PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião|A retroatividade do pacote anticrime

Como já se afirmou, após o advento da Lei n.º 13.964/2019 (Pacote Anticrime), o STJ formou jurisprudência no sentido de adotar interpretação mais benéfica aos apenados, exigindo a reincidência específica em crime hediondo para a aplicação do percentual de 60%

PUBLICIDADE

convidado
Por Rogério Tadeu Romano

Expõe Rômulo de Andrade Moreira (A retroatividade do pacote anticrime – a recente posição do STJ) que “a 3ª. Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº. 1.910.240, por unanimidade, reconheceu a retroatividade do art. 4º. da Lei nº. 13.964/19 (o chamado pacote anticrime), na parte específica em que alterou o art. 112, V da Lei de Execução Penal, firmando-se a seguinte tese: “É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei nº. 13.964/19, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante.”

PUBLICIDADE

Com efeito, o novo inciso V do art. 112 da Lei nº. 7.210/84, estabeleceu que “a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário.”

Conforme observou o relator, Ministro Rogerio Schietti Cruz, a Lei nº. 13.964/19 “promoveu profundas alterações no marco normativo referente aos lapsos exigidos para o alcance da progressão a regime menos gravoso, tendo sido expressamente revogadas as disposições do art. 2º., § 2º., da Lei nº. 8.072/90 e estabelecidos patamares calcados não apenas na natureza do delito, mas também no caráter da reincidência, seja ela genérica ou específica.”

A norma contida no art. 112 da Lei de Execução Penal diz respeito ao princípio da individualização da pena, previsto no art. 5º., XLVI da Constituição Federal. Afinal, a individualização da pena engloba, não somente a aplicação da sanção penal propriamente dita, mas também a sua posterior execução, com a garantia, por exemplo, da progressão de regime.

Tratando-se de uma norma relativa à execução penal (e não propriamente uma disposição penal material, ou de natureza incriminadora), obviamente que o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica aplica-se igualmente às normas que tratam da execução penal.

Publicidade

Pois bem.

No julgamento do REsp 2.012.101, sob o rito dos repetitivos, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou a tese segundo a qual “é válida a aplicação retroativa do percentual de 50%, para fins de progressão de regime, a condenado por crime hediondo, com resultado morte, que seja reincidente genérico, nos moldes da alteração legal promovida pela Lei 13.964/2019 no artigo 112, inciso VI, alínea a, da Lei 7.210/84 ( Lei de Execução Penal), bem como a posterior concessão do livramento condicional, podendo ser formulado posteriormente com base no artigo 83, inciso V, do Código Penal ( CP), o que não configura combinação de leis na aplicação retroativa de norma penal material mais benéfica”.

O STJ já reconheceu a retroatividade do patamar estabelecido no artigo 112, V, da Lei 13.964/2019 (50% da pena) àqueles que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante ( Tema 1.084).

É mister falar nas chamadas normas processuais penais materiais.

Lembrou Rômulo de Andrade Moreira (obra citada) que “estas normas processuais penais materiais, segundo Taipa de Carvalho, têm uma natureza mista (designação também usada por ele), pois, “embora processuais, são também plenamente materiais ou substantivas.” Sendo assim, e desde um ponto de vista da “hermenêutica teleológico-material, determine-se que à sucessão de leis processuais penais materiais sejam aplicados o princípio da irretroactividade da lei desfavorável e o da retroactividade da lei favorável.”

Publicidade

“Uma vez que os percentuais de 60% e 70% foram destinados aos reincidentes específicos, a nova lei deve ser interpretada mediante a analogia in bonam partem, aplicando-se, para o condenado por crime hediondo, com resultado morte, que seja reincidente genérico, o percentual de 50%, previsto no inciso VI do artigo 112 da Lei de Execução Penal”, disse.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Dito isto, trago a colação as reflexões de Taipa de Carvalho (Sucessão de leis penais, Coimbra, pág. 219 e 220) que afirma que ¨está em crescendo uma corrente que acolhe uma criteriosa perspectiva material – que distingue, dentro do direito processual penal, as normas processuais penais materiais das normas processuais formais¨, advertindo que dentro de uma visão de ¨hermenêutica teológico-material determine-se que à sucessão de leis processuais penais materiais sejam aplicados o princípio da irretroactividade da lei desfavorável e o da retroactividade da lei favorável.¨

Para o eminente jurista lusitano, Professor da Faculdade de Direito do Porto (Obra citada, pág. 220 e 240), há normas de natureza mista, que embora processuais são também plenamente materiais ou substantivas.

Para ele, constituem exemplos de normas processuais penais materiais, dentre outras, as que estabelecem graus de recurso, sendo assim aplicável aquela vigente, no tempus delicti, isto é, no momento da prática da conduta, independente do momento em que o resultado se produza.

Explicou Guilherme de Souza Nucci (Código de Processo Penal Comentado, 10ª edição, São Paulo, página 71) que normas processuais penais materiais são aquelas que, apesar de estarem no contexto do processo penal, regendo atos praticados pelas partes durante a investigação policial ou durante o trâmite processual, têm forte conteúdo de Direito Penal.

Publicidade

Tal conteúdo seria extraído da sua interrelação com as normas de direito material. Para o doutrinador, seriam o caso da perempção e do perdão (Perdão judicial é instituto de direito penal através do qual é dado ao juiz o poder discricionário de renunciar ao direito de punir, implicando em extinção da punibilidade) , da renúncia, da decadência, da prescrição,8 dentre outros institutos.

Assim nova lei que crie caso novo de perempção deve ser retroativa para o objetivo de extinguir a punibilidade do acusado. A perempção é causa extintiva da punibilidade, como revelou Fernando da Costa Tourinho Filho(Processo Penal, São Paulo, volume I, 1982, pág. 515), que, alcança, exclusivamente, as ações penais privadas, que se procedem mediante queixa.

O relator também ressaltou que o entendimento jurisprudencial firmado no STJ é no sentido da possibilidade de concessão do livramento condicional da pena aos condenados por crimes hediondos com resultado morte, não reincidentes ou reincidentes genéricos.

Segundo ele, a vedação à concessão desse benefício trazida pelo Pacote Anticrime na Lei 7.210/84 refere-se apenas ao período previsto para a progressão de regime, havendo a possibilidade de formulação do livramento condicional posteriormente, após o cumprimento do percentual estabelecido, com base no artigo 83, inciso V, do CP, que permanece vigente no ordenamento jurídico.

Como já se afirmou após o advento da Lei nº. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), o STJ formou jurisprudência no sentido de adotar interpretação mais benéfica aos apenados, exigindo a reincidência específica em crime hediondo para a aplicação do percentual de 60% (sessenta por cento). E, em julgamento no rito dos recursos repetitivos, foi fixada a tese, segundo a qual, “é reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante” (REsp 1910240/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, j. 26/05/2021, DJe 31/05/2021).

Publicidade

No mesmo sentido:

3. Esta Corte vem entendendo que se revela “possível aplicação retroativa do art. 112, VI, ‘a’, da LEP aos condenados por crime hediondo ou equiparado com resultado morte que sejam primários ou reincidentes não específicos, sem que tal retroação implique em imposição concomitante de sanção mais gravosa ao apenado, tendo em vista que, em uma interpretação sistemática, a vedação de concessão de livramento condicional prevista na parte final do dispositivo somente atingiria o período previsto para a progressão de regime, não impedindo posterior pleito com fundamento no art. 83, V, do CP” ( AgRg nos Edcl no HC n. 689.031/SC, relator o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 19/11/2021). 4. Agravo regimental desprovido. ( AgRg no REsp n. 1.995.489/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 1/12/2022.)

O entendimento jurisprudencial firmado no STJ é no sentido, segundo o qual, há possibilidade de concessão do livramento condicional da pena aos condenados por crimes hediondos com resultado morte, não reincidentes ou reincidentes genéricos, pois a vedação trazida pela Lei n. 13.964/2019, que alterou a Lei n. 7.210/84, refere-se apenas ao período previsto para a progressão de regime, havendo a possibilidade de formulação de pedido do referido benefício posteriormente, após o cumprimento do percentual estabelecido, com base no art. 83, inc. V, do CP, que permanece vigente no ordenamento jurídico, não havendo que se falar em combinação de leis

O STJ, ao final do julgamento do REsp 2.012.101, fixou, sob o rito do art. 543-C do CPC, a seguinte TESE: “É válida a aplicação retroativa do percentual de 50% (cinquenta por cento), para fins de progressão de regime, a condenado por crime hediondo, com resultado morte, que seja reincidente genérico, nos moldes da alteração legal promovida pela Lei n. 13.964/2019 no art. 112, inc. VI, alínea a, da Lei n. 7.210/84 ( Lei de Execução Penal), bem como a posterior concessão do livramento condicional, podendo ser formulado posteriormente com base no art. 83, inc. V, do Código Penal, o que não configura combinação de leis na aplicação retroativa de norma penal material mais benéfica”.

Convidado deste artigo

Foto do autor Rogério Tadeu Romano
Rogério Tadeu Romanosaiba mais

Rogério Tadeu Romano
Procurador regional da República aposentado, professor de Processo Penal e Direito Penal e advogado. Foto: Arquivo pessoal
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.