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Opinião|A proteção da atividade jornalística pelo STF

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Por Pedro Estevam Alves Pinto Serrano e Anderson Medeiros Bonfim

Analisando o precedente “Brandenburg v. Ohio, 395 US 444 (1969)”, da Suprema Corte Norte-Americana, Cass R. Sunstein, na obra “Why societies need dissent?”, destacou que a liberdade de expressão está diretamente relacionada à própria ideia de democracia e que a proteção dos chamados dissidentes não visa somente proteger individualmente as pessoas que professam determinadas ideias, mas também as inúmeras pessoas que se beneficiam da coragem ou da temeridade daqueles que discordam.

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Referida produção teórica e o precedente por ela referenciado tendem a levar à percepção de que os Estados Unidos são palco de expressão máxima da tutela da atividade jornalística, bem como dos direitos fundamentais à livre expressão e manifestação do pensamento. Entretanto, é preciso refutar o senso comum de que a tutela jurídica norte-americana da liberdade de expressão é mais abrangente que a nossa.

Destaque-se, por exemplo, a possibilidade de que um juiz norte-americano possa determinar a prisão, por até 18 meses, de um jornalista que venha a, supostamente, atingir a dignidade da jurisdição, por exemplo, negando o fornecimento dos dados da pessoa que lhe serviu como fonte. O relatório do “Reporters Committee for Freedom of the Press” apresenta uma preocupante lista de jornalistas presos com base nesse enquadramento.

Ademais, nos Estados Unidos há uma maior facilidade em reconhecer os direitos dos dissidentes de extrema direita, ao passo que a relação com os dissidentes do campo progressista é marcada por maior rigor no reconhecimento das liberdades de expressão e de manifestação do pensamento. É o que se constata, em especial, do caso Julian Assange, o fundador do WikiLeaks acusado de espionagem por divulgar informações sigilosas.

Há, no Brasil, maior proteção jurídica ao jornalismo crítico e investigativo em relação à jurisdição do que lá. Por exemplo, a inviolabilidade do sigilo da fonte é, entre nós, uma garantia que não costuma ser esvaziada nem mesmo diante da hipótese “Contempt of court”.

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É nesse cenário que o Supremo Tribunal Federal vem exercendo um respeitável papel na proteção da atividade jornalística. É elogiosa a mais recente decisão proferida nos autos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 7.055 e n.º 6.792, a qual vem se somar ao reconhecimento, ocorrido por ocasião do julgamento da Lei de Imprensa de 1967 nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 130, ocasião em que nossa jurisdição constitucional reconheceu que a atividade jornalística é “verdadeira irmã siamesa da democracia” e que não se pode admitir a censura.

Mais especificamente, por ocasião do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 130, o Supremo consignou que a liberdade de imprensa veda a censura, isso em nome da dignidade da pessoa humana e, ainda, em razão das liberdades constitucionais de manifestação do pensamento, de informação e de expressão artística, científica, intelectual e de comunicação.

Cotejando o regramento constitucional da comunicação social, o Supremo destacou, ainda nesse mesmo precedente, que a imprensa é uma relevante instância de formação da opinião pública, legítima instância alternativa à versão oficial dos fatos e de irradiação do pensamento crítico.

Somando-se ao referido regramento protetivo da atividade jornalística, agora o Supremo reconheceu que o uso abusivo de ações judiciais contra jornalistas viola o direito constitucional à liberdade da imprensa. A prática, reconhecida como assédio judicial, consiste no ajuizamento simultâneo de inúmeras ações sobre os mesmos fatos em diversas comarcas. A intensa judicialização visa constranger a atividade jornalística, dificultando e encarecendo a defesa.

O uso estratégico do Direito (“Lawfare”) contra a atividade jornalística vem se tornando corriqueiro no Brasil e, em boa hora, o Supremo posicionou-se sobre o tema. Nosso Judiciário não pode ser instrumentalizado em favor da censura e da inibição da atividade da imprensa. É direito de todo jornalista professar suas opiniões, assim como é direito de todos conhecer os pontos de vista existentes nos mais diversos temas de interesse público.

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Os direitos à liberdade de expressão e de manifestação do pensamento estão previstos na nossa Constituição e em diversos tratados internacionais de direitos humanos, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a Carta da Organização dos Estados Americanos e, ainda, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

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Nessa linha, a Constituição da República, ao dispor sobre a comunicação social, assegurou a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação sob qualquer forma, processo ou veículo, as quais não sofrerão qualquer restrição.

Os direitos à manifestação do pensamento (artigo 5º, inciso IV, da Constituição da República) e à liberdade de expressão (artigo 5º, inciso IX, da Constituição da República) são indissociavelmente ligados à cidadania e à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição da República), bem como ao que podemos chamar de participação na vida da polis (artigo 1º, inciso II, da Constituição da República).

Referidos direitos costumam ser qualificados pela ciência do Direito como “direitos de primeira geração”, os quais compreendem os direitos civis e políticos das chamadas liberdades clássicas, negativas ou formais. Tais direitos são caracterizados, ainda de acordo com os teóricos do tema, pela necessidade de uma postura negativa do Estado, deferente com as liberdades dos indivíduos. É por essa razão que José Joaquim Gomes Canotilho as elas se referem como “posições fundamentais subjectivas de natureza defensiva” e como “direitos a acções negativas”.

Para José Afonso da Silva, a por ele categorizada como liberdade de opinião amalgama as liberdades de pensamento nas suas várias manifestações. Todas elas asseguram a “liberdade de o indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha: quer um pensamento íntimo, quer seja a tomada de posição pública; liberdade de pensar e dizer o que se crê verdadeiro”.

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Ainda com o objetivo de conferir significado aos direitos à liberdade de pensamento e de expressão, destaque-se que o mesmo é conceituado pelo Pacto de São José da Costa Rica, no seu artigo 13, como “a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha”.

Referidos direitos não devem ser vistos como mera salvaguarda individual, na medida em que indissociavelmente ligados à cidadania e à dignidade da pessoa humana, bem como ao que podemos chamar de plena participação na vida da polis. Para além de meros direitos individualmente considerados, estamos diante de retaguardas constitucionais umbilicalmente atreladas ao pacto social e à noção de democracia. Isto é, ao contrário de singelos direitos subjetivos, assegurar a livre atividade jornalística é tutelar o que há de mais essencial em termos civilizatórios.

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Pedro Estevam Alves Pinto Serrano
Bacharel, mestre e doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP com pós-doutoramento em Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e em Direito Público pela Université Paris Nanterre. Professor de Direito Constitucional e de Teoria do Direito na graduação, no mestrado e no doutorado da Faculdade de Direito da PUC-SP. Foto: Arquivo pessoal
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