Os sucessivos e recorrentes erros por parte das arbitragens observados em partidas recentes, algumas das quais, inclusive, com o reconhecimento da própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF) [1] refletem o desalinho sob o qual um dos maiores “produtos” esportivos do país tem sido tratado.
Independentemente das paixões clubísticas, muitas vezes imperativas na defesa dos lances, é preciso uma análise quase que “científica” do fenômeno, obviamente complexo, e que, em muito, revela aspectos que nos remetem às eventuais crises do Direito.
No Direito – e isso é denunciado há anos por autores do porte de Lênio Luiz Streck -, há os que transformaram todas as suas fontes em “um nada”, consagrando interpretações que chegam a partir da “própria consciência”, ou da convicção pessoal do intérprete. E, no futebol, a crise aqui descortina traços de grande similaridade.
A atividade futebolística, sobretudo a profissional, sempre foi considerada um dos nossos principais “produtos”, conforme citado inicialmente. E isso data de décadas. Durante o próprio regime militar de 1964-1984, essa vertente foi bem disseminada.
Na década de 1970, por exemplo, era comum os alunos escreverem suas redações em sala de aula destacando a existência de florestas no Brasil, a possibilidade de se plantar e colher, a inexistência de fenômenos naturais maiores, e, nesse interim, enaltecendo ser o país o palco do futebol.
Vale dizer, o futebol pátrio era e continua sendo “tipo exportação”. Basta ver o número de passes/direitos federativos decorrentes de contrato especial de trabalho entre clubes e atletas que são negociados com agremiações do exterior.
Entre nós, a CBF é um caso à parte. Acordos e disputas políticas, muitas vezes inação, noutras ações questionáveis. Boa parte de nossos atletas parece também estar no meio deste senso comum. Ao mesmo tempo, e paralelamente, uma instabilidade parece ser intransponível na qualidade do futebol verde e amarelo.
Embora times brasileiros tenham conquistado boa parcela das últimas edições da Copa Libertadores, colocar as mãos na taça do mundial interclubes tem sido muito difícil. Que dirá a Copa do Mundo de Futebol da FIFA.
Os “juízes” de futebol – aqui falando em termos amplos, inclusive os bandeirinhas e outros auxiliares -, também não são totalmente profissionalizados. Não têm vínculo empregatício e obrigatoriamente se veem na necessidade de outra fonte de renda. Realidade que deve ser levada em conta. O mesmo ocorre com os atletas. Afinal, são poucos a alcançar o glamour da primeira divisão e seus bons salários.
Veio o admirável mundo da tecnologia da Sociedade da Informação (Castells), e com ele, é claro, também o futebol viu suas novas perspectivas. Surgiu o VAR (Video Assistant Referee) e todos aguardavam que a partir de então melhoraria muito a arbitragem futebolística. Mas não.
Várias partidas, ainda que com cabines repletas de controladores eletrônicas, de fiscalização e de checagem, não tiveram os seus resultados efetivamente aceitos diante de erros grosseiros. Os próprios comentaristas de arbitragem muitas vezes demonstram a inserção “plena” neste palco repleto de contradições.
Não esqueçamos que o futebol que no início era amador e até “da aldeia”, ganhou feição profissional, inclusive transformando-se em um lucrativo um negócio para muitos. Enquanto isso, alguns dão indicativos de não cuidar com o denodo necessário esta área que também gera tanta riqueza e um número fantástico de empregos.
Casos que se repetem parecem demonstrar uma crise sem fim que aparece às escâncaras. Quando afinal de contas teremos atuações (também) de arbitragem mais aceitáveis?
Árbitros já foram, inclusive, convidados a falar sobre o VAR no Senado Federal. Não esquecendo que aqui incidem as regras do Direito do Consumidor, e assim todos os seus matizes interpretativos, como os da publicidade e da transparência.
E os patrocinadores, que a exemplo de nós torcedores que sustentamos todo este campo da diversão e do lazer, o que têm a dizer? Estão satisfeitos com suas marcas em produto de tão polêmica qualidade?
Resta esperar novos tempos também no futebol brasileiro. Com a bola, a CBF.
*Luiz Gonzaga Silva Adolfo, advogado, doutor em Direito, professor dos Cursos de Direito da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), assessor superior na Procuradoria-Geral do Município de Sapucaia do Sul/RS
Notas
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