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Opinião|A promessa quebrada: por que precisamos rever a idade mínima para aposentadoria no Brasil?

A reforma corroeu os próprios princípios de justiça social que sustentam o sistema previdenciário. Ela criou, na prática, um sistema de dois níveis, em que aqueles que podem se dar ao luxo de poupar para a aposentadoria desfrutam de maior segurança, enquanto aqueles que dependem do sistema previdenciário enfrentam um futuro sombrio

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convidado
Por Carla Benedetti

Como doutoranda em direito, dedico meus estudos à compreensão dos sistemas de seguridade social e ao impacto de reformas legais na vida das pessoas. Minha pesquisa me levou a uma conclusão clara: as recentes mudanças na idade mínima para aposentadoria no Brasil, implementadas pela Reforma da Previdência de 2019, representam uma promessa quebrada para a classe trabalhadora e ameaçam o próprio tecido da nossa rede de proteção social.

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O argumento para aumentar a idade mínima para aposentadoria geralmente se baseia na alegação de que isso é necessário para garantir a sustentabilidade de longo prazo do sistema previdenciário. Embora reconheça a importância da responsabilidade fiscal, discordo veementemente da ideia de que sobrecarregar a classe trabalhadora com um período mais longo de trabalho seja a única solução.

Essa reforma infligiu um sofrimento imenso a milhões de brasileiros, forçando muitos a trabalhar além de sua capacidade física, atrasando sua aposentadoria merecida e minando sua dignidade. Os impactos são abrangentes, indo além dos indivíduos para englobar todo o tecido social. Por isso, acredito que precisamos de uma mudança radical na nossa abordagem em relação à idade de aposentadoria por diversos motivos:

Em primeiro lugar, a reforma exacerbou o problema já existente do preconceito etário no mercado de trabalho brasileiro. Trabalhadores mais velhos são frequentemente vistos como menos produtivos e mais caros, tornando-os vulneráveis à discriminação e à perda de emprego. Isso, por sua vez, cria um ciclo vicioso, impedindo que os indivíduos atinjam a idade de aposentadoria que lhes foi prometida e sobrecarregando ainda mais o sistema previdenciário. Números do Idados de 2022, empresa de consultoria sobre oportunidades de trabalho, mostram que cerca 880 mil pessoas com mais de 50 anos perderam o emprego nos últimos dez anos.

Dados do IBGE de 2015 apontam que 0,3% da população acima dos 65 anos está ainda no mercado de trabalho, porém com a imposição da idade mínima, é muito provável que esta população, que ainda precisa trabalhar em vista de contemplar os gastos de vida próprio e de sua família, acabará em algum momento sem emprego, pela capacidade de absorção do mercado, e pontos de preconceito abordados acima, e também sem aposentadoria.

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Além disso, forçar as pessoas a trabalhar por mais tempo, muitas vezes em empregos fisicamente desgastantes, tem um impacto negativo em sua saúde física e mental. Isso pode levar a um aumento dos custos de saúde e a uma queda no bem-estar geral, sobrecarregando ainda mais o sistema previdenciário e as próprias pessoas.

Ou seja, no fim a reforma corroeu os próprios princípios de justiça social que sustentam o sistema previdenciário. Ela criou, na prática, um sistema de dois níveis, em que aqueles que podem se dar ao luxo de poupar para a aposentadoria desfrutam de maior segurança, enquanto aqueles que dependem do sistema previdenciário enfrentam um futuro sombrio.

Em vez de simplesmente nos concentrarmos em aumentar a idade de aposentadoria, precisamos de uma abordagem abrangente que aborde as causas profundas do déficit previdenciário, como a sonegação de impostos e a economia informal.

Precisamos reconhecer que o sistema atual é insustentável e injusto, e por isso, focarmos de fato em buscar uma solução concreta, ou seja, uma reforma que priorize a dignidade do trabalho, promova a justiça social e garanta uma aposentadoria segura e digna para todos os brasileiros. Isso exige uma reavaliação crítica da reforma de 2019 e um compromisso com o desenvolvimento de um sistema previdenciário mais equitativo e sustentável para o futuro.

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Carla Benedetti
Sócia da Benedetti Advocacia; mestre em Direito Previdenciário pela PUC/SP; doutoranda em Direito Constitucional também pela PUC/SP; membro da Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina–PR; associada ao IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário); e coordenadora de pós-graduação em Direito Previdenciário. Foto: Arquivo pessoal
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