Década de 90: advogados em seus escritórios digitam contratos em máquinas de escrever, quando surge o pacote Office. Muitos receberam a novidade com desconfiança, mas quem adotou o Word rapidamente experimentou um salto inegável em produtividade e qualidade. Hoje, a história se repete, mas o protagonista da vez é a Inteligência Artificial Generativa. E, entre tantas perguntas, uma das principais é: como o Direito irá se transformar com essa nova ferramenta?
A chegada da Inteligência Artificial está remodelando diversos setores, e o universo jurídico também está inserido nessa transformação. A Inteligência Artificial Generativa, além de potencialmente mudar a maneira como o operador do direito trabalha, nos traz profundas reflexões sobre o futuro da profissão. Reconhecendo essa mudança, a OAB SP, a Trybe, o Jusbrasil e o Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) uniram-se para explorar o potencial da IA como aliada dos profissionais da área jurídica. Dessa união, surgiu o curso gratuito de IA Generativa aplicada ao Direito.
O Direito sempre esteve ligado à tecnologia, desde softwares básicos para automatizar tarefas até sistemas complexos que analisam jurisprudências. Contudo, a IA generativa representa uma grande oportunidade de evolução. Ferramentas de IA realizam atividades repetitivas e exaustivas com eficácia, liberando tempo para que os advogados se concentrem em temas de elevada importância: estratégia, comunicação assertiva e conexão humana.
Apesar dos receios que esses avanços podem trazer, a melhor forma de encarar a IA não é como uma ameaça à profissão, mas como nova aliada que pode amplificar nossas capacidades. As oportunidades que essa tecnologia oferece ao Direito são vastas.
Na advocacia, por exemplo, em casos de resolução de conflitos entre vizinhos, família ou societário, a IA pode auxiliar na geração de conteúdo e trazer volume de dados e informações para a elaboração de peças mais assertivas. Além disso, a IA poderá liberar um tempo valioso para que o advogado, que compreende os aspectos subjetivos dos conflitos e se comunica de forma mais próxima, empática e efetiva, defenda melhor o direito de seu cliente perante o magistrado.
O projeto Sinapses, do Tribunal de Justiça de Rondônia, nacionalizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é um exemplo da aplicação de inteligência artificial no poder judiciário brasileiro, já envolvido no desenvolvimento de aplicações de inteligência artificial antes da popularização de ferramentas como o ChatGPT. Essa plataforma estabelece uma infraestrutura para o desenvolvimento e implementação descentralizada de modelos de IA, permitindo sua expansão para diversos tribunais do país, devido à sua eficácia comprovada em acelerar processos judiciais e reduzir erros. Paralelamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) avança no uso de IA com o Projeto Victor, desenvolvido em parceria com a Universidade de Brasília (UnB). O Victor otimiza a análise de processos complexos, especialmente os relacionados a temas de repercussão geral, reduzindo o tempo de processamento. Essa tendência de adoção de IA reflete uma mudança ampla e contínua no Brasil, impulsionada também pelo crescimento das Lawtechs, que estão transformando o cenário jurídico nacional.
Em todos os casos, é essencial que os profissionais entendam os limites dessa tecnologia. A IA, por mais avançada que seja, ainda depende da análise humana para garantir a precisão e a relevância das informações.
Se ainda há dúvidas de como integrar essa tecnologia às práticas diárias e maximizar suas vantagens, o primeiro passo é não temer as ferramentas de IA disponíveis e explorá-las com curiosidade. Além disso, é preciso manter uma abordagem crítica e cuidadosa. A verificação constante das informações fornecidas é fundamental. A capacidade de revisão, conferência e compreensão subjetiva é o que diferencia advogados que fazem uso da IA de forma superficial daqueles que a empregam de maneira sofisticada e estratégica, como sua assistente.
Pode parecer paradoxal, mas a IA vai exigir que nos tornemos mais humanos. A transformação digital está em curso, e o Direito tem diante de si uma oportunidade única de evoluir com a tecnologia, o que garante que a prática continue a ser um campo ético e seguro, no qual a inteligência e a criatividade sejam valorizadas e potencializadas.
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