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Opinião | A rescisão do acordo de delação premiada

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convidado
Por Rogério Tadeu Romano

Sob o ponto de vista processual, a delação premiada consiste na afirmação feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido extrajudicialmente , pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação no crime como seu comparsa.

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O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.

Trata-se de um meio de prova, mas, para que seja considerada, há a necessidade da presença de três requisitos: a) o corréu que fez a delação tenha confessado a sua participação no crime; b) a delação encontre amparo em outros elementos de prova existentes nos autos; c) no caso de delação extrajudicial, que tenha sido confirmada em juízo. Sem esses requisitos e sem que tenha sido respeitado o contraditório, com possibilidade de reperguntas pelas partes, a delação não tem qualquer valor, sendo um ato que é destituído de eficácia jurídica.

O instituto da delação premiada se perfaz quando o agente colabora de forma voluntária e efetiva com a investigação e com o processo penal. Seu testemunho deve vir acompanhado da admissão de culpa e servir para a identificação dos demais coautores ou partícipes, e para esclarecimento acerca das infrações penais apuradas.

Determina o artigo 1º, parágrafo 5º, da Lei 12.683, o que segue:

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“A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.”

Com a delação premiada tem-se a descoberta dos labirintos de uma organização criminosa.

A Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, define organização criminosa e ainda dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, revogando-se a Lei 9.034, de 3 de maio de 1995 e, ao final, passa a chamar de associação criminosa, o crime previsto no artigo 288 do Código Penal, com a seguinte redação: ¨Associarem-se 3(três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes¨, com pena prevista de 1(um) ano a 3(três) anos, aumentando-se a pena até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

Por essa lei, editada em face do princípio da legalidade, que deve ser respeitado em matéria legal, considera-se organização criminosa a associação de 4(quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais(crime ou contravenção penal), cujas penas máximas sejam superiores a 4(quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Temos aqui aquelas associações criminosas que tenham por desiderato a prática de infrações que vão além das fronteiras nacionais, englobando mais de uma nação. Para tanto, será necessário tratado ou convenção internacional que discipline os casos de apenação com relação a crimes cujo resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente.

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É o chamado rompimento da omertà, o silêncio mafioso.

Tal acordo escrito, a ser firmado entre o Parquet e o investigado com a necessária apreciação judicial, deve ser somado a outros instrumentos como o de proteção de testemunhas.

Repito que tal delação é acordo de colaboração firmado entre as partes e que deve ser mantido em autos anexos com o devido controle judicial.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 29 de junho de 2017, que ilegalidades descobertas depois da homologação de um acordo de delação podem levar à sua rescisão. A regra estabelecida é que as cláusulas devem ser mantidas pelo Judiciário depois de homologadas, mas abriu essa exceção. Além disso, caso o delator descumpra os termos do acordo, também poderá perder seu benefício.

O relator do caso em julgamento foi o ministro Edson Fachin. Seu voto inicial causou resistência pelo uso da palavra “vinculação”, o que foi interpretado por alguns ministros como uma forma de tolher os poderes do plenário do STF, que não poderia mudar o estabelecido por um de seus integrantes. Isso porque o tribunal também decidiu que a homologação do acordo é uma tarefa apenas do relator do caso, e não do plenário.

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Acordo homologado como regular, voluntário e legal gera vinculação condicionada ao cumprimento dos deveres assumidos pela colaboração, salvo ilegalidades supervenientes aptas a justificar anulação do negócio jurídico - propôs o ministro Fachin.

O ministro Alexandre de Moraes discordou dos termos: O controle dessa legalidade, regularidade e voluntariedade deve ser feito pelo relator na homologação. Ele vai homologar, mas isso não impede que, no momento do julgamento, o colegiado, seja turma, seja o plenário, analise os fatos supervenientes ou os fatos de conhecimento posterior - disse o ministro Moraes.

Assim, o ministro Luís Roberto Barroso perguntou qual seria a sugestão dele. Moraes propôs:

- Acordo homologado como voluntário, regular e legal deverá em regra produzir seus efeitos face ao cumprimento dos deveres assumidos na colaboração possibilitando ao colegiado a análise do parágrafo 4º do artigo 966. É uma referência ao artigo do Código de Processo Civil (CPC) que permite rescindir decisões quando verificadas algumas hipóteses de ilegalidades. Fachin concordou com a redação proposta por Moraes e a incorporou a seu voto. Depois, seguiram o mesmo entendimento os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Celso de Mello e Cármen Lúcia.

Trago à colação o artigo 966,parágrafo quarto, do CPC.

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Observe-se o disposto no artigo 966, parágrafo quarto, do CPC:

Art. 966 A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

.....

§ 4º Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.

Trata-se de dispositivo oriundo do Código de Processo Civil de 1973, que falava da anulação de atos judiciais.

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Utilizando-se a lição oriunda de Rogério Lauria Tucci, verbete na Enciclopédia Saraiva, Coqueijo Costa (Ação rescisória, quarta edição), ao interpretar o artigo 486 daquele diploma legal, disse:

“Eis aí a ação anulatória de ato judicial praticado no processo, pelas partes, nunca por órgão judicial, envolvendo declaração de vontade, homologado ou não, que é desconstituído por outra ação que não a rescisória”.

Na verdade o alvo dessas ações anulatórias não é a coisa julgada, como se vê na ação rescisória. Trata-se de ação constitutiva-negativa, que envolve conduta material contrária ao direito.

Com a decisão, o STF deixou claro que o acordo poderá ser revisto caso o delator não cumpra o que foi acertado com o Ministério Público, deixando de revelar fatos importantes ou se ficar comprovado que ele faltou com a verdade, ou, ainda, se não cumpra as obrigações que lhe foram determinadas pelo juízo.

“Não seria nem necessário dizer isso. Isso é o óbvio. Se surge um fato novo ou se chega ao conhecimento do sistema judiciário um fato já ocorrido que torna ilegal o acordo, é óbvio que pode ser revisto o acordo. Ninguém aqui quer agasalhar ilegalidade.”, disse o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

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Cita-se o exemplo dado pelo ministro Alexandre de Moraes: que, se é descoberto que houve tortura, coação de uma pessoa para delatar, ou colusão entre Ministério Público e defesa para a feitura do acordo, esse acordo tem que ser anulado.

Na prática, abriu-se uma vereda para eventual revisão na hora da decisão final, de mérito a segurança jurídica.

Na matéria cito as seguintes decisões do STF:

HC 142205

Relator(a): Min. GILMAR MENDES

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Julgamento: 25/08/2020

Publicação: 01/10/2020

Ementa

Penal e Processual Penal. 2. Colaboração premiada, admissibilidade e impugnação por corréus delatados. Provas produzidas em razão do acordo e utilizadas no caso concreto. Abusos da acusação e fragilização da confiabilidade. Nulidade do acordo e inutilização de declarações dos delatores. 3. Possibilidade de impugnação do acordo de colaboração premiada por terceiros delatados. Além de caracterizar negócio jurídico entre as partes, o acordo de colaboração premiada é meio de obtenção de provas, de investigação, visando à melhor persecução penal de coimputados e de organizações criminosas. Potencial impacto à esfera de direitos de corréus delatados, quando produzidas provas ao caso concreto. Necessidade de controle e limitação a eventuais cláusulas ilegais e benefícios abusivos. Precedente desta Segunda Turma: HC 151.605 (de minha relatoria, j. 20.3.2018). 4. Nulidade do acordo de colaboração premiada e ilicitude das declarações dos colaboradores. Necessidade de respeito à legalidade. Controle judicial sobre os mecanismos negociais no processo penal. Limites ao poder punitivo estatal. Precedente: “O acordo de colaboração homologado como regular, voluntário e legal deverá, em regra, produzir seus efeitos em face do cumprimento dos deveres assumidos pela colaboração, possibilitando ao órgão colegiado a análise do parágrafo 4º do artigo 966 do Código de Processo Civil” (STF, QO na PET 7.074, Tribunal Pleno, rel. Min. Edson Fachin, j. 29.6.2017) 5. Como orientação prospectiva ou até um apelo ao legislador, deve-se assentar a obrigatoriedade de registro audiovisual de todos os atos de colaboração premiada, inclusive negociações e depoimentos prévios à homologação. Interpretação do art. 4º, § 13, Lei 12.850/13. Nova redação dada pela Lei 13.964/19. 6. Situação do colaborador diante da nulidade do acordo. Tendo em vista que a anulação do acordo de colaboração aqui em análise foi ocasionada por atuação abusiva da acusação, penso que os benefícios assegurados aos colaboradores devem ser mantidos, em prol da segurança jurídica e da previsibilidade dos mecanismos negociais no processo penal brasileiro. Precedente: direito subjetivo ao benefício se cumpridos os termos do acordo (STF, HC 127.483/PR, Plenário, rel. Min. Dias Toffolli, j. 27.8.2015) e possibilidade de concessão do benefício de ofício pelo julgador, ainda que sem prévia homologação do acordo (RE-AgR 1.103.435, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 17.5.2019). 7. Dispositivo. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para declarar a nulidade do acordo de colaboração premiada e reconhecer a ilicitude das declarações incriminatórias prestadas pelos delatores, nos termos do voto.

Inq 4483 QO

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Órgão julgador: Tribunal Pleno

Relator(a): Min. EDSON FACHIN

Julgamento: 21/09/2017

Publicação: 13/06/2018

Ementa

PROCESSO PENAL. ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. POSSIBILIDADE DE RESCISÃO OU DE REVISÃO TOTAL OU PARCIAL. SUSTAÇÃO DE OFERECIMENTO DE DENÚNCIA CONTRA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA NA SUPREMA CORTE. DESCABIMENTO. ANÁLISE DE TESES DEFENSIVAS PELO STF. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDÊNCIA DO JUÍZO POLÍTICO DE ADMISSIBILIDADE PELA CÂMARA DOS DEPUTADOS. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 51, INCISO I, E 86, DA CRFB. PRECEDENTES. EVENTUAL DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULAS DOS TERMOS DO ACORDO. POSSIBILIDADE DE RESCISÃO TOTAL OU PARCIAL. EFEITOS LIMITADOS ÀS PARTES ACORDANTES. PRECEDENTES. 1. O juízo político de admissibilidade por dois terços da Câmara dos Deputados em face de acusação contra o Presidente da República, nos termos da norma constitucional aplicável (CRFB, art. 86, caput), precede a análise jurídica pelo Supremo Tribunal Federal, se assim autorizado for a examinar o recebimento da denúncia, para conhecer e julgar qualquer questão ou matéria defensiva suscitada pelo denunciado. Precedentes. 2. A possibilidade de rescisão ou de revisão, total ou parcial, de acordo homologado de colaboração premiada, em decorrência de eventual descumprimento de deveres assumidos pelo colaborador, não propicia, no caso concreto, conhecer e julgar alegação de imprestabilidade das provas, porque a rescisão ou revisão tem efeitos somente entre as partes, não atingindo a esfera jurídica de terceiros, conforme reiteradamente decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

Por se tratar de um negócio jurídico processual personalíssimo, o acordo de colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo instrumento quando do relato da colaboração e seus possíveis resultados (art. 6º, I, da Lei nº 12.850/13). O acordo de colaboração, como negócio jurídico personalíssimo, não vincula o delatado e não atinge diretamente sua esfera jurídica: res inter alios acta . A delação premiada, como já tive oportunidade de assentar, é um benefício de natureza personalíssima, cujos efeitos não são extensíveis a corréus (RHC nº 124.192/PR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 8/4/15) Esse negócio jurídico processual tem por finalidade precípua a aplicação da sanção premial ao colaborador, com base nos resultados concretos que trouxer para a investigação e o processo criminal. Assim, a homologação do acordo de colaboração, por si só, não produz nenhum efeito na esfera jurídica do delatado, uma vez que não é o acordo propriamente dito que poderá atingi-la, mas sim as imputações constantes dos depoimentos do colaborador ou as medidas restritivas de direitos fundamentais que vierem a ser adotadas com base nesses depoimentos e nas provas por ele indicadas ou apresentadas - o que, aliás, poderia ocorrer antes, ou mesmo independentemente, de um acordo de colaboração.

Em idêntico sentido, na data de 27.9.2016 (Dje 16.12.2016) a Segunda Turma, uma vez mais de forma unânime, acompanhando o Relator, Ministro Teori Zavascki, voltou a reafirmar os precedentes do STF, no julgamento do Inquérito 3.979 (com grifos acrescidos): “O Plenário do Supremo Tribunal Federal assentou a orientação de que “por se tratar de negócio jurídico personalíssimo, o acordo de colaboração premiada não pode ser impugnado por coautores ou partícipes do colaborador na organização criminosa e nas infrações penais por ela praticadas, ainda que venham a ser expressamente nominados no respectivo instrumento no relato da colaboração e seus possíveis resultados (art. 6º, I, da Lei n. 12.850/13)” (HC 127.483, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe de 4.2.2016). Assim, ao contrário do que parece acreditar a defesa, a eventual desconstituição de acordo de colaboração tem âmbito de eficácia restrito às partes que o firmaram, não beneficiando nem prejudicando terceiros. Aliás, até mesmo em caso de retratação, o material probatório colhido em colaboração premiada pode ainda assim ser utilizado em face de terceiros, naturalmente cercado de todas as cautelas, competindo a esses, se for o caso, deduzir as razões de defesa nos procedimentos ou ações que venham a ser promovidos em seu desfavor. É o que decorre de texto normativo expresso no § 10 do art. 4º da Lei 12.850/2013 (“As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor”). Esse entendimento foi reafirmado, mais recentemente, pela Corte (INQ 3.983, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, DJe de 12.5.2016). (...)”.

Reiterando o que disse o ministro Fachin, no julgamento acima apontado, deve-se assentar, uma vez mais, que a possibilidade de revisão, total ou parcial, do acordo de colaboração premiada, em decorrência de eventual rescisão por descumprimento de deveres assumidos pelo colaborador, devidamente reconhecido pelo Poder Judiciário, tem efeitos somente entre as partes, não atingindo a esfera jurídica de terceiros conforme reiteradamente já decidido por esta Corte.

A possibilidade de rescisão ou de revisão, total ou parcial, de acordo homologado de colaboração premiada, em decorrência de eventual descumprimento de deveres assumidos pelo colaborador, não propicia, de toda ordem, conhecer e julgar alegação de imprestabilidade das provas, porque a rescisão ou revisão tem efeitos somente entre as partes, não atingindo a esfera jurídica de terceiro.

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Rogério Tadeu Romano
Procurador regional da República aposentado, professor de Processo Penal e Direito Penal e advogado
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