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Opinião | A reforma dos partidos políticos é a chave para melhorar a governança do Brasil

Enquanto essa reforma não for implementada, modernizando a instituição do partido político, qualquer tentativa de reformar as outras instituições do Estado com isonomia será como tentar encher um balde furado

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convidado
Por Giovanni Mockus

No Brasil atual, repleto de desafios e expectativas, uma questão se destaca como basilar para qualquer tentativa de melhoria institucional: a reforma dos partidos políticos. Nenhuma reforma, seja ela tributária, política-eleitoral, previdenciária ou judicial, terá sucesso enquanto não enfrentarmos a necessidade urgente de reformar a estrutura e o funcionamento dos partidos políticos.

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Pela Constituição Federal de 1988, os partidos políticos detém o monopólio da disputa eleitoral. Logo, quem controla os partidos, controla também as maiores probabilidades de eleição, o financiamento de projetos político-eleitorais e, por consequência, a correlação de forças no parlamento, a incidência sobre políticas públicas e a própria estrutura funcional do Estado (vide as movimentações da iminente reforma ministerial). Em uma realidade de múltiplos partidos, com uma permissividade legislativa abrangente para a concentração de poder interno na mão de poucos, o resultado é a criação de um ambiente favorável à utilização das prerrogativas constitucionais dos partidos para a defesa de interesses particulares (que diferem dos legítimos interesses das agendas que os partidos defendem). Durante a reforma tributária, por exemplo, assistimos verdadeiros lobbies patrocinados pela cúpula de partidos, ampliando o rol de isenções e, por consequência, aumentando a alíquota geral que atinge, principalmente, as classes trabalhadoras. Essa influência desproporcional torna impossível um debate saudável e verdadeiramente democrático por ocasião das reformas estruturais que o país tanto precisa.

A Lei Federal 9.096/95, lei dos partidos políticos elaborada há 29 anos, é extremamente permissiva ao dar controle quase absoluto aos presidentes da legenda. Com exceção de poucas delimitações legais, tudo se resume a “matéria interna corporis”. Ou seja, o que o presidente do partido - que detém os votos absolutos dos dirigentes nacionais - decidir, está feito. Ora, se há pesos e contra-pesos na própria constituição federal para coibir eventuais abusos de poder, garantindo assim os preceitos democráticos que regem a nossa república, porque o mesmo não deve se aplicar aos partidos?

Em praticamente todas as vezes, as decisões dentro das legendas são tomadas por uma cúpula restrita, sem a participação efetiva da base. E quando há risco da cúpula perder sua maioria, esta altera de forma arbitrária as regras eleitorais internas para permitir a perpetuação dos mesmos dirigentes no poder partidário. Os exemplos de presidentes de partidos que estão há décadas à frente da mesma legenda são inúmeros.

Uma reforma dos partidos políticos precisa incluir, dentre outras questões, mecanismos que assegurem maior democracia interna, um verdadeiro respeito a agenda de cada legenda, oxigenação de seus quadros, balizadores democráticos para a distribuição e aplicação dos fundos advindos de recursos públicos e transparência nas decisões administrativas e políticas do partido.

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Enquanto essa reforma não for implementada, modernizando a instituição do partido político, tão fundamental para a nossa democracia, qualquer tentativa de reformar as outras instituições do estado com isonomia será como tentar encher um balde furado. Sem partidos políticos mais coesos, transparentes e comprometidos com a democracia e o bem comum, políticas públicas eficazes serão sempre um horizonte distante.

É hora de encarar essa realidade. A sociedade brasileira, que tanto anseia por mudanças, precisa exigir dos seus representantes a coragem e a vontade política para reformar o sistema partidário. Somente com partidos mais fortes, democráticos e comprometidos com o bem comum, podemos esperar que outras reformas tenham a base sólida necessária para serem bem-sucedidas. A reforma dos partidos não é apenas uma prioridade, é a condição sine qua non para qualquer avanço significativo na governança do Brasil.

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Giovanni Mockus
Gestor de políticas públicas (UnB) e coordenador nacional de Organização da Rede Sustentabilidade. Foto: Arquivo pessoal
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