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Opinião|A escalada do crime organizado no Brasil

O Brasil necessita urgentemente, repita-se, agir com seriedade, com foco, determinação e comprometimento sério, ou se tornará – ainda mais – campo fértil à criminalidade organizada em todas as suas formas, para tristeza e desgraça da população honesta

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convidado
Por Marcelo Batlouni Mendroni

Na matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo (25/06/2024), “Crime organizado avança em áreas lícitas e empresários vão sugerir ações ao governo Lula”, se refere que “a atuação do crime organizado no Brasil já passa por pelo menos 21 atividades, incluindo setores lícitos da economia – como transporte público, mercado imobiliário, mineração e exploração de madeira”. “Estudo realizado pela Esfera Brasil, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança e consultoria de um advogado criminalista pede ampliação e fortalecimento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf); implantação do SUS da segurança; aprovação da Lei de Proteção de Dados de Interesse da Segurança Pública; regulamentação de apostas e dos criptoativos”.

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Não é possível, aqui, realizar análise a respeito do específico avanço da criminalidade organizada em “áreas lícitas”. É fato, entretanto, que todo o combate à criminalidade organizada, seja qual for, deve sempre passar necessariamente pelo sistema de engrenagem contendo 1. Estrutura dos órgãos públicos; 2. Legislação rigorosa e 3. Capacitação dos Agentes Públicos (Ministério Público, Polícia e Agentes Fiscais de Renda). Os pontos apresentados, em nosso entender, por si só, ineficazes. O COAF necessita apenas de capacitação para melhor elaboração dos RIFs (Relatórios de Inteligência Financeira), pouco utilizados na prática e que por muitas vezes trazem informações entrelaçadas de forma pouco eficiente para auxiliar os investigadores. Casos complexos geram RIFs enormes com mistura de informações, sem critérios lógicos-jurídicos de separações dos fatos. A implantação de um SUS de segurança pode ser útil apenas em pequena parcela, já que as realidades socioculturais dos estados membros é distinta e a criminalidade organizada se beneficia das fraquezas específicas do próprio Estado para se desenvolver. A aprovação da LPDP - Lei de Proteção de dados penal, em relação a esse tema, será contraproducente e trará apenas maior dificuldade e burocracia para a obtenção de informações relevantes nas investigações, atrasando os processos e causando mais prescrições. A regulamentação de apostas e de criptoativos, dependendo da sua forma, por ser útil ou péssima, também provocando maiores entraves à investigação.

A questão crucial para o combate eficiente do crime organizado no Brasil reside especialmente nas decisões judiciais, extremamente tolerantes, especialmente em relação à criminalidade de colarinho branco, - corrupção, fraudes, lavagem de dinheiro, cartel. Aí é que está o maior problema para o efetivo combate à criminalidade organizada. A prática destes crimes é que, no final, pela falta e mau uso do dinheiro público, indiretamente, causa a violência e, com ela, muitas vezes, a criação e desenvolvimento das organizações criminosas inserindo pessoas que não enxergam futuro descente com trabalho honesto, desviando-as para a integração nas organizações criminosas.

No Brasil, necessitamos mais de Juízes conscientes e rigorosos em suas decisões do que de qualquer outra medida, legal ou estrutural.

Evidentemente que não é possível generalizar, mas é absolutamente sabido que Advogados com inacreditável frequência visitam juízes, Desembargadores e Ministros, do STJ e do STF quando têm alguma Causa importante a ser apreciada por eles. Essa lamentável forma de atuar, fazendo lobbies na justiça, é presente exatamente nas causas grandes, envolvendo mais especialmente a criminalidade de colarinho branco, organizada ou não. Trata-se de verdadeira seletividade judicial em razão da pessoa do acusado.

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Assim, a partir da sedimentação de uma rede de relacionamentos entre Advogados e Juízes, que às vezes se aproxima perigosamente da prática de corrupção; é que a desejada justiça pode falhar. Em decorrência do lobby com apresentação dos vulgarizados “Memoriais”, descarta-se a análise objetiva e racional das provas, a partir da qual se deveria deduzir a fundamentação lógica e que implicaria no direcionamento da Sentença; para, ao invés, primeiro se escolher o resultado na Sentença, para então se encaixar uma “fundamentação”, por mais incoerente que ela se afigure no contexto probatório. Note-se que em Países sérios, essas “visitas” não acontecem. Mas o Brasil não é mesmo um País sério... “Com leis ruins e juízes bons ainda é possível governar. Mas com juízes ruins, as melhores leis não servem para nada”. Otto von Bismarck.

Não obstante, à parte da conscientização do Judiciário brasileiro, o Brasil necessita encarar e enfrentar o crime organizado de forma séria e profissional.

Legislação. A legislação brasileira não é ruim, basta fazer um estudo comparado com Países do primeiro mundo. Mas péssima é a interpretação capenga que lhe muitas vezes lhes é dada pelos Tribunais.

É preciso referir que a reforma da Lei 12.850/13 em 2016 no chamado “pacote anticrime”, pela Lei n° 13.260/16, foi péssima para os termos dos acordos de colaboração premiada – uma das chaves para o sucesso no combate ao crime organizado e que se tornou quase inócua e ineficiente. Antes dessa Lei 13.260/16, por ex., o colaborador era obrigado a informar todos os autores e demais (outros) crimes que souber praticados pela organização criminosa. Esse consistia em evidente fator relevante para se desvendar os crimes praticados em uma organização criminosa como um todo. Agora, com a mudança pela Lei 13.260/16, ele só é obrigado a informar pontualmente estas circunstâncias em relação ao delito(s) objeto do processo. Restringiu-se então sobremaneira a capacidade de enfrentamento e combate às organizações criminosas, repita-se, como um todo. (Lei 12/850/13. Art. 3°-C § 3°).

A revisão da prisão em segunda instância pelo STF foi, de longe, a pior das medidas ruins, e se somou à dificuldade da realização das colaborações premiadas. Antes, o colaborador agia rápido para colaborar com a justiça, com medo da prisão após o julgamento do Tribunal de segunda instância. Agora, com a prisão sendo aventada somente após o trânsito em julgado em um futuro muito distante, após eventual julgamento pelo STF (que não tem prazo para decidir) ninguém (nenhum criminoso), especialmente os de colarinho branco, têm medo de prisão, então muitos deles, evidentemente bem instruídos por Advogados, preferem não fazer colaboração premiada...

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Por fim, agora, se o Ministério Público faz acordo de colaboração premiada, o Juiz deve analisar a “adequação” dos benefícios pactuados entre o MP e o colaborador. Mas qual colaborador revelará fatos e circunstâncias sob a promessa de consequências que ainda estarão sujeitas à análise e consentimento de uma terceira pessoa, - um Juiz? (Lei 12/850/13. Art. 4° § 7° II e III.). Acordo entre partes que dependem de um terceiro não é acordo eficaz.

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Toda organização criminosa precisa lavar dinheiro para subsistir como tal. A Lei de lavagem de dinheiro n° 9.613/98 no Brasil é boa. Seguiu as recomendações da Convenção de Viena/1988 e os tópicos dos países sérios e desenvolvidos. Necessita, talvez, apenas de ajustes ou de algumas reformas pontuais.

Estrutura. A estrutura que se faz necessária no Brasil para o combate ao crime organizado deve ser entregue aos Ministérios Públicos e às Polícias estaduais, responsáveis mais diretos na sua investigação e no seu combate. Nesse aspecto, informação é ouro! Ambos necessitam acesso às informações de toda espécie de pessoas físicas e jurídicas, de forma mais ampla e rápida possível para viabilizar a análise e o cruzamento dos dados e dos fatos. Facilidade de formação de grupos de força-tarefa ou multitarefa entre os agentes públicos também se afigura imprescindível. Locais de trabalho adequados, por fim, são imprescindíveis.

Capacitação. Sem capacitação, nem estrutura nem legislação servem de nada. Ela deve abranger Promotores, Juízes, Policiais e Agentes de Renda, mas também os seus respectivos funcionários que com eles atuam de forma direta. A falta de capacitação gera ineficiência irretratável e incorrigível, fator indesejável de impunidade.

O Brasil necessita urgentemente, repita-se, agir com seriedade, com foco, determinação e comprometimento sério, ou se tornará – ainda mais – campo fértil à criminalidade organizada em todas as suas formas, para tristeza e desgraça da população honesta.

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Se a máfia existe, ela teve um começo. Se teve um começo, haverá de ter um fim”. Giovanni Falconi

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Procurador de Justiça/SP. Foto: José Patricio/Estadão
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