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Opinião | A Igreja dos Pobres

A dependência do Império explica a reduzida estrutura hierárquica do clero até 1890. Só depois disso foram criados dioceses e seminários para formação religiosa. Era natural a resistência do governo à ampliação das estruturas: elas integravam o Estado Imperial e por ele custeadas

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convidado
Por José Renato Nalini
Atualização:

O historiador Rodney da Silva Amador escreveu um livro com este nome, cujo subtítulo é “Teorias e Práticas da Teologia da Libertação” (1970-1980) e se propõe analisar como se desenvolveu esse movimento eclesial tão contestado pelo autoritarismo.

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A Igreja Católica no Brasil era a religião estatal, desde a colônia, passando pelos governos gerais, pelo Vice-Reino e pelo Império longevo. Só com o golpe republicano foi que o catolicismo deixou de ser uma categoria governamental e teve de se assumir como Instituição autônoma.

A dependência do Império explica a reduzida estrutura hierárquica do clero até 1890. Só depois disso foram criadas novas dioceses e novos seminários para formação religiosa. Era natural a resistência do governo à ampliação das estruturas: elas integravam o Estado Imperial e por ele custeadas.

A vinculação histórica e cultural permaneceu na versão tradicional e, de certa forma, patrimonialista. Só depois do Concílio Vaticano II foi que a Igreja voltou o seu olhar mais atento para os pobres. Antes disso, o conforto religioso era semear a paciência e a resignação, pois apenas no céu os fiéis teriam a recompensa por sua conduta e sofrimento nesta peregrinação.

A opção preferencial pelos pobres, pelos excluídos, gerou o que o autor chama de “Cristianismo da Libertação”, do qual a “Teologia da Libertação” é uma faceta. Os seus princípios básicos são enfatizados na obra: 1. A luta contra a idolatria (não o ateísmo) como o inimigo principal da religião; 2. Libertação humana histórica como a antecipação da salvação final em Cristo, Reino de Deus; 3. Uma crítica da Teologia Dualista tradicional, como produto da filosofia grega de Platão e não da tradição bíblica; 4. Uma nova leitura da Bíblia, que dá uma atenção significativa a passagens tais como a do Êxodo, que é vista como paradigma da luta de um povo escravizado por sua libertação; 5. Uma forte crítica moral e social do capitalismo dependente como sistema injusto e iníquo, como uma forma de pecado estrutural; 6. O uso do marxismo como instrumento socioanalítico, a fim de entender as causas da pobreza, as contradições do capitalismo e as formas da luta de classe; 7. A opção preferencial pelos pobres e a solidariedade como sua luta pela autolibertação; 8. O desenvolvimento de comunidades de base cristãs como alternativa para o modo de vida individualista imposto pelo sistema capitalista.

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Houve reação externa e interna da Igreja em relação a esse posicionamento. Antes disso, o próprio autoritarismo repudiara a corrente da libertação, pois haviam sido publicados documentos como “A marginalização do povo” e “Ouvi os clamores de meu povo”, com críticas à ditadura e ao capitalismo. Isso fez com que o Cristianismo da Libertação fosse perdendo terreno ao longo da década de 1980.

Quando Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, antes chamada “Propaganda Fidei” e anteriormente presidida por Dom Agnelo Rossi, o filósofo Joseph Ratzinger produziu o documento “Instrução sobre alguns aspectos d Teologia da Libertação”. Para ele, que se tornaria o Papa Bento XVI, a libertação que a Igreja deve promover, em primeiro lugar, deve ser a libertação do pecado, origem de todos os males.

Sacerdotes ligados à Teologia da Libertação foram punidos, como Leonardo Boff, condenado em 1985 a um a um “silêncio obsequioso”, por haver escrito “Igreja, Carisma e Poder”. Reabilitado em 1986, foi novamente processado pela Congregação em 1992 e condenado à mesma pena. Mas ele renunciou à condição de sacerdote franciscano e passou a lecionar na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, uma instituição leiga.

Rodney elabora um denso estudo sobre as relações da Teologia da Libertação com o marxismo e aborda as práticas levadas a efeito no Brasil, onde o seu arrefecimento é evidente. Cumpriu a sua promessa de evidenciar uma relação muito específica entre fé e política, num momento sensível da história brasileira. Indaga se o Brasil foi capaz de comportar uma experiência que fosse progressista e o que acontece nesta nação que se autodefine como cristã. Vale a pena a leitura dessa corajosa incursão sobre um pensamento que é banido, antes mesmo de ser conhecido por seus detratores.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Werther Santana/Estadão
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