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Opinião|A responsabilidade das plataformas digitais no cenário eleitoral

As ordens judiciais para a remoção de conteúdos, suspensão de perfis e fornecimento de informações devem ser cumpridas pelos provedores de aplicações

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Por Martha Leal, Izabela Lehn e Débora Sirotheau

A necessidade de garantir a integridade do processo eleitoral, especialmente em um contexto em que a comunicação entre partidos, candidatos e eleitores é de inquestionável importância para o sucesso das campanhas políticas, exigiu recentes alterações pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As diretrizes que tratam da veiculação de propaganda eleitoral, estabelecidas pela Resolução nº 23.610/19, foram recentemente modificadas pela Resolução nº 23.732/24.

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A nova norma legal impõe obrigações aos provedores de aplicações, incluindo sites, redes sociais e aplicativos, exigindo comprometimento e fiscalização do conteúdo das propagandas eleitorais criadas por terceiros. Assim, atribui-se aos provedores de aplicação o dever de cuidado para evitar ou minimizar o uso dos seus serviços para fins de ilícitos eleitorais, principalmente a divulgação de informações falsas.

Além disso, a Resolução inova ao impor aos provedores de aplicações responsabilidade civil e administrativa “solidária” na hipótese de não remoção imediata de conteúdos considerados de risco, publicados por terceiros, como candidatos, partidos políticos e agências de marketing, durante o período eleitoral. A imposição do comprometimento solidário gera dúvidas sobre a possibilidade de responsabilização direta, inclusive na esfera administrativa, independentemente da ordem judicial preconizada na Lei nº 12.965/14 (Marco Civil da Internet).

Este artigo, sem a pretensão de esgotar o assunto, tem por finalidade apontar algumas das novas exigências impostas pelo TSE aos provedores de aplicações de internet, e abordar a responsabilização civil e administrativa solidária com os responsáveis pelas propagandas, à luz das normas legais vigentes.

A nova regulamentação impõe aos provedores de aplicações de internet uma série de medidas obrigatórias relacionadas às propagandas eleitorais. Exemplos dessas medidas incluem a elaboração de termos de uso e políticas, o planejamento de ações corretivas e preventivas, a transparência quanto às ações executadas, a elaboração de avaliação de impacto de seus serviços sobre a integridade do processo eleitoral, a adoção de condutas para a mitigação dos riscos identificados, inclusive quanto à violência política de gênero (conforme Lei nº 14.192/21), o aperfeiçoamento tecnológico e investimentos em ferramentas para detectar ilícitos eleitorais, conforme o Art. 9º-D da Resolução nº 23.732/24.

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A Resolução nº 23.732/24, em seu artigo 9º-D, § 1º, proíbe aos provedores de aplicações que comercializem modalidades de impulsionamento de conteúdos que tratem de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados capazes de comprometer a lisura do processo eleitoral.

Além disso, por provocação dos eleitores ou por constatação direta de que os conteúdos são ilícitos (notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados), o provedor de aplicações deverá, conforme disposto no artigo 9º-D, §§ 2º e 4º, independentemente de ordem judicial, cessar o impulsionamento, a monetização e remover o conteúdo.

Na hipótese de ser constatada a veiculação e impulsionamento de notícias falsas, a Justiça Eleitoral poderá solicitar a veiculação de postagem corretiva, também por impulsionamento e sem custos, conforme o artigo 9º-D § 3º, da Resolução nº 23.732/24.

As ordens judiciais para a remoção de conteúdos, suspensão de perfis e fornecimento de informações devem ser cumpridas pelos provedores de aplicações. Na hipótese de impossibilidade de atendimento por ausência de dados complementares, é facultada a requisição dos mesmos, “com objetividade”, à autoridade judiciária, para viabilizar posterior cumprimento de decisão judicial (art. 9º-D, § 5º).

A nova Resolução determina que os provedores de aplicação serão solidariamente responsáveis, civil e administrativamente, quando não promoverem a remoção imediata de conteúdos e contas em casos de risco, elencados nos incisos do art. 9º-D. Os ilícitos tipificados no artigo 9º.-E incluem publicações que envolvam atos antidemocráticos, divulgação ou compartilhamento de fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados capazes de atingir a integridade do processo eleitoral, ameaças ou violência contra servidores da Justiça Eleitoral, Ministério Público e Poder Judiciário, exaltação ao racismo, homofobia, ideologias nazistas e discursos de ódio contra pessoas ou grupos por preconceitos relacionados à origem, raça, cor, idade, religião ou qualquer forma de discriminação, e divulgação ou compartilhamento de conteúdos criados ou manipulados por inteligência artificial sem rótulos de identificação.

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Em todas as situações mencionadas, segundo a nova Resolução, haverá responsabilização solidária, civil e administrativa, dos provedores de aplicações de internet, caso não removam, de forma imediata, os conteúdos apontados como de risco.

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O dispositivo legal sugere que a responsabilização por “desobediência” poderia se configurar diretamente, inclusive na esfera administrativa, independentemente de ordem judicial. No entanto, é necessária uma interpretação sistemática, pois ainda está em vigor o art. 19 do Marco Civil da Internet, que condiciona a responsabilização dos provedores de aplicações ao não atendimento de ordem judicial.

Da mesma forma, a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97, art. 57-B, § 4º), em conformidade com o art. 19 do Marco Civil da Internet, confirma a necessidade de ordem judicial específica para responsabilizar provedores de aplicações que comercializarem impulsionamento de conteúdos, ressaltando que as providências devem ser adotadas “no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço”.

Além disso, a Resolução do TSE nº 23.610/19, que trata sobre propaganda eleitoral, cujo art. 38 dispõe sobre o procedimento de “requisição judicial” para remoção de conteúdos, citando expressamente o art. 19 do Marco Civil da Internet, confirma a harmonia dos regramentos e a ordem judicial como requisito para responsabilização dos provedores de aplicações.

Diante das eleições municipais que se avizinham, é de suma relevância a compreensão das inovações trazidas pela Resolução do TSE nº 23.732/24, que alterou alguns dispositivos da Resolução nº 23.610/19 sobre propaganda eleitoral. Isso evita conclusões apressadas que podem induzir em erro os atores envolvidos no processo eleitoral, sejam eles partidos políticos, candidatos, provedores de aplicação ou eleitores.

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A nova Resolução impõe obrigações aos provedores de aplicações de internet, é verdade. Contudo, permanece em vigor o art. 19 do Marco Civil da Internet, o art. 38 da Lei das Eleições e as disposições da Resolução nº 23.610/19, que deixam claro que a eventual responsabilização pela não exclusão de conteúdos publicados só poderá ocorrer após ordem judicial específica.

Diante do maior protagonismo conferido pela nova Resolução do TSE, provedores de aplicações devem remover conteúdos ou cessar o impulsionamento ao identificarem situações de risco, de acordo com as medidas técnicas obrigatórias. Caso não sejam detectadas situações de risco, mesmo após análise técnica e adoção das medidas preconizadas pela nova legislação, e ainda que alertados por eleitores ou terceiros, os provedores devem aguardar ordem judicial específica de remoção, que, se descumprida, poderá levar à responsabilização solidária juntamente com terceiros por conteúdos eleitorais ilícitos publicados.

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Martha Leal
Advogada, especialista em Direito Digital e Proteção de Dados, mestre em Direito e Negócios Internacionais, certificada como CDPO pela Maastricht University e vice-presidente do Instituto Nacional de Proteção de Dados – INPD. Foto: Arquivo pessoal
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