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Opinião | A morte do bruxo

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convidado
Por José Renato Nalini

É usual chamar-se Machado de Assis de “o bruxo do Cosme Velho”. Bruxo, no sentido de encantamento, de magia, do mistério com que entretecia seus enredos, fazendo maravilhas na mente dos leitores.

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Machado foi extremamente cioso de suas responsabilidades como Presidente da Academia Brasileira de Letras. Durante todo o dia encaminhava bilhetes para o Secretário Rodrigo Octávio. Este descreve: “E era tal a dedicação de Machado pela Academia que tudo fazia por ela; até escreveu notícias para os jornais. Um desses escritos, deixado num cartão de visita, com data de 22 de junho de 1900, reza assim: ‘Não pude vê-lo ontem para falar-lhe de uma sessão da Academia, que convém fazer amanhã, sábado, às 3 horas, na “Revista”. Vou mandar notícia para os jornais”.

Quem conviveu na intimidade de Machado testemunhou ser ele “uma criatura do mais agradável trato. Apesar da proeminência a que atingiu, pontífice de nossas letras, jamais perdeu a atitude modesta, humilde mesmo, com que se apresentava. Não falava muito, talvez devido a uma pequena gagueira que o afligia e que ele procurava dissimular; mas conversava, na roda de amigos, com vivacidade e espírito”.

Diz a lenda que ao tomar conhecimento de que Cardoso de Menezes iria receber o título de Barão de Paranapiacaba, foi contar a Ferreira de Araújo. Então se travou o diálogo que segue: - Sabe, o nosso João Cardoso vai ser feito barão. – Barão? De que? – De Pará...Paraná...Pa – paraná – Paranapi...- Acaba, homem! – Acertaste! É isso mesmo... Paranapiacaba.

Modéstia a sua estirpe, foi sineiro na Igreja de São Francisco de Paula. Depois tipógrafo em jornais. Ascendeu a revisor de provas, passou à redação, atingiu ao principado das letras. Nunca aspirou nada material. Pequeno funcionário da antiga Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, nunca viajou. Sua primeira e única excursão, já idoso, foi a Teresópolis, onde passou uma semana na chácara de um amigo.

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Machado não tinha saúde. Sofria de ataques que o prostravam. Nunca se deitou por estar enfermo. Só o fez para morrer. Não foi no quarto de dormir, no segundo pavimento de sua casa. Mas num pequeno cômodo que dava para a sala de jantar. Não lhe faltaram cuidados. Só possuía uma sobrinha, casada com um oficial do Exército. Mas contou com o conforto constante de amigos. A casa esteve sempre cheia de senhoras, antigas moradoras nas vizinhanças, que se revezaram na dispensa dos mais carinhosos cuidados que seu estado exigia.

Morreu perfeitamente lúcido. Homem essencialmente bom, Machado se afligia do incômodo que sua demorada agonia ocasionava aos amigos. Olhava a todos compungido. Dominava as dores que sofria, para os não afligir ainda mais. Quando podia articular algumas palavras, era para pedir desculpas pela demora que estava tendo naquele fim.

Euclides da Cunha foi testemunha do momento final. Escreveu a respeito: “ouviram-se umas tímidas pancadas na porta principal da entrada. Abriram-na. Apareceu um desconhecido, um adolescente de 16 a 18 anos, no máximo. Perguntaram-lhe o nome, declarara ser desnecessário dizê-lo: ninguém ali o conhecia. Não conhecia, por sua vez, ninguém. Não conhecia o próprio dono da casa, a não ser pela leitura dos livros que o encantavam. Por isto, ao ler nos jornais da tarde que o escritor se achava em estado gravíssimo, quis visita-lo. E o anônimo juvenil, vindo da noite, foi conduzido ao quarto do doente. Chegou. Não disse uma palavra. Ajoelhou-se. Tomou a mão do Mestre: beijou-a num gesto de carinho filial. Aconchegou-a depois por momentos ao peito. Levantou-se e, sem dizer palavra, saiu”.

Pouco depois da morte, que ocorreu às três e meia da tarde, uma tarde luminosa, Rodolfo Bernardelli moldou-lhe o rosto em gesso. A máscara não apareceu mais. Só em 1934, quando foi depredado o atelier de Rodolfo, sua máscara foi enviada ao Instituto Histórico.

Ruy Barbosa, que assumiu por morte de Machado a presidência da Academia, retratou-o: “o clássico da língua; o mestre da frase; o árbitro das letras; o filósofo do romance; o mágico do conto; o joalheiro do verso; o exemplar, sem rival entre os contemporâneos, da elegância e da graça, do aticismo e da singeleza no conceber e no dizer; o que soube viver intensamente da arte, sem deixar de ser bom”.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo de Mudanças Climáticas de São Paulo
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