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Opinião|A quem serve a regulamentação do lobby?

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convidados
Por Andréa Cristina Oliveira Gozetto e Breno A. H. Marisguia
Atualização:

Em 2022, tive a honra de atuar como consultora do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) no Brasil.

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No âmbito do Projeto Ação Global pela Integridade Corporativa (GABI), com apoio da Siemens Integrity Initiative, desenvolvi uma pesquisa ampla sobre a regulamentação do lobby no Brasil em perspectiva comparada (Brasil, EUA, Canadá e Chile).

Foi um trabalho longo e árduo, abrangendo pesquisas de naturezas qualitativa e quantitativa, resultando na elaboração de um Policy Paper onde propomos recomendações legislativas visando o aperfeiçoamento do Projeto de Lei nº 4391/21, que se encontrava em processo de tramitação na Câmara dos Deputados em 2022.

Tal projeto já havia recebido parecer no bojo da Comissão de Trabalho, mas como o tempo da academia não acompanha a dinâmica do Advocacy, em agosto de 2022, tudo mudou. Afinal, tudo muda o tempo todo quando se trata de política.

Um requerimento de urgência havia sido aprovado, e o Projeto passou a ser apreciado em Plenário. Toda a tramitação via comissões ficou ao largo do processo e novas articulações se iniciaram.

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Devido a elas, o PL nº 4391/21 foi apensado ao PL nº 1202/07, desapensado e finalmente arquivado. Após 17 versões, o PL nº 1202/07 foi aprovado em novembro de 2022 na Câmara dos Deputados.

Alguns perguntarão: todo esse trabalho foi em vão? A resposta é clara: não. A parte qualitativa do trabalho nos permitiu identificar 4 pontos sensíveis a qualquer proposta de regulamentação do lobby. São eles:

  1. Escopo regulatório: definir o que é e o que não é representação de interesses é fundamental para a operacionalização eficaz da legislação.
  2. Participação e acesso: garantir isonomia de acesso aos grupos de interesses com recursos menos privilegiados às arenas decisórias é um requisito para fomentar a democracia.
  3. Transparência: a forma como se coletam e se divulgam as informações sobre os representantes de interesses e os temas que defendem define a utilidade do credenciamento do ponto de vista do escrutínio público. Base de dados aberta e sistema integrado de informações são essenciais.
  4. Integridade: as penalidades para agentes públicos e privados devem ser equânimes.

Esse é um grande achado e, com certeza, poderá nortear as discussões sobre o PL nº 1202/07, que agora tramita no Senado como PL nº 2914/22 e encontra-se com o relator Senador Izalci Lucas.

Já a parte quantitativa configura-se como uma iniciativa inédita no Brasil. A pesquisa Percepção dos Profissionais de Relações Institucionais e Governamentais a respeito da Regulamentação do Lobby” é resultado de uma análise científica rigorosa que contou com a mobilização profissionais de Relações Institucionais e Governamentais do país, a partir do amplo apoio das entidades representativas do setor.

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O convite para participar da pesquisa foi enviado tanto para profissionais de RIG quanto para o público satélite. Eles se deram por meio de e-mails, mídias sociais, aplicativos de mensagens e canais oficiais de comunicação interna de associações de relações institucionais e governamentais (Abrig, Instituto Ethos, IRELGOV e RAC). Embora não se conheça as características populacionais dos profissionais de RIG no Brasil, o que impossibilita o delineamento de uma amostra probabilística, essa mobilização captou 222 respostas, 123 pertencentes exclusivamente a profissionais de RIG atuantes.

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São utilizados, também, dados referentes ao questionário aplicado em 2020 pelo Centro de Estudos Legislativos (Departamento de Ciência Política, UFMG) a uma amostra aleatória estratificada por partidos de 125 deputados da 56ª legislatura. Ambas as pesquisas contam com perguntas e opções de respostas idênticas em seus questionários, de forma a possibilitar uma comparação formal entre elas. Contudo, dadas as diferenças estruturais e metodológicas desses questionários (como extensão, composição das demais perguntas não referentes ao assunto em foco, distância temporal e meios de entrevista), tais comparações devem ser recebidas com reserva.

A pesquisa versou acerca de alguns pontos bastante importantes relacionados ao tema:

  1. ser a favor da regulamentação do lobby;
  2. acreditar que o lobby influencia muito nas decisões da Câmara dos Deputados;
  3. acreditar que uma regulamentação deve contemplar o registro obrigatório dos profissionais de RIG;
  4. satisfação com a regulamentação proposta pelo PL nº 4391/2021.

Em síntese, os resultados relativos aos profissionais de RIG podem ser descritos da seguinte maneira:

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  1. Defender a regulamentação do lobby anda lado a lado com o suporte ao registro obrigatório. Ambos são excelentes preditores um do outro;
  2. Ser lobista exclusivamente do setor privado não impacta significativamente qualquer opinião referente ao lobby e sua regulamentação;
  3. A percepção de que há muita corrupção no Brasil está associada com um imenso acréscimo nas chances de acreditar que o lobby exerce muita influência sobre as decisões da Câmara dos Deputados.

Já os achados referentes à comparação entre profissionais de RIG e deputados da 56ª legislatura são:

  1. Tanto profissionais de RIG quanto deputados apoiam amplamente a regulamentação;
  2. Ser profissional de RIG, em relação aos deputados, aumenta substantivamente a crença de que as atuações do lobby podem influenciar muito uma decisão da Câmara dos Deputados.

Os resultados da pesquisa reforçam uma pergunta para a qual venho buscando resposta há anos: se há tanto apoio à regulamentação do lobby, por que sua aprovação se arrasta por mais de 3 décadas?

Talvez, quando tivermos clareza sobre a quem serve a regulamentação, essa pergunta possa ser respondida.

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Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Foto do autor Andréa Cristina Oliveira Gozetto
Andréa Cristina Oliveira Gozettosaiba mais
Breno A. H. Marisguiasaiba mais

Andréa Cristina Oliveira Gozetto
Cientista política, doutora pela Unicamp. Coordenadora do MBA em Relações Governamentais e do curso de curta duração Advocacy e Políticas Públicas da FGV/IDE. Coordenadora do GT Transparência e Integridade da Rede Advocacy Colaborativo (RAC). Diretora executiva da Gozetto & Associados Consultoria Estratégica. Foto: Inac/Divulgação
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