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Opinião | A esquecida arte da leitura

Uma lástima que muitos moços não saibam o que estão perdendo, deixando de lado a leitura, para uma embriaguez de mediocridade superficial, que gera empobrecimento do intelecto e redução das potencialidades que se descortinam após exaurir o conteúdo de um bom livro

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convidado
Por José Renato Nalini

A geração algorítmica desistiu da leitura. Prefere a síntese, a imagem e o som. Tudo instantâneo, como um flash. Considera inócuo o exercício da atenta sequência de letras, verbetes, frases e parágrafos, o acompanhamento, linha a linha, de textos longos. Tudo precisa ser imediato e, melhor ainda, ser viralizado.

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Houve profunda mutação do conceito de aprendizado. Estudava-se com a leitura. Francis Bacon, em seus “Ensaios Civis e Morais”, afirmava que “os estudos servem para deleite, ornamento e proficiência”. O deleite servia à vida íntima; o ornamento seria utilizado nos discursos; a proficiência atendia aos negócios.

O estudo precisa ser prazeroso. “Gastar tempo demasiado em estudos é indolência; abusar deles como ornamento é afetação; julgar apenas de acordo com seus preceitos é coisa de escolástico”. É uma síntese do preceito helênico do “nada em excesso” e da virtude aristotélica: “in medio virtus”.

Bacon viveu entre 1561 e 1626. Já criticava, há quase cinco séculos, um estudo meramente mnemônico, decoração teórica, mas pregava a simultaneidade entre leitura e prática. Pois os estudos, “quando não estão vinculados à experiência, fornecem diretivas a esmo”.

É imprescindível a vivência do autodidatismo, pois “os estudos não ensinam seu próprio uso; esta é uma sabedoria independente e superior a eles, que vem da observação”. Lê-se para adquirir ponderação e sensatez, não para aprender como contradizer. E há livros adequados para cada finalidade. Algo que hoje não se enfatiza para uma juventude refém dos celulares, dos notebooks, dos computadores pessoais.

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A leitura é o melhor remédio para inúmeros males: a solidão, a ignorância, a indecisão, o desalento, o desconforto, a perda do sentido da vida. Há sempre o livro certo para cada ocasião e para cada carência. “Certos livros devem ser provados; outros engolidos; uns poucos mastigados e digeridos”.

Sempre fui um “rato de biblioteca” e não deixei de ler um livro cuja leitura iniciara. Por mais desinteressante me pudesse parecer. Algo com que Francis Bacon não concorda: “devemos ler certos livros apenas parceladamente; outros incuriosamente; e uns poucos, da primeira à última página, com diligência e atenção”.

Já existia, no século XVI, quem se satisfizesse com uma resenha, uma síntese, um texto resumido de um livro inteiro. “Alguns livros podem mesmo ser lidos por terceiros, que nos farão deles um apanhado, mas isso somente no caso de assuntos desimportantes, e de livros medíocres, pois livros resumidos são como água destilada: insípidos”.

Existe uma tendencial repulsa à leitura como deve ser feita. Muitos preferem assistir ao filme no streaming. Outros se satisfazem até com a leitura dinâmica da “orelha” do livro. Ou confiar em wikipedia ou qualquer outro aplicativo, em lugar do fabuloso exercício de se apoderar de cada sílaba, de cada palavra, até assimilar o pensamento de quem escreveu.

A leitura como deve ser feita, é uma fonte inesgotável de sabedoria. Francis Bacon definia com precisão: “o ler faz um homem completo”. Especialista em distinguir entre erro e verdade. Cultor do vernáculo. Perito em comunicação. Observador da gramática e apto em trabalhar com o vocabulário. Quem lê, escreve com exatidão.

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Quem escreve pouco deveria se esmerar em ter boa memória, em treinar a sagacidade para discernir e muita manha para fingir saber o que não sabe. Nunca esteve tão disponível à humanidade o acesso a milhões de obras literárias, hoje em domínio público, cuja variedade permite um infinito de escolhas. Ao refletir sobre a leitura, Francis Bacon observava que “a História faz homens sábios; a Poesia, graciosos; a Matemática, sutis; a Filosofia Natural, profundos; a Moral, graves; a Lógica e a Retórica, dialéticos”.

Ademais, e para concluir, a leitura aprimora a sociedade e lapida o leitor. “Verdadeiramente, não há obstáculo ou impedimento da inteligência que não possa ser vencido por estudos adequados, que são como os exercícios para as moléstias do corpo”.

Ler ainda é o melhor remédio para todos os males. Uma lástima que muitos moços não saibam o que estão perdendo, deixando de lado a leitura, para uma embriaguez de mediocridade superficial, que gera empobrecimento do intelecto e redução das potencialidades que se descortinam após exaurir o conteúdo de um bom livro.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão
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