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Opinião | A mentira, sempre entre nós

O conferencista de 22 de janeiro de 1910 dissertou longamente sobre o engodo patrocinado pelo apego exagerado por tudo o que é estrangeiro, enquanto já se robustecia o que hoje se conhece como “complexo de vira-lata”

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convidado
Por José Renato Nalini

Por que o tema fake news causa tanto alvoroço? Não esteve por acaso a mentira sempre entre nós? Conforme a tradição cristã, o primeiro casal não começou por mentir ao Criador?

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O médico José Joaquim de Carvalho, carioca fundador da Academia Paulista de Letras, em 1909, e que também pertenceu às Academias Mineira, Fluminense e Rio Grandense, proferiu palestra a convite do vigário de Campinas, Monsenhor Francisco de Campos Barreto, que depois se tornou Bispo de Pelotas e, em seguida, comandou a diocese de Campinas, por ocasião do quinto aniversário da União Santo Agostinho. Sob o título “A Ciência e a Fé no Modernismo”, começou por falar sobre a mentira.

“Quem busca a fortaleza na mentira, nutre-se de ventos, e torna-se comparável aos que correm no encalço das aves que voam”. É o que extraiu do Capítulo X dos Provérbios de Salomão. E indagava: “Por que nos havemos de estribar nas mentiras que a perversidade procura semear, por mais edulcoradas que elas sejam, muito ridentes embora suas aparências?”.

E continua: “Por que havemos de dar perigosa acolhença ao erro, ao embuste, que paralisa o espírito, que nos envenena a alma, que nos anquilosa o sentimento, se a verdade é tão bela nos seus frutos, tão promissora, tão dadivosa e tão edificante?”.

Para abordar a verdade, J.J. de Carvalho recorre à exaltação dos brasileiros por tudo o que é estrangeiro. Comenta a emoção de que havíamos sido tomados, quando a Espanha resolveu executar um agitador. Muitos discursos propunham que o Brasil eternizasse o nome do justiçado, em ruas e logradouros públicos.

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Depois invoca as várias visitas do Professor Enrico Ferri, “professor de criminologia, discípulo e continuador de Lombroso”, um cientista e tribuno que “nada nos trouxe de novo; nada, absolutamente nada nos disse que não conhecêssemos em seus livros, nos de seu mestre, e que ele próprio já não nos houvesse declamado em suas conferências, proferidas nas Repúblicas platinas, no Rio de Janeiro, em São Paulo, sempre as mesmas por todos os lugares, dependentes tão só da escolha do empresário que o contrata”.

Aplaudido e louvado, Ferri teria investido contra a religião católica. Assim como lamentável a “torpe selvageria” praticada no Rio, quando marinheiros de cruzador português atacaram sacerdotes brasileiros que acompanhavam o bispo de Ribeirão Preto, ex-Senador da República. Não faz sentido que esses mesmos marujos tenham sido recebidos com galas e banquetes por autoridades brasileiras.

O conferencista de 22 de janeiro de 1910 dissertou longamente sobre o engodo patrocinado pelo apego exagerado por tudo o que é estrangeiro, enquanto já se robustecia o que hoje se conhece como “complexo de vira-lata”.

Combate a tendência modernista falsificadora da ciência e inimiga da fé, que propalava ser o catolicismo uma mentira e que a religião “é a tirania exercida contra a marcha ascendente do espírito humano e da liberdade das consciências”.

Chega, assim, a abominar a mentira: “Isso é que é a mentira desbragada, a falsidade perversa!”. A verdade está nos Evangelhos. Fora disso, o restante é miragem. A receita é conservar “a razão francamente aberta para o salutar influxo das crenças puras e o espírito perpetuamente iluminado pela Fé!”.

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Culminou por exaltar Santo Agostinho, filósofo que é estudado em todo o planeta, independentemente de ter galgado os altares da Igreja Católica Apostólica Romana, que o considera um “Doutor”. “Em Santo Agostinho, vosso inspiradíssimo patrono, que nos legou “A Cidade de Deus”, as “Confissões” e cujas muitas obras constituem quiçá o mais fecundo Curso de Teologia, nele, vos digo, tendes um inexcedível paradigma. Inspirai-vos em seus escritos, que aí achareis o caminho da Verdade; e eu vos desejo todas as venturas com Cristo”.

Será que ainda existe a União de Santo Agostinho em nossa gloriosa e pujante Campinas?

Convidado deste artigo

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Werther Santana/Estadão
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