A sucessão patrimonial tem sido um dos temas centrais de debate na legislação brasileira, especialmente quando se considera a posição do cônjuge e do companheiro(a) na ordem sucessória. Em busca de maior flexibilidade no direito de dispor do patrimônio, bem como de um tratamento mais igualitário entre cônjuges, companheiros(as) e outras figuras familiares, a comissão de juristas responsável pelo anteprojeto de alteração do Código Civil propôs mudanças significativas. Essas modificações visam transformar o cônjuge e o companheiro(a) em herdeiros não necessários, excluindo-os da concorrência com descendentes e ascendentes na sucessão.
O Código Civil Brasileiro de 2002, em vigor atualmente, atribui ao cônjuge e ao companheiro(a) sobrevivente a condição de *herdeiro necessário, ao lado de descendentes e ascendentes. Em termos práticos, por exemplo, no regime da **comunhão parcial de bens, o cônjuge ou companheiro(a) terá direito à meação dos bens comuns adquiridos durante o relacionamento. Entretanto, no que tange aos bens **particulares*, a herança será compartilhada entre o cônjuge e os descendentes ou ascendentes, dependendo da presença desses herdeiros.
As críticas ao protagonismo sucessório do cônjuge vêm de longe. Para José de Oliveira Ascensão, “esse grande reforço da posição sucessória do cônjuge surge paradoxalmente ao mesmo tempo que se torna o vínculo conjugal cada vez mais facilmente dissolúvel. A posição do cônjuge é concebida como uma posição mutável, mesmo precária. Aquele, porém, que teve a sorte de ocupar posição de cônjuge na altura da morte, esse é que vai ter uma muito privilegiada proteção sucessória. Suceder como cônjuge entra na aleatoriedade. Por outras palavras, a lei só se preocupa em favorecer o vínculo conjugal depois de ele estar dissolvido. Ironicamente, dizemos que a lei tende a conceber o casamento como um instituto mortis causa”. (Direito civil - sucessões. 5. ed. rev. Coimbra Editora, p. 343).
O anteprojeto de alteração do Código Civil, atualmente em discussão, propõe mudanças substanciais na posição do cônjuge e do companheiro(a) em relação à herança. A principal modificação é a *exclusão do cônjuge e do companheiro(a) da classe dos herdeiros necessários*, o que implica sua exclusão da concorrência com descendentes e ascendentes.
Se o anteprojeto for aprovado, a exclusão do cônjuge ou companheiro da concorrência com descendentes e ascendentes trará consequências diretas para a sucessão patrimonial. Em termos práticos, isso significaria que, no caso de falecimento de um dos cônjuges ou companheiros, a herança será dividida entre os *descendentes* (filhos, netos etc.) e, na ausência destes, entre os *ascendentes* (pais, avós etc.), somente nas ausências destes, que o cônjuge ou companheiro herdaria.
A proposta de alteração do Código Civil Brasileiro busca modernizar e flexibilizar o tratamento sucessório, refletindo mudanças sociais e as novas configurações familiares. A exclusão do cônjuge ou companheiro da classe dos herdeiros necessários, bem como sua não concorrência com os descendentes e ascendentes em relação aos bens particulares, representa uma mudança substancial, ampliando a autonomia do testador e possibilitando maior liberdade para a gestão e disposição do patrimônio. No entanto, é importante que o novo regime considere as diversas realidades familiares, protegendo também o cônjuge sobrevivente em situações de necessidade, para evitar injustiças ou desamparo em casos de falecimento.
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