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Opinião | A reforma da responsabilidade civil

Um sistema equilibrado de responsabilidade civil requer uma convergência entre a proteção da economia de mercado e a mais ampla tutela das vítimas de danos e da coletividade perante toda a sorte de ilícitos, em uma sociedade civil-constitucional

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Por Isabel Gallotti, Patrícia Carrijo e Nelson Rosenvald
Atualização:

Após longos debates, audiências públicas e diálogos com variados setores da sociedade brasileira, a comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil enviou um conjunto de propostas ao presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, para que a matéria fosse apreciada pelo Congresso Nacional.

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Naquilo que nos coube, equilibrando tradição sem deixar de lado as inúmeras transformações pelas quais passou nossa sociedade nos últimos anos, buscamos a estruturação da chamada responsabilidade civil (conjunto de normas que ditam direitos e deveres na relação entre os cidadãos), tendo em vista o estágio atual da sociedade brasileira e o que se vislumbra para as próximas décadas.

Observamos, para tanto, avanços jurisprudenciais e doutrinários, além de recentes contribuições legislativas sob o enfoque dos notáveis avanços sociais e do desenvolvimento tecnológico.

A responsabilidade civil de 2023 se encontra em um momento muito distante dos anos setenta do século XX, época em que foi forjado o Código Civil. Não se trata apenas de um hiato de cinquenta anos, porém de meio século que transformou a vida humana e os seus costumes por outros prismas, diferentes das transformações que ocorreram nos últimos dois mil anos de civilização.

Afinal, a responsabilidade civil exerce o importante papel de entregar respostas onde há “falhas” no nosso sistema jurídico. O Código Civil de 2002 é a fotografia de uma responsabilidade civil exclusivamente atrelada às patologias da propriedade e da inadimplência contratual. Contudo, hoje ela não apenas iguala conflitos patrimoniais, mas observa também efeitos danosos da violação de direitos fundamentais, direitos da personalidade e das recentes pressões oriundas das tecnologias digitais emergentes.

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Em verdade, um Código Civil que pretenda modernizar a responsabilidade civil não necessita de exaurir as normas ou padrões de comportamento praticados até aqui, mas de saber compreendê-los como ponto de partida, de modo a deferir critérios confiáveis e controláveis para o necessário aperfeiçoamento das decisões de juízes e dos tribunais.

Neste sentido, a estruturação da responsabilidade civil encontra origem em duas justificativas. Primeiro: É certo que do ponto de vista estilístico e linguístico, necessitamos de um Código Civil simples e compreensível a todos cidadãos. No entanto, há uma particularidade na responsabilidade civil: o fato de ser um conjunto de normas dirigidas aos magistrados.

A maior parte das demandas cíveis no Brasil - desde os juizados especiais até os tribunais superiores - conecta-se ao tema da responsabilidade civil em sentido amplo. Se o que pretendemos é conceder segurança jurídica e mitigar a discricionariedade judicial (liberdade do juiz de decidir diante caso concreto, à luz do devido processo legal), o primeiro passo consiste em oferecer critérios decisórios objetivos para a contenção de ilícitos e reparação de danos.

Segundo: os que defendem a manutenção do status quo argumentam que a jurisprudência caminhou bastante, atualizando as defasagens normativas. Contudo, nosso sistema é o da chamada “primazia normativa”, ou seja, não contamos com a tradição de estabilidade de um sistema de precedentes.

A nossa jurisprudência, por mais que bem aplicada, é sempre um retrato pendular de um dado normativo situado no tempo. Nada melhor, em termos de segurança jurídica para cidadãos e agentes econômicos, que previsibilidade e coerência sejam o resultado da aplicação de um conjunto de normas que sinalize as regras do jogo, com firmes parâmetros de julgamento.

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Diante de tais considerações, sugere-se uma reforma da responsabilidade civil concentrada em três grandes eixos: o primeiro é a sistematização dos fatores de atribuição da responsabilidade civil, ou seja, organização das fontes da obrigação de indenizar: ilícito, risco da atividade e responsabilidade pelo fato de terceiro, do animal, da coisa ou da tecnologia.

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O segundo trata da organização do sistema de danos mediante o aperfeiçoamento do tratamento da indenização do dano patrimonial, como também pela expressa inclusão de critérios de aferição da indenização pela perda de uma chance.

Relativamente à violação a interesses existenciais, formata-se o gênero do dano extrapatrimonial, como uma espécie de guarda-chuvas apto a conceder ampla tutela aos bens da personalidade. Por fim, aperfeiçoa-se o critério bifásico de indenização de danos extrapatrimoniais, desenvolvido no STJ, dotando-o de base normativa.

Terceiro eixo: mantém-se a primazia da função compensatória de danos morais e do princípio da reparação integral. Todavia, na sociedade contemporânea - plural e complexa - danos não mais ostentam um perfil meramente individual e patrimonial, porém, manifestam-se como metaindividuais, extrapatrimoniais, por vezes anônimos, dispersos, catastróficos e irreparáveis. Para evitar que prevaleçam respostas incoerentes aos novos desafios que não são solucionados pela reparação de danos, consideramos a necessidade de atualizar a responsabilidade civil como um sistema de gestão de riscos. Assim, para além de uma contenção de danos, há a necessidade de uma contenção de comportamentos antijurídicos, mediante a introdução das funções preventiva e pedagógica, com seguros parâmetros de moderação de poderes judiciais, contrabalançados por uma função promocional aos agentes econômicos que investirem em governança e accountability (responsabilidade).

Um sistema equilibrado de responsabilidade civil requer uma convergência entre a proteção da economia de mercado e a mais ampla tutela das vítimas de danos e da coletividade perante toda a sorte de ilícitos, em uma sociedade civil-constitucional. Para tanto, reputamos essencial a atualização da redação do Código Civil e a harmonização entre cláusulas gerais e critérios decisórios sindicáveis, parametrizando a atuação de juízes e tribunais. É assim que conseguiremos aprimorar a prestação jurisdicional, ao encontro das necessidades de nossa sociedade atual.

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Patrícia Carrijo
Juíza presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) e vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Foto: Arquivo pessoal
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