A Lava Jato foi ao cinema na terra do poeta Paulo Leminski. Tinha tapete vermelho, pipoca e refrigerante de cola para os convidados: 2,2 mil lotaram oito salas de um shopping de Curitiba para a pré estreia do primeiro filme a imortalizar nas telonas a operação que abalou o País.
Controversa, odiada, amada e cada vez mais imortal, a Lava Jato foi a estrela da noite. Polícia Federal: A Lei é para Todos - direção de Marcelo Antunez - narra a história da origem das investigações de corrupção na Petrobrás. O longa foi exibido em cinema pela primeira vez na noite desta segunda-feira, 28, na capital paranaense - o lançamento oficial é dia 7 de setembro.
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No poema infantil A Lua no Cinema, de Leminski, ele conta que "a Lua foi ao cinema, passava um filme engraçado", era a história de "uma estrela tão pequena, dessas que quando apagam, ninguém vai dizer, que pena!".
Escolhida estrategicamente para a exibição pública prima, a capital da Lava Jato reuniu no escurinho do cinema algumas das principais "estrelas" da operação.
Lado a lado nas poltronas, o juiz Sérgio Moro - dos processos de Curitiba e quase anfitrião ao visitante - e o juiz Marcelo Bretas - da versão fluminense do escândalo - dividiram a atenção com os atores globais do filme. Distribuíram acenos e sorrisos, só evitaram as selfies e entrevistas.
Convidados para a pré estreia pela produção, Moro e Bretas se encontraram antes do filme para jantar com as mulheres em um restaurante do shopping. Os dois chegaram para a sessão, na Sala 5, marcada paras 21h30, cercado por seguranças. Fugiram do tapete vermelho da noite hollywoodiana da Lava Jato estendido na entrada principal do cinema, onde montou-se o circo principal para artistas, jornalistas e curiosos.
Moro é vivido no filme pelo ator convidado Marcelo Serrado - que não compareceu à pré estreia - e aparece pouco na telona. Mas suas passagens misturam o Sérgio Moro vestido de juiz temido da Lava Jato e o Sérgio Moro marido e pai.
Na mesma fileira sentaram outras "estrelas" da Lava Jato da vida real: o procurador da República Deltan Dallagnol, os delegados da Polícia Federal Igor Romário de Paula, Márcio Adriano Anselmo, Erika Marena e Maurício Moscardi, entre outros.
Parte do filme narra os dramas pessoais e dilemas profissionais da equipe da PF, com direito a choro, lenço e drops de hortelâ para aplacar a dor. Afinal, já dizia Leminski, "um homem com uma dor, é muito mais elegante". "Caminha assim de lado, Como se chegando atrasado, Chegasse mais adiante."
Os 13 procuradores foram condensados em dois, Ítalo Agnelli, interpretado por Rainer Cadete, e Pedro Henrique, interpretado por Leonardo Franco. Os perfis e padrões mais destacados sugerem personificações dos procuradores da República Deltan Dallagol e Carlos Fernando dos Santos Lima, duas faces mais visíveis publicamente da força-tarefa.
Nas telas. O primeiro longa da Lava Jato é uma thriller policial. Tem muita ação, realidade com ficção e uma boa dose de panfletagem pró investigações anti corrupção deflagradas em Curitiba. Chama atenção o fato de nomes de personagens e de empresas serem os da vida real no filme, com exceção dos delegados e procuradores. A explicação é que eles condensam mais de uma pessoa.
Mas é político. "É político, porque tem político roubando", disse o ator Bruce Gomlevsky, encarnação de Renato Russo nos teatros que na telona da Lava Jato vive o delegado da PF Julio. O personagem representa o delegado Márcio Anselmo, responsável pelo inicio das investigações, considerado o cérebro da equipe - atualmente ele é corregedor no Espírito Santo.
Mas é cinema. "O objetivo é entreter", avisa o ator Antonio Calloni, que interpreta o delegado Ivan, representação do chefe da Lava Jato na PF em Curitiba Igor Romário de Paula. É ele o narrador da trama, que enaltece a atuação da polícia, da mesma forma que em Tropa de Elite a visão do Bope - o batalhão de elite da polícia fluminense - narrada pelo Capitão Nascimento, vivido por Wagner Moura, é pró "caveiras".
O filme fez um recorte e conta a história da Lava Jato sobre o inicio das apurações pela PF em 2013. Narra como um inquérito sobre lavagem de dinheiro de doleiros, velhos notórios da Justiça, atingiu o bilionário esquema de corrupção instalado na Petrobrás, meio que por acaso.
Com 1h50 de duração, o filme tem ação do início ao fim. Começa com a perseguição a um caminhão de palmitos recheados de cocaína, o elo com o Posto da Torre, em Brasília, a prisão em 2014 do doleiro Alberto Youssef - figura emblemática da Lava Jato - e evolui para a descoberta da Land Rover dada de "presente" ao ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa. Nesse ponto, trata sobre o dilema pessoal familiar que o levou a ser o primeiro delator do escândalo.
O clímax é prisão do "príncipe das empreiteiras" Marcelo Odebrecht, interpretado por Marcelo Medeiros, e o ápice é a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vivido pelo ator Ary Fontoura - que como Serrado, também não compareceu. Odebrecht está preso desde junho de 2016 e virou delator.
Fim. Como a Lava Jato da vida real, a primeira versão para o cinema nasce sem fim. O diretor Marcelo Antunez e o produtor Tomislav Blazik já trabalham com equipe no segundo filme e há a previsão de um terceiro.
"Enquanto a Lava Jato nos der assunto e o povo continuar querendo a assistir, vamos continuar contando, porque parece que assunto não falta. O que a gente pode dizer por enquanto é que a gente acha que tem espaço para uma trilogia. Esse é o nosso objetivo. A gente já está desenvolvendo um segundo roteiro que conta os eventos de março do ano passado até o mais próximo possível", afirmou Antunez.
"Vamos ligar para Brasília? Os roteiristas de Brasíla são muito mais criativos que o meu. Olha que os meus são bastante."
Ame ou odeie, o filme é o primeiro registro em cinema da Lava Jato, a versão brasileira da Operação Mãos Limpas, a prima mais velha da Itália.
Com investimento secreto de R$ 15 milhões, a trilogia continua com os desdobramentos da Lava Jato pós 24ª fase, que levou Lula em março de 2016 para depor coercitivamente no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. A interpretação de Ary Fontoura rouco e dizendo "meu querido" promete novo capítulo.
O diretor nega viés político partidário no filme. Mas o recorte temporal das apurações, que abrange de 2013 ao início de 2016, afunilam o tema para o papel de Lula e do PT como responsáveis pelo esquema de corrupção na Petrobrás.
Atentos ao risco de se criar uma associação político-partidária com o filme, a continuação da trilogia será quase um contrapeso às críticas secretaristas. A cena final - acrescida após fim da produção - mostra a filmagem dos delatores da JBS entregando uma mala de dinheiro para o primo do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e promete: Polícia Federal, A Lei é para Todos continua.
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