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Opinião|A saidinha jurídica do STF?

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convidado
Por Marcelo Batlouni Mendroni

Em tempos em que as “saidinhas” (Saídas Temporárias) dos presos estão na pauta da mídia, ao que tudo indica, o STF já está ensaiando mais uma “saidinha”, ou melhor, mais um embate técnico jurídico com o Congresso Nacional.

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Os artigos 122 a 124 da LEP – Lei de Execuções Penais, prevê o instituto das saídas temporárias.

Vejamos os trechos das reportagens:

“O Congresso Nacional derrubou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto que trata da saída temporária de presos, a “saidinha”, e abria brecha para visita de presos à família”. [...] “Por 314 votos pela queda, 126 pela manutenção e 2 abstenções, deputados referiram retomar o texto original aprovado na Casa”. (O Estado de S. Paulo, 29/05/2024)

“Uma decisão do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou que a lei das “saidinhas” não vale para detentos que já estão presos, ou seja, não tem efeitos retroativos, pode indicar um possível revés para os defensores da medida aprovada no Congresso”. (O Estado de S. Paulo, 30/05/2024).

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Impossível, em curto espaço, analisar profundamente um tema tão palpitante como este, mas ao menos algumas observações podem ser úteis a esse novo debate jurídico.

Favoráveis à medida, alegam, basicamente, que elas fazem parte do direito de ressocialização que o Estado deve propiciar ao detento condenado pela prática de um delito.

Essa concepção, entretanto, cai por terra diante das suas consequências práticas. O fato é que grande parte daqueles que são beneficiados com as saidinhas em dias festivos e feriados, não retornam ao cárcere, causando problemas administrativos e elevando o custo para a sua recaptura. Outros muitos praticam delitos durante as saidinhas, fazendo mais e mais vítimas, e dentre esses, muitos tampouco retornam. Outros não observam as regras fixadas pelos juízes das Execuções Penais, e o Estado não consegue controlá-los. Não há tornozeleiras eletrônicas suficientes para atender as demandas em nenhum estado da Federação. A falta de recaptura gera prescrição da pena e impunidade – decorrente da saidinha etc. e assim, enquanto os sentenciados saem das prisões e os cidadãos ficam presos em casa, com medo dos presos-soltos, durante o mesmo período de tempo. Enfim, ideologicamente, smj, a saidinha não se sustenta, basta analisar o seu histórico.

Mas falando em ressocialização, a lei brasileira já é das mais permissivas no mundo ao estabelecer a progressão de regime, de 16% a 70% do cumprimento, conforme o caso, nos termos do artigo 112 da LEP. Nos países desenvolvidos e civilizados, em regra, o sentenciado deve cumprir ao menos 50% da pena no cárcere, com comportamento exemplar e sem cometer faltas, para ter direito à análise em relação a uma possível progressão.

Mas há duas questões principais que já estão sendo abordadas, inclusive já no STF, que nos parecem cruciais à análise da situação jurídica colocada.

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A primeira diz respeito à sempre necessária e justa aplicação do regime democrático como regra basilar da sociedade, tão alardeada pelo próprio STF. A alteração da Lei decorreu de votação para lá de expressiva por parte do Congresso Nacional (derrubada do veto presidencial), que reúne os representantes do povo. Lembremos que a palavra democracia tem a sua origem na palavra em grego demokratía que é composta por demos (povo) e kratos (poder). O poder, emana do povo!

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A aprovação pelo Congresso Nacional em ampla maioria, 314 x 126, denota a clara vontade popular, externada pelos seus representantes, de acabar com as tais saidinhas. Seria necessário um complexo exercício mental indireto para se sustentar eventual afronta à Constituição Federal nesse caso, por “violar” de qualquer forma, de qualquer direito constitucional da pessoa presa pela prática de um crime. Parece-nos que a vontade popular materializada pela votação acachapante no Congresso Nacional deva ser respeitada de forma integral e incondicional.

A segunda parece residir no fato de se alegar a não retroatividade da Lei Penal para prejudicar o sentenciado, segundo o princípio da novatio legis in pejus. Segundo a reportagem do O Estado de S. Paulo: “Uma decisão do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou que a lei das “saidinhas” não vale para detentos que já estão presos, ou seja, não tem efeitos retroativos [...]”

Todavia, a Lei de Execuções Penais, traz no seu artigo 1°: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

Significa que o direito já foi aplicado ao caso concreto, segundo o Código Penal, seguindo-se os trâmites pelo Código de Processo Penal; e agora as regras estabelecidas na execução penal dizem respeito à punição e ressocialização. Não se trata, assim, de se prejudicar um direito subjetivo do sentenciado, que depende, em última análise, da decisão fundamentada do juiz das execuções criminais. Pode-se entender, inclusive, conforme o caso, que uma saída temporária é ou pode ser prejudicial à própria ressocialização do detento quando ele traz indícios claros de reincidência e/ou não arrependimento, ou de vingança ou retaliação etc.

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O dispositivo da Saída Temporária está inserido no título V da LEP – que dispõe: “Da execução das Penas em Espécie”. (grifamos); entenda-se, da forma como devem ser executadas as penas, e não como devem ser aplicadas. A punição já foi estabelecida pelo juiz da Causa criminal ao sentenciado, e as saídas temporárias dizem respeito exclusivamente à forma de execução e eficácia daquela pena, diante das suas próprias finalidades de reprimir a prática de um delito e ao mesmo tempo ressocializar. Não se tratando, portanto, repita-se, de um direito subjetivo do sentenciado, mas de um possível benefício, conforme os requisitos legais, difícil interpretar, no âmbito de execução de pena, que aqueles que já estão presos não estão impedidos, pela Lei, da saída temporária.

A função de legislar é do Congresso Nacional, pelos representantes do povo, e não daqueles que julgam. As interpretações por parte das Cortes de Justiça devem ser lógicas e sistemáticas, e não políticas.

As boas leis nascem dos maus costumes.

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Marcelo Batlouni Mendroni
Procurador de Justiça/SP. Foto: José Patricio/Estadão
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