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Opinião | A legalização da cannabis no Brasil

É preciso cautela para evitar a repetição de erros cometidos em outros países e, ao mesmo tempo, coragem para romper com o paradigma proibicionista que há décadas alimenta a violência, o preconceito e a desinformação

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convidado
Por Maria Klien

A cannabis, planta ancestral envolta em controvérsias e estigmas, tem protagonizado um debate cada vez mais urgente na sociedade brasileira: a sua legalização. Como profissional da área da saúde mental, com expertise em cannabis medicinal e terapia assistida, acompanho com atenção os desdobramentos dessa discussão, reconhecendo a necessidade de um posicionamento técnico e equilibrado, que transpasse a polarização e ilumine os desafios e as oportunidades inerentes a essa mudança paradigmática.

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É inegável que a proibição da cannabis fracassou em seus objetivos. Em vez de coibir o consumo, alimentou um mercado ilegal perigoso e lucrativo, além de ter gerado uma série de mazelas sociais, como a criminalização de usuários e o encarceramento em massa, que atinge desproporcionalmente a população negra e periférica. No entanto, a simples liberação da cannabis, sem o devido planejamento e a implementação de políticas públicas eficazes, pode resultar em consequências indesejadas, como observado na Tailândia, onde a euforia inicial deu lugar à preocupação com o aumento do uso problemático entre jovens e a sobrecarga do sistema de saúde.

O Brasil, marcado por profundas desigualdades e uma arraigada cultura punitivista, precisa trilhar um caminho mais estratégico e responsável. A experiência internacional demonstra que a regulamentação da cannabis, quando bem implementada, pode trazer benefícios significativos para a sociedade, desde a redução de danos à saúde pública e o aumento da segurança, até a geração de empregos, o desenvolvimento científico e a arrecadação de impostos.

O alicerce para uma regulamentação bem-sucedida reside na educação. É premente investir em campanhas abrangentes e informativas, que desmistifiquem a cannabis, combatam o estigma e a desinformação, e apresentem à população uma visão realista sobre seus benefícios e riscos. É preciso conscientizar sobre o uso medicinal, os diferentes métodos de consumo, os potenciais efeitos colaterais e, principalmente, os riscos do uso precoce por adolescentes e jovens, cujo sistema nervoso central ainda em desenvolvimento se mostra particularmente vulnerável aos efeitos do THC.

Em minha prática clínica, tenho me deparado com casos alarmantes de jovens que, por falta de informação e acesso a produtos de qualidade questionável, experimentaram consequências negativas do uso abusivo, desenvolvendo quadros de ansiedade generalizada, crises de pânico, surtos psicóticos e até mesmo desencadeando doenças mentais preexistentes. A banalização do uso, sem a devida orientação e acompanhamento profissional, é um risco que não podemos correr, sob pena de comprometer o futuro de toda uma geração.

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Além da educação, a regulamentação eficaz da cannabis exige investimentos robustos em infraestrutura e vigilância sanitária, garantindo a qualidade dos produtos, a segurança dos consumidores e o acesso facilitado ao tratamento médico para aqueles que necessitam. Países como Canadá e Alemanha, que apostaram em modelos regulatórios abrangentes, colhem hoje os frutos de um mercado legal e controlado, que garante o acesso seguro à cannabis tanto para fins medicinais quanto recreativos.

A Anvisa, órgão regulador brasileiro, tem dado passos importantes nesse sentido, como a publicação da RDC 327, que regulamenta a produção e comercialização de produtos à base de cannabis para fins medicinais, e a sinalização de que pretende rever e flexibilizar as normas para facilitar o acesso a essa terapia. Entretanto, a falta de investimento público, a burocracia e a morosidade do sistema representam obstáculos a serem superados para que a cannabis medicinal se torne uma realidade acessível a todos os brasileiros.

A legalização da cannabis, longe de ser uma panaceia para os problemas do país, representa um desafio complexo e multifacetado. É preciso cautela para evitar a repetição de erros cometidos em outros países e, ao mesmo tempo, coragem para romper com o paradigma proibicionista que há décadas alimenta a violência, o preconceito e a desinformação.

Que o Brasil, reconhecendo a importância do debate público qualificado e da construção de um modelo regulatório pautado na ciência, na ética e na justiça social, possa trilhar um caminho seguro e responsável rumo a um futuro em que a cannabis, planta ancestral de múltiplas potencialidades, ocupe o seu devido lugar na sociedade. Um lugar de cura, bem-estar e respeito.

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Maria Klien
Psicóloga, empresária no campo da cannabis medicinal. Formada em terapia assistida. Especializada em transtornos de ansiedade e medo. Foto: Arquivo pessoal
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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