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Opinião | A família na atualidade: vulnerabilidades e segurança jurídica

A vedação de atribuição de efeitos jurídicos com a implementação, como se tentou fazer no Brasil, do poliamor - obviamente poligamia - e da atribuição de direitos à amantes - evidentemente bigamia - foi uma das vitórias da ADFAS no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e no STF

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Por Regina Beatriz Tavares da Silva e André Dias Pereira
Atualização:

O 6º Congresso Internacional da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) debateu a reforma do Código Civil brasileiro e a Codificação civil portuguesa à luz dos princípios da vulnerabilidade e da segurança jurídica e foi realizado em conjunto com os Centros de Direito Biomédico e de Direito de Família na Universidade de Coimbra, em 2 e 3 de dezembro. O congresso teve ótimos resultados por meio da comparação entre a legislação vigente e projetada no Brasil e as normas legais em Portugal.

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Com a coordenação de Regina Beatriz Tavares da Silva (Brasil), presidente da ADFAS, e André Dias Pereira (Portugal), presidente de Comissão Portuguesa da ADFAS, são extraídas as seguintes reflexões sobre os temas mais comuns e importantes nas relações familiares, que serão detalhados a seguir. Esse o primeiro artigo com as principais conclusões. O segundo será publicado nos próximos dias.

Sobre a família na atualidade resultou claro que, apesar das mudanças que sempre existiram ao longo da história, a família constitui a célula base das sociedades e que o seu funcionamento organizado pelo Direito é fundamental para o desenvolvimento da personalidade de seus membros, o que leva ao crescimento de uma nação.

Foi examinado o parentesco socioafetivo, construído no Brasil por decisões judiciais com requisitos que equiparam um pai ou uma mãe que cria filho de sua esposa ou de seu marido ou convivente a um genitor/a biológico/a, porque assumiu, com amor e dedicação, aquele filho, como se fosse seu, sendo assim visto pela sociedade, não tendo a possibilidade de descartá-lo se ocorrer o término da sua relação que levou àquela assunção da parentalidade.

Se o fizer, poderá ser obrigado a pagar pensão alimentícia e, se morrer, terá mais um herdeiro. Caso a reforma do Código Civil faça a transposição dessa criação jurisprudencial para a legislação, espera-se que estabeleça os mesmos requisitos consagrados pelas decisões judiciais, no sentido de que haja a aparência, enquanto a relação durou, de paternidade ou maternidade.

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Se assim não for feito, sendo que o anteprojeto apresentado neste ano no Senado por Rodrigo Pacheco não faz, poderão ocorrer muitas injustiças, além dos danos a crianças na multiparentalidade dos chamados trisais, ou seja, ter seu nome registrado com filho de três ou mais pessoas que vivam em poligamia, no chamado poliafeto, quando a sociedade brasileira não reconhece essa relação como sendo familiar e a criança obviamente sofrerá bullying. Esta figura é desconhecida no direito português e não se prevê que possa ser adotada em curto ou médio prazo.

A proteção à pessoa idosa na família é um dos mais importantes desafios das sociedades atuais, cabendo à reforma do Código Civil aprimorar o sistema vigente, ou seja, estabelecer normas que efetivamente tragam soluções para os que têm mais do que 60 anos nas relações de família. O Brasil tem um Estatuto da Pessoa Idosa, que orgulha o nosso país, com proteções inexistentes em Portugal, desde prioridades em filas de bancos ou ônibus, ou comércio em geral, até o privilégio na tramitação de um processo judicial.

Alguns caminhos nas relações de família passam pelo direito de pensão alimentícia em face dos descendentes, podendo escolher o filho que deverá arcar com seu sustento, até o regime legal da separação, salvo escolha refletida de outro regime em tabelionato de notas, como decidiu o Supremo Tribunal Federal em tese de repercussão geral. O anteprojeto desprotege a pessoa idosa ao tentar implementar o regime de comunhão de bens, como regime padrão aos 60+.

A comunhão de bens é o regime que se aplica a todos que se casam ou vivem em união estável sem ter escolhido outro regime, apresentando especiais desafios, no caso de separação de fato ou de divórcio, no que se refere especialmente às participações societárias, à sua valorização quando já existiam antes da relação de conjugalidade e aos lucros que foram retidos nas empresas e enriquecem o sócio, empobrecendo o seu cônjuge ou convivente.

Mas é preciso tomar cuidado com a ampliação excessiva do patrimônio comum, ou seja, do casal, como propõe a futura reforma do Código Civil brasileiro, sob pena de virmos a ter escolhas frequentes do regime de separação de bens. Se for essa a intenção, como ocorre na Itália, que o regime padrão na lei seja o da separação. Se assim não for feito e for aprovada a proposta ampliativa do anteprojeto, serão necessários pactos e mais pactos, em favor do mercado advocatício.

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Na união estável ou de fato, chamada de conjugalidade informal, realçou-se a importância de manter a proteção de pessoas vulneráveis em caso de dissolução da união estável, o que acontece no Brasil, mas menos em Portugal. A casa onde mora a família, por exemplo, é destinada ao convivente vulnerável, em Portugal, mas no Brasil a união estável tem muitos outros efeitos, desde a comunhão de bens se não for escolhido outro regime, até os direitos de herança, se não houver exclusão do convivente em testamento.

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Por outro lado, seria importante densificar na reforma do Código Civil os requisitos mínimos para se poder considerar a existência de uma união estável, ou seja, estabelecer requisitos mais claros, como a moradia na mesma casa, salvo hipóteses excepcionais e justificadas, e o prazo mínimo de duração de dois anos para gerar efeitos similares aos do casamento. Os requisitos frouxos constantes da norma legal em vigor, originária do legislador de 1996, levam a constantes confusões entre um namoro adulto e uma união estável. Em Portugal, exige-se que as duas pessoas “vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos” mesmo sendo a união estável entidade familiar de poucos efeitos naquele país.

Acresça-se ainda que em Portugal, o que há de ser corrigido naquele sistema, não há um regime de bens, considerando-se que os companheiros mantêm o seu patrimônio absolutamente separado.

A Monogamia como princípio estruturante do casamento e da união de fato é um ponto absolutamente incontroverso no Direito português e em toda a Europa, na maior parte da Ásia, na Oceania e crescente até mesmo nos países da África, tradicionalmente poligâmicos. A abrangência da monogamia, historicamente, pode ter tido influência religiosa, mas nos dias atuais tem origem por seus reflexos positivos nas famílias.

Os países que ainda adotam a poligamia têm os maiores índices de violência doméstica, mortalidade infantil e outras mazelas, com os menores índices de desenvolvimento humano, salvo algumas poucas exceções, advindas de médias inexatas, pelas grandes riquezas dos magnatas do petróleo.

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A vedação de atribuição de efeitos jurídicos com a implementação, como se tentou fazer no Brasil, do poliamor -- obviamente poligamia -- e da atribuição de direitos à amantes -- evidentemente bigamia -- foi uma das vitórias da ADFAS no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e no STF. O anteprojeto acolhe a monogamia e rejeita direitos nas relações paralelas um casamento ou a uma união estável, mas o faz em propostas de normas espalhadas, sem a devida concentração num único dispositivo.

Em breve, leiam a segunda parte sobre a temática do Congresso Internacional da ADFAS.

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Regina Beatriz Tavares da Silva
Advogada sócia e fundadora de RBTSSA - Sociedade de Advogados. Mestre e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP.) Pós-doutora em Biodireito pela Universidade de Lisboa (UL). Presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões – ADFAS. Foto: Arquivo pessoal
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