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Opinião | A maconha e o STF

Pretender quantificar a droga apreendida para diferenciar o traficante do mero usuário será legalizar o que o traficante já normalmente o faz. Certamente, haverá enormidade de traficantes trazendo consigo pequena quantidade de maconha para se passar por usuário

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convidado
Por César Dario Mariano da Silva
Atualização:

Fico atônito quando vejo curiosos ou teóricos discursando como doutores em tráfico de drogas e como a descriminalização da posse de entorpecentes para uso pessoal seria boa para o combate ao crime.

A maconha atualmente não é a droga preferida do crime organizado, talvez porque seja mais barata. O crime organizado prefere vender cocaína e seu subproduto, o crack, que, embora seja relativamente barato, tal como a maconha, vicia em pouquíssimo tempo e é muito mais usado pelo dependente. Normalmente, a maconha é apreendida juntamente com outras drogas. Excepcionalmente, prende-se o traficante comercializando apenas a maconha.

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Claro que o comércio ilegal da maconha existe e é rentável para a criminalidade organizada. No entanto, liberando o porte para o uso próprio de nada afetará as facções criminosas, que continuarão a vendê-la e a outras espécies de drogas. Mesmo que a maconha seja vendida comercialmente, ainda assim haverá seu tráfico, posto que, por não pagarem impostos e não se submeterem a controle, os traficantes a venderão por menor preço.

O que vai ocorrer é mais pessoas viciadas e, certamente, aumentarão os usuários de outras drogas mais potentes, vez que, em regra, a primeira droga usada pelo viciado é a maconha, que “progride” para outras, como cocaína, crack e metanfetaminas.

Hodiernamente, o traficante dificilmente é flagrado com grande ou média quantidade de droga. O usual é ele trazer consigo pequena quantidade e mantém em depósito a quantidade maior em algum local escondido. E assim age para, no caso de ser preso, dizer que a droga apreendida era para seu próprio consumo e para não perder a mercadoria.

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Pretender quantificar a droga apreendida para diferenciar o traficante do mero usuário será legalizar o que o traficante já normalmente o faz. Certamente, haverá enormidade de traficantes trazendo consigo pequena quantidade de maconha para se passar por usuário.

E tenho a plena certeza de que os advogados pedirão para essa quantidade de maconha ser aplicada analogicamente a outras espécies de drogas. E temo que os Tribunais Superiores assim entendam, o que apenas aumentará o desastre já instalado com a legalização do porte para o consumo pessoal da maconha.

Antevejo o pior com a liberação da maconha para uso recreativo e já cansei de escrever e falar sobre isso.

E mesmo que a conduta de portar droga passe a ser considerada infração administrativa ou sui generis, deixando de ser crime, ainda assim haverá um sério entrave constitucional para que o usuário ou dependente de droga seja punido. Isso porque o art. 144 da Constituição Federal atribui às polícias (federal, civil e militar) o combate a infrações penais e não a outras espécies de ilícitos. Não nos parece constitucional seu emprego para apreender usuários e viciados se o porte de maconha para consumo pessoal e seu cultivo não mais forem considerados infração penal.

Mera punição administrativa não elidirá o uso da maconha, mormente pelos mais jovens ou consumidores de primeira viagem, que saberão que, se um dia forem sancionados, nada de mais grave advirá, provavelmente a determinação de frequência a cursos sobre o malefício das drogas, uma mera advertência ou a imposição de multa, que a pagará quem puder, sanções essas equivalentes a um nada para efeito de prevenção e repressão ao uso indevido de drogas, ocorrendo, na prática, o liberou geral para o consumo da maconha, o que os traficantes saberão muito bem explorar.

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Diante da concreta possibilidade de o Supremo Tribunal Federal julgar inconstitucional a criminalização da posse e do porte de drogas para consumo pessoal de forma ilícita, no caso a maconha, bem como o cultivo de plantas para a produção dela com o mesmo fim, o Senador Rodrigo Pacheco, em boa hora e de forma lúcida e sensata, apresentou proposta de emenda constitucional inserindo no artigo 5º da Carta Magna o direito fundamental de ficar nosso país livre das drogas, tanto a nível do uso quanto do seu comércio ilícito. Diz a proposta:

“Art. 1º O caput do art. 5º da Constituição Federal passa a viger acrescido do seguinte inciso LXXX:

Art. 5º ...................................................................

.................................................................................

LXXX – a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.[1]

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Aliás, para deixar bem claro o que pensa a sociedade brasileira, a maior interessada, poderia ser realizado plebiscito, aproveitando as eleições municipais. Tenho certeza de que a imensa maioria da população seria frontalmente contra essa barbaridade que o Supremo Tribunal Federal almeja fazer.

Às vezes penso que existe uma casta de pessoas que vive em outro país por desconhecer a realidade nacional, aquela vivenciada pela população comum, que sai às ruas diariamente sem nenhum tipo de segurança armada e conhece perfeitamente o que acontece em sua cidade.

Dizer que a repressão ao comércio ilícito de drogas da forma como é feita não está surtindo efeito e, por isso, melhor legalizar seu porte para consumo pessoal, que teria efeito na contenção do tráfico, é medida que não deu certo em diversos países, dentre eles o Uruguai, com aspectos sociais muito parecidos com o nosso. Lá, além de ter aumentado o número de dependentes e viciados, os crimes ligados diretamente à traficância também foram incrementados, como o homicídio.

Até mesmo Estados norte-americanos estão sentindo de perto o malefício da liberação da maconha para uso recreativo, bastando atentar para o que ocorre na Califórnia em que há uma legião de viciados perambulando pelas ruas de várias das grandes cidades. Há, aliás, cidades que cheiram à maconha, sendo o maior exemplo São Francisco.

Será que é isto que a sociedade brasileira quer? Posso assegurar que não, vez que dificilmente há uma família no Brasil que não tenha um parente ou mesmo um amigo próximo que não passe pela agrura de ter um filho, irmão, marido, esposa, primo ou tio usuário ou, pior, viciado neste produto maléfico, que destrói famílias e corrói a sociedade.

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Novamente vemos o STF se arvorando em legislador e imiscuindo-se em função que não é sua. Já existe legislação que criminaliza o porte de drogas para uso pessoal e traz os critérios para diferenciar o usuário do traficante. O ativismo judicial ofende flagrantemente o princípio da separação dos Poderes e cria crises institucionais. O foro adequado para essa discussão é o Parlamento, composto por pessoas eleitas pelo povo para representá-las. Não foi dado o poder a 11 pessoas para decidirem o que é melhor ou pior para a população, não sendo essa uma de suas funções, haja vista não terem sido eleitas, mas nomeadas pelo Presidente da República, normalmente de forma ideológica e política.

Esse debate é muito profundo e a questão não pode ser resolvida em uma canetada e, ainda, por uma Corte dividida, de acordo com os votos já proferidos, restando os de dois Ministros, que serão os responsáveis por decidir o que deveria ser feito pelos parlamentares, representantes do povo, após amplo debate, e não pelo Poder Judiciário, cuja função nem de longe é a de revogar ou alterar dispositivo da Lei de Drogas, que está em vigor há cerca de 20 anos e regula essa questão de forma satisfatória.

Espero que os dois últimos ministros a votarem sejam eminentemente técnicos e reflitam sobre o que poderá ocorrer com a descriminalização do porte da maconha para consumo pessoal e o cultivo de plantas para a produção dela com o mesmo fim, lembrando que essa decisão atingirá a milhões de brasileiros, dentre os quais milhares ou até mesmo milhões sofrem as consequências da dependência do uso de drogas ou têm pessoas próximas que passam por esse problema que é mundial e que não foi resolvido com a descriminalização, pelo contrário, bastando ver o que ocorre em alguns países, inclusive mais desenvolvidos social e culturalmente do que o Brasil.

[1] Sobre este tema escrevi artigo para a OrbisNews, no dia 27.11.2023. Segue o link: https://orbisnews.com.br/a-criminalizacao-da-posse-e-do-porte-de-drogas-como-direito-fundamental-por-cesar-dario/

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César Dario Mariano da Silvasaiba mais

César Dario Mariano da Silva
Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá. Foto: Arquivo pessoal
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