicas. São Paulo, 2021. Disponível em: https://euclidesite.com.br/obras-de-euclides/cronicas/entre-os-seringais. Acesso em: [data]. Publicado originalmente em: CUNHA, Euclides da. Revista Kosmos, ano 3, nº 1, Rio de Janeiro, jan. 1906. n.p.

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