Todos os anos, em datas festivas, a famigerada saída temporária coloca nas ruas milhares de presos, muitos dos quais cometerão outros ilícitos penais e não retornarão às unidades prisionais.
E a próxima é a do Natal, programada para amanhã, dia 23.
Tal fato ocorre não porque o Juiz das Execuções Criminais assim queira, mas por determinação legal.
Vou explicar para que todos entendam, já que muitos leitores não possuem formação jurídica.
É direito do condenado que cumpre pena no regime semiaberto as saídas temporárias para a visita à família, para a frequência a curso supletivo profissionalizante ou de instrução de ensino médio ou superior na Comarca do Juízo da Execução, ou para a participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social. Este direito vem previsto no artigo 122 da Lei de Execução Penal.
O regime semiaberto é o intermediário em que a vigilância é mais amena. Assim, para a paulatina reinserção à sociedade, mostra-se salutar que o condenado que cumpre pena neste regime possa aos poucos manter contato com o mundo externo.
A lei elenca hipóteses em que será possível a obtenção do benefício da saída temporária, sempre visando a ressocialização e a obtenção de melhores condições de sobrevivência para quando retornar ao convívio social.
Pode o preso obter o benefício para a visita à família, que é a maior responsável pela ressocialização do condenado. O contato com pessoas queridas e que lhe podem dar suporte contribui sensivelmente para a readaptação ao convívio social.
Além da visita à família, há outras hipóteses em que a saída é possível, mas esta é a mais comum.
É sabido que muitos presos beneficiados com a saída temporária praticam crimes e até mesmo usam o álibi de estarem cumprindo pena prisional para tentar se safar da responsabilização penal.
Pode o Magistrado, portanto, entendendo necessária a fiscalização por tornozeleira eletrônica, determiná-la, mediante decisão fundamentada.
As saídas temporárias dependem de autorização judicial, sempre com a prévia oitiva do Ministério Público e da administração penitenciária, e preenchimento dos seguintes requisitos: 1) comportamento adequado; 2) cumprimento mínimo de um sexto da pena, se o condenado for primário, e um quarto, se reincidente; 3) compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.
Não basta, assim, estar cumprindo pena no regime semiaberto para a obtenção do benefício. Há requisitos legais a serem observados que, se preenchidos, importam na concessão do benefício, que é direito do preso.
Considerando a comoção social em razão da concessão de saídas temporárias em datas festivas para visitação de seus familiares para condenados que mataram os próprios pais, mães ou filhos, o legislador vedou o benefício para alguns crimes. Com efeito, não terá direito a usufruir o benefício da saída temporária o preso condenado por crime hediondo com resultado morte, como o homicídio qualificado, latrocínio e extorsão mediante sequestro seguida de morte.
Nestes casos, pouco importa o preenchimento dos demais requisitos legais, haja vista que a norma afasta esse direito para o condenado por essa espécie de delito, que são os mais graves previstos em nossa legislação e, por isso, merecem severa punição para que as finalidades da pena sejam alcançadas.
Por outro lado, diversos crimes de suma gravidade ainda possibilitam as saídas temporárias, como assaltos à mão armada, extorsão mediante sequestro e tráfico de drogas, muitas vezes sem nenhum tipo de fiscalização efetiva por ausência de tornozeleiras eletrônicas para todos.
A autorização de saída temporária será concedida pelo Juiz das Execuções Criminais por prazo não superior a sete dias, podendo ser renovada por mais quatro vezes durante o ano. Dessa forma, poderão ser concedidos de forma escalonada até 35 dias de saída temporária.
Normalmente, as saídas temporárias para visitação à família são concedidas em datas festivas, como Natal e Ano Novo, Páscoa, Dia das Mães, dos Pais e das Crianças.
O fundamento da saída temporária não é que o pai ou a mãe vá visitar o filho ou vice-versa, mas que seja gradativamente reinserido na sociedade. A data da saída é apenas escolhida por ser festiva, mas poderia ser em outra qualquer, desde que observados os limites e intervalos previstos em lei.
Foi aprovado na Câmara dos Deputados projeto de lei que acaba com as saídas temporárias. No caso de ser transformado em lei, é muito provável que o Supremo Tribunal Federal julgue a norma inconstitucional por violar o princípio da individualização da pena, segundo o qual, no que concerne à execução criminal, deve propiciar ao preso as condições necessárias para que possa retornar ao convívio social, aplicando-se a ele a terapêutica penal de acordo com métodos científicos e nunca improvisados.
E, realmente, parece-me que será pior para a sociedade colocar diretamente na rua o preso do que gradualmente possibilitar sua saída, seja para visita à família, para o estudo ou para o exercício de outra atividade que auxilie na sua reinserção social, a fim de haver a readaptação gradativa à vida em sociedade. O que deve ocorrer, no meu modo de ver, é maior rigor na concessão desses benefícios e no controle dos presos, que pode ser feito por meio de tornozeleira eletrônica.
Poderia ser limitado o benefício aos presos que não apresentem periculosidade, o que pode ser verificado por meio de exame criminológico, e para crimes cometidos sem violência à pessoa ou grave ameaça.
Enfim, algo precisa ser feito a fim de limitar as saídas temporárias e para o controle efetivo dos presos no caso de sua concessão, não me parecendo razoável simplesmente vedar o benefício, que atingiria a todos os detentos, prejudicando indevidamente àqueles que não apresentam periculosidade e plenamente recuperáveis.
*César Dario Mariano da Silva, procurador de Justiça - SP. Mestre em Direito das Relações Sociais. Especialista em Direito Penal. Professor universitário. Autor de vários livros, dentre eles Manual de Direito Penal, Lei de Execução Penal Comentada, Provas Ilícitas, Estatuto do Desarmamento, Lei de Drogas Comentada e Tutela Penal da Intimidade, publicados pela Juruá Editora
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