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Opinião|A mão pesada da Justiça, os aposentados e a Revisão da Vida Toda

A reversão da decisão vai além das consequências econômicas e sociais. Estamos tratando de idosos – grupo hipossuficiente e vulnerável – que foram lesados pela conduta da autarquia que suprimiu um direito legítimo e que, diariamente, rezam pela sobrevivência do próximo mês, agravando os resultados da manobra realizada e ameaçando a dignidade e o bem-estar de diversos lares

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convidado
Por João Badari

Nos últimos anos, milhares de aposentados brasileiros vêm sofrendo com a mão pesada da Justiça brasileira. O caso emblemático da Revisão da Vida Toda demonstra que números e os cofres públicos são muito mais importantes do que a sobrevivência de famílias e idosos com doenças graves. E vale frisar aqui que não se trata de uma vitimização dos segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mas sim um direito garantido pela legislação e que foi de forma, surpreendente, negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em março deste ano, após uma reviravolta jamais vista nas Cortes brasileiras.

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A reviravolta na tese da Revisão da Vida Toda (Tema 1.102/STF) – em trâmite sob a sistemática da Repercussão Geral – provocada em controle concentrado (ADIs 2.110 e 2.111) é um episódio que marca um significativo retrocesso nos Direitos Sociais do Brasil.

E, vale destacar, que menosprezar ou subestimar Direitos Sociais abre precedentes corrosivos que abalam a estrutura jurídica do país.

Em breve síntese, a Suprema Corte, através das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2.110 e 2.111, (re)julgou novamente o mérito do Tema 1.102. Traduzindo em miúdos: aquilo que antes era uma vitória importante para os aposentados se esvaiu em um estalar de dedos, retirando-lhes a possibilidade de recalcular os seus benefícios com base em todas as contribuições feitas ao longo da vida laboral.

O Tema 1.102, amparado até pelo Tema 334 da própria Corte, havia sido uma conquista histórica para os aposentados, porquanto lhes permitiam a utilização das contribuições anteriores a julho de 1994 no cálculo de seus benefícios apenas se o resultado fosse mais vantajoso do que a aplicação da regra definitiva, afinal, a finalidade das regras de transição é amenizar o impacto de uma nova regra – ou seja, não se admite prejudicar integralmente os segurados, tal como ocorreu com uma pequena parcela.

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A tese admitiria um pequeno reparo pela incongruência estatal, possibilitando pequena majoração em seus benefícios. Portanto, há um conjunto impressionante de razões jurídicas consistentes que sustentam a constitucionalidade das regras discutidas e, não à toa, em Plenário Virtual já se formou maioria pela constitucionalidade de tais regras, sem qualquer exceção.

E , por esse motivo, a nova visão causa espanto na comunidade jurídica, porquanto sempre houve, por parte dos Tribunais (em especial, STJ e STF), a defesa dos Direitos Sociais e as classes mais vulneráveis. Incontáveis julgados poderiam ser citados apenas para reforçarmos a ideia de que o direito ao melhor benefício é um corolário do direito adquirido.

Ao tornar obrigatória a aplicação de uma regra de transição menos vantajosa a uma pequena parcela de segurados, estaria a mais elevada Corte, em controle concentrado, violando os seus inúmeros precedentes consolidados durante décadas, configurando verdadeiro retrocesso social que vai de encontro ao que define a própria Constituição Federal. Em suma, seria uma chancela estatal de que o segurado vai contribuir e não vai receber o que lhe é justo ao final da vida e, inclusive, esta é uma questão intrigante: por qual razão o Plenário faria isso com os aposentados? Por que ir contra seus próprios precedentes, contra a segurança jurídica e contra a dignidade da pessoa humana ? Qual o sentido de atentar contra um direito conferido pelo Legislativo, assegurado pelo próprio Superior Tribunal de Justiça (Tema 999) e pelo próprio Supremo Tribunal Federal no Tema 1.102?

É inquestionável que se trata de um direito legítimo e tal prática lançou uma sombra sobre a segurança jurídica no país. Hoje 102.791 aposentados aguardam o desfecho do processo e, agora, aguardam uma decisão da Corte para que os seus direitos pleiteados antes de 21.03.2024 (data de julgamento das ADIs) sejam assegurados em respeito ao princípio da Colegialidade e segurança jurídica. Os aposentados que ingressaram com a ação buscam apenas que a Corte siga seu precedente.

A reversão da decisão vai além das consequências econômicas e sociais. Estamos tratando de idosos – grupo hipossuficiente e vulnerável – que foram lesados pela conduta da autarquia que suprimiu um direito legítimo e que, diariamente, rezam pela sobrevivência do próximo mês, agravando os resultados da manobra realizada e ameaçando a dignidade e o bem-estar de diversos lares.

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Importante ressaltar que uma pequena minoria dos 102 mil aposentados que ingressaram na Justiça conseguiriam usufruir da revisão, pois a maioria já se prejudicou em virtude da decadência da ação, além de muitos outros já terem falecido.

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Cabe frisar que a maioria dos processos em trâmite possuem como objeto uma aposentadoria no valor de um salário mínimo e o aumento oriundo da tese apenas majora o referido benefício em R$ 100,00 mensais. Não se trata de pouco. Para estes aposentados significa mais algumas sacolas de supermercados, um pouco mais pesadas, ou, talvez, mais alguns medicamentos em determinados tratamentos.

Portanto, a Revisão da Vida Toda significa uma vida mais digna para, aproximadamente, 102 mil brasileiros. E a sua reversão representa uma derrota para os aposentados brasileiros e para a Justiça Social, deixando claro que a luta pelos direitos dos segurados não pode ser considerada ganha, mesmo após uma vitória no Judiciário. E, o novo caminho do STF retira a chance de melhorar a vida destes aposentados e enfraquece ainda mais a confiabilidade no Poder Judiciário e no Estado de Direito. Quando direitos conquistados são abruptamente retirados, sem uma justificativa coerente e desconsiderando o impacto social, a percepção de justiça é maculada.

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João Badari
Advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados. Foto: Arquivo pessoal
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