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Opinião|A nova fronteira fiscal: como a maconha pode aliviar a crise econômica do Brasil

A legalização e regulamentação da maconha no Brasil poderia representar uma oportunidade de aumentar a arrecadação de impostos e regular um mercado atualmente dominado por atividades ilícitas. Ao direcionar os recursos gerados para a saúde pública e outros programas sociais, o governo poderia aliviar a pressão fiscal e cumprir promessas de manutenção de políticas sociais e econômicas

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Por João Pedro Tavares e Júlia Sevenini

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema nº 506, que por maioria decidiu que o porte de maconha para uso pessoal não é crime, marca um passo importante na direção da descriminalização da droga no Brasil. Embora essa decisão não signifique a legalização da maconha, ela reflete uma tendência global de flexibilização e sugere a necessidade de discutir a regulação e tributação dessa substância de forma mais ampla e detalhada.

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O Brasil enfrenta um cenário econômico desafiador, com o Poder Executivo buscando aumentar a arrecadação para financiar os altos custos da atual máquina pública. Diversas Medidas Provisórias (MPs) e atos administrativos têm sido editados, criando novas limitações e obrigações acessórias para diferentes setores da economia. No entanto, essas medidas têm gerado resistência por parte dos setores afetados e da população, que pressionam os outros poderes a derrubar essas propostas. Nesse contexto, surge a discussão sobre a legalização da maconha como uma possível alternativa para incrementar a arrecadação de maneira direta e eficaz.

A legalização da maconha poderia criar um mercado legal que seria objeto de tributação, gerando receitas significativas atualmente perdidas para o mercado ilegal. A evasão de valores decorrente da comercialização ilegal da maconha, que não são levados à tributação, representa uma perda substancial de receitas fiscais. O princípio de “pecunia non olet” (o dinheiro não tem cheiro) destaca a importância de arrecadar impostos independentemente da origem, desde que sejam utilizados para o bem comum.

A experiência internacional mostra que a legalização da maconha pode trazer benefícios econômicos significativos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a legalização em estados como Colorado e Califórnia tem gerado receitas fiscais consideráveis. Em 2022, os impostos sobre a maconha nos Estados Unidos já somavam pelo menos US$ 3 bilhões anuais. Além disso, a legalização tem estimulado o crescimento econômico através da criação de empregos e do aumento do turismo. O “excise tax”, imposto especial sobre o consumo com natureza regulamentar aplicado sobre a maconha nos Estados Unidos, similar ao imposto seletivo no Brasil, foi criado com o propósito de compensar os efeitos do uso da substância e desestimular seu consumo, devido ao seu caráter extrafiscal.

Em paralelo, na Itália, a legalização da maconha para fins medicinais e recreativos tem sido implementada de forma gradual, com sucesso. A Polônia, por sua vez, adotou um modelo de legalização que combina regulação estrita com incentivo ao uso medicinal, gerando receitas fiscais e promovendo a saúde pública. Esses exemplos indicam que, se bem implementada, a legalização pode ser uma medida eficaz para regular o mercado e aumentar a arrecadação.

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Economistas apontam que a legalização da maconha no Brasil poderia gerar receitas fiscais significativas. Estima-se que a legalização da maconha poderia render até R$ 13 bilhões anuais em impostos. Esses valores poderiam ser ainda maiores se considerarmos a possibilidade de exportação de produtos derivados da maconha e o fomento ao turismo.

Os impostos que poderiam incidir sobre a comercialização legal da maconha incluem o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Com a reforma tributária em andamento, novos impostos como a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) também poderiam ser aplicáveis.

Diante desse contexto, também poderia incidir o imposto seletivo, conhecido como imposto do “pecado”, que possui uma função extrafiscal similar à do “futuro finado” IPI. Este imposto é destinado a incidir sobre produtos específicos que geram externalidades negativas, como bebidas alcoólicas, tabaco e, potencialmente, maconha. A aplicação de alíquotas diferenciadas, como ocorre com o cigarro, visa desestimular o consumo desses produtos, ao mesmo tempo em que gera receitas adicionais para o governo.

A proposta de incluir a maconha sob a alçada do imposto seletivo alinha-se com a recente aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal de um projeto que libera os jogos de azar no Brasil, incluindo bingo, jogo do bicho e cassinos. Nesse sentido, o presidente Lula afirmou que, se o Congresso aprovar o projeto, ele sancionará a proposta, juntamente com a já pensada tributação com o imposto seletivo. Este paralelo ilustra como o governo pode utilizar a tributação de atividades controversas para aumentar a arrecadação, ao mesmo tempo em que busca regular e mitigar os impactos negativos associados a essas atividades.

Além da arrecadação fiscal, a regulamentação do mercado de maconha permitiria ao governo controlar a qualidade dos produtos e proteger a saúde dos consumidores. Isso é particularmente relevante em um contexto em que o consumo de drogas é uma questão de saúde pública. A legalização também poderia reduzir a carga sobre o sistema de justiça criminal, permitindo que recursos atualmente gastos em processos e encarceramento de pequenos infratores sejam redirecionados para outras áreas, como educação e saúde.

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A regulamentação do mercado de maconha poderia incluir campanhas de conscientização sobre o uso responsável e programas de prevenção de dependência, contribuindo para a redução dos danos à saúde associados ao consumo de drogas. Os recursos gerados pela tributação poderiam ser direcionados ao financiamento de tratamentos de saúde e ao Sistema Único de Saúde (SUS). A aplicação da alíquota do IPI e a seletividade da alíquota de outros impostos, como ocorre com o cigarro, seriam maiores devido ao seu caráter extrafiscal, como também deverá ocorrer com o novo Imposto Seletivo introduzido pela reforma.

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A implementação da legalização da maconha no Brasil enfrentaria desafios significativos, incluindo a resistência cultural e política, além da necessidade de criar um marco regulatório robusto. No entanto, os benefícios econômicos e sociais potenciais tornam essa iniciativa uma oportunidade que merece consideração séria. A legalização e regulamentação da maconha no Brasil poderia representar uma oportunidade de aumentar a arrecadação de impostos e regular um mercado atualmente dominado por atividades ilícitas. Ao direcionar os recursos gerados para a saúde pública e outros programas sociais, o governo poderia aliviar a pressão fiscal e cumprir suas promessas de manutenção de políticas sociais e econômicas.

Diante do recente entendimento do STF, da experiência internacional e do exemplo dos jogos de apostas, a legalização da maconha pode ser considerada uma possível saída para o governo enfrentar os desafios econômicos e fiscais. A chave para o sucesso dessa iniciativa reside na implementação cuidadosa de um sistema de regulação e tributação eficiente, que maximize os benefícios econômicos e minimize os impactos sociais negativos.

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Advogado do Daudt Castro e Gallotti Olinto Advogados. Foto: Arquivo pessoal
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