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Opinião | A identificação do perfil genético do preso mediante extração do DNA, segundo o STJ

Concluiu o STJ que a determinação do art. 9º-A da Lei de Execução Penal não constitui violação do princípio da vedação à autoincriminação compulsória (nemo tenetur se detegere). Trata-se de procedimento de individualização e identificação possível graças ao avanço da técnica e que pode ser utilizado como elemento de prova para elucidação de crimes futuros

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convidado
Por Rogério Tadeu Romano

Nos termos do art. 9º-A da Lei de Execução Penal, com redação dada pela Lei n. 13.964/2019, o condenado por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido, obrigatoriamente à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirribonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no estabelecimento penal. A referida obrigatoriedade constitui procedimento de classificação, individualização e identificação

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Dir-se-ia utilizando como pretexto o combate ao crime o Estado segue “etiquetando os criminosos, já levando a sociedade a chamá-los de criminosos, no contexto lombrosiano, dando tratamento policial a problemas sociais.

Não é esse o entendimento de Nucci (Leis penais e processuais penais comentadas. v. 2. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 416) “de modo a negar qualquer tentativa de formação de um estereótipo de delinquência: Sabe-se que a personalidade possui dados de herança genética, que influenciam no comportamento do indivíduo. Por tal razão, veda-se o foco do banco de dados de perfil genético no prisma comportamental, eliminando-se qualquer possibilidade de uso dessas características para apurar o modo de ser e de agir do sujeito identificado.”

Não se estaria, pois, diante de um direito penal do inimigo.

Jakobs propõe a distinção entre um Direito Penal do Cidadão, que se caracteriza pela manutenção das normas, das garantias penais e dos limites ao poder de punição e investigação do Estado, e um Direito Penal do Inimigo, totalmente orientado para combater os “perigos sociais”, que permite que qualquer meio disponível, lícito ao não, seja utilizado para punir esses “não-cidadãos”. Não se trata, portanto, de contrapor duas esferas isoladas do Direito Penal, mas de descrever dois polos de um só mundo e de visibilizar duas tendências opostas em um só contexto jurídico-penal.

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Nesse contexto, há o Direito Penal do Cidadão, cuja tarefa é garantir a vigência da norma como expressão de uma determinada sociedade e o Direito Penal do Inimigo, ao qual cabe a missão de eliminar perigos. No último caso, ocorre uma verdadeira caçada ao autor de um suposto delito, pois o agente é punido pela sua identidade, por suas características e personalidade. Pune-se o autor, e não a conduta delitiva em si. Reprova-se a periculosidade do agente e não sua culpabilidade. A aplicação do Direito Penal do Inimigo significa a suspensão de “certas normas” para “certas pessoas”, o que é justificado pela necessidade de proteger os “homens de bem”, a sociedade ou o Estado contra determinadas ameaças coletivas.”

Entende-se que a identificação do perfil genético é uma ampliação da qualificação do apenado possível graças ao avanço da técnica, podendo ser utilizado como elemento de prova para crimes futuros

Costuma-se se dizer que a determinação para o preso ser submetido à coleta forçada de material biológico seria uma ofensa à dignidade da pessoa humana e à intimidade, além de violar os princípios da autonomia da vontade, da presunção de inocência e da vedação à autoincriminação.

Entendeu o STJ que não há inconstitucionalidade nessa obrigatoriedade, consoante se lê do portal de notícias do STJ, em 25.9.24.

O relator no STJ, ministro Sebastião Reis Junior, destacou que, não havendo crime em apuração, o fornecimento do perfil genético não ocasiona produção de prova contra o apenado. Segundo ressaltou, a exigência legal busca aumentar o caráter de prevenção especial negativo da pena.

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“Não há que falar em obrigatoriedade de produção de provas de crime ainda não ocorrido, futuro e incerto”, completou.

O relator frisou que o direito de não ser obrigado a produzir provas contra si tem limitações no ordenamento jurídico. Ele apontou exceções, como a desobediência diante de ordem de parada do policiamento ostensivo e a autoatribuição de falsa identidade.

Por outro lado, o ministro lembrou que existem situações em que a vedação à autoincriminação se aplica, como no caso de realização do teste de bafômetro, de depoimento – mesmo na condição de testemunha – quando isso puder incriminar o depoente, ou, ainda, de fornecimento de padrões vogais ou gráficos para exame pericial.

A matéria foi discutida no HC 879.757.

Ninguém será obrigado a produzir elementos de prova contra si mesmo. Tal decorre do direito ao silêncio, previsto no art. 5º, LXVII.

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O referido direito também tem sede convencional, O especialmente no art. 8º, 2, g, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), incorporado ao direito brasileiro pelo Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1969.

Se a conduta determinada pela Lei impele alguém a, em razão de investigação, produzir elemento contrário ao seu interesse pela liberdade, há violação da vedação à autoincriminação compulsória; mas, ausente investigação sobre suposto crime, não há falar em violação do princípio da autoincriminação

Na definição de Renato Brasileiro (Manual de Processo Penal: volume único. 11. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Ed. JusPodivm, 2022. p. 70), trata-se de uma modalidade de autodefesa passiva, que é exercida por meio da inatividade do indivíduo sobre quem recai ou pode recair uma imputação. Consiste, grosso modo, na proibição de uso de qualquer medida de coerção ou intimidação ao investigado (ou acusado) em processo de caráter sancionatório para obtenção de uma confissão ou para que colabore em atos que possam ocasionar sua condenação.

Concluiu o STJ que a determinação do art. 9º-A da Lei de Execução Penal não constitui violação do princípio da vedação à autoincriminação compulsória (nemo tenetur se detegere). Trata-se de procedimento de individualização e identificação possível graças ao avanço da técnica e que pode ser utilizado como elemento de prova para elucidação de crimes futuros.

Assim entendeu o STJ que “e ilegalidade na determinação de fornecimento do perfil genético do paciente, condenado por delito descrito no art. 217-A do Código Penal (fl. 22), nos termos do art. 9º-A da Lei de Execução Penal, constituindo falta grave a recusa, nos termos dos arts. 9-A, § 8º, e 50, VIII, do referido marco legal”.

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A Sexta Turma do STJ, lembre-se , já enfrentou essa questão anteriormente ( HC n. 563.114/MG, Ministro Nefi Cordeiro, DJe 10/2/2020; e AgRg no HC n. 851.296/PR, Ministro Jesuíno Rissato, DJe 1º/3/2024) chegando, em ambas oportunidades, à mesma conclusão

Observe-se que se encontra pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal o RE n. 973.837/MG (Tema 905), no qual se discute a constitucionalidade da exigência de fornecimento do perfil genético do art. 9º-A da Lei de Execução Penal, com redação dada pela Lei n. 12.654/2012.

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Rogério Tadeu Romano
Procurador regional da República aposentado, professor de Processo Penal e Direito Penal e advogado. Foto: Arquivo pessoal
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