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Opinião | A tradução em direitos e o relevante diálogo intercultural

Muitas vezes, nos são invisíveis a dimensão do trabalho e os direitos do profissional tradutor. É fácil recordar nomes de autores estrangeiros, como Shakespeare e Goethe, mas dificilmente menciona-se o tradutor que tornou a obra acessível

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convidado
Por Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo

A tradução representa uma importante forma de diálogo intercultural, entre sociedades e imaginários. Aquele que se dedica à tarefa de traduzir nos oferece a abertura para mundos novos, para possibilidades de compreender a vida a partir da diversidade cultural. A complexidade da tentativa de aproximação linguística não é um ato automático, requer um exercício de mergulho, tanto na subjetividade do autor que se traduz, no tema que se tem à frente, no idioma e na cultura em que se busca acessar. Como traduzir este ofício em direitos?

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Falemos, antes, um pouco de nossos hábitos de escrita e leitura. O Brasil tem como idioma oficial o português (Art. 13, CF/88), mas em seu território registram-se 274 línguas e dialetos indígenas [1], além de idiomas e dialetos de povos imigrantes. As línguas indígenas são reconhecidas e protegidas, compondo o nosso patrimônio cultural (Arts. 210, 215§1 e 231, CF/88).

Em que pese o português ser a língua hegemônica nacional, não está entre os idiomas mais falados no mundo, estando, inclusive, ausente da lista de idiomas de trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU), que é composta pelo inglês, francês, espanhol, chinês, árabe e russo [2].

Toda essa riqueza de idiomas representa a nossa diversidade cultural, valor também protegido pelo direito, tanto por nossa Constituição Federal como por acordos internacionais dos quais o Brasil é parte, como a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, celebrada no âmbito das Nações Unidas em 2005 e ratificada pelo Decreto Legislativo 485 de 2006.

Ainda que o índice de consumo de literatura no Brasil seja baixo (4,96 livros por ano, comparável ao número de 14 livros por ano na Finlândia) [3], o mercado editorial brasileiro é significativo. Conforme estudo realizado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual, os Estados Unidos é o país que registra maior número de publicações com ISBN (identificador de livro normalizado internacionalmente). Em 2022, publicou 3.3 milhões de ISBNs; enquanto o Brasil registrou 179.042 publicações [4].

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Além de um número médio elevado de publicações decorrentes de produções brasileiras, o mercado de tradução é significativo. Recorre-se mais a traduções para o português de publicações de origem externa do que se recorre a publicações de traduções de produções brasileiras para idioma estrangeiro [5]. Isso deriva não apenas da popularidade do idioma português no mundo, como das relações culturais de poder no âmbito internacional.

Se podemos perceber a importância social da tradução, esta que nos presenteia com o acesso a obras científicas e literárias do mundo inteiro e que torna acessível nossas publicações a outras línguas; muitas vezes, nos são invisíveis a dimensão do trabalho e os direitos do profissional tradutor. É fácil recordar nomes de autores estrangeiros, como Shakespeare e Goethe, mas dificilmente menciona-se o tradutor que tornou a obra acessível.  

O tradutor é considerado, pela Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei 9610/98), inspirada na Convenção de Berna de 1886, um autor. Isso porque a ele não cabe apenas substituir uma palavra de determinado idioma por outra semelhante, mas construir pontes diante de fronteiras culturais. Como colocar em palavras, por exemplo, o sentimento de “saudade”, termo existente apenas na língua portuguesa?  Nenhuma tradução será literal, mas permeada de técnica, formação intelectual, empatia e sensibilidade.

Apesar da importância do ofício e do seu reconhecimento legal, o tradutor dispõe de pouco prestígio nas relações contratuais. Em geral, os tradutores são remunerados por tarefas, sendo desconsiderados os direitos intelectuais. Nem todas as editoras informam sequer o nome do tradutor junto ao do autor original na capa de seus livros, invisibilizando o trabalho realizado. A busca por títulos estrangeiros faz esse mercado de trabalho ser bastante competitivo, diminuindo o poder de barganha do tradutor, parte vulnerável nos negócios jurídicos. A maioria dos contratos editoriais são praticamente de adesão e com baixa remuneração ao tradutor.

Agrega-se a este cenário a possibilidade de utilização de ferramentas de busca e inteligência artificial (IA), capazes de realizar pesquisas, produzir e traduzir textos facilmente, poupando tempo e quiçá economizando nossa capacidade crítica de reflexão para redações e leituras. Conteúdos podem nos ser oferecidos como se fossem pedidos realizados pelo gênio da lâmpada mágica. Tudo isso nos atravessa nos múltiplos sentidos dessa palavra. Abre nossos caminhos da mesma forma que nos sobrepõe. As ferramentas tecnológicas podem auxiliar na tarefa do tradutor, mas dificilmente conseguem transmitir a profundidade da aproximação intercultural.

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Se o trabalho árduo de composição do tradutor nos oferece a riqueza de tantos mundos, os desafios que enfrentam em seu cotidiano demonstram como é difícil traduzir justiça em direitos.

Notas:

[1] Dados obtidos do site da FUNAI: Brasil registra 274 línguas indígenas diferentes faladas por 305 etnias — Fundação Nacional dos Povos Indígenas (www.gov.br).

[2] Ver site da ONU: https://www.un.org/en/our-work/official-languages

[3] Ver estudo “Retratos da leitura no Brasil - 5ª edição”, disponível em: https://prod-fundacao-2023-front.fundacaoitau.org.br/observatorio/retratos-da-leitura-no-brasil---5-edicao

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[4] WIPO. The Global Publishing Industry in 2022. In: WIPO. Disponível em: https://tind.wipo.int/record/48714?v=pdf

[5] ESTEVES, LMR. Tradução & direitos autorais. In: AMORIM, LM., RODRIGUES, CC., and   STUPIELLO, ÉNA., orgs. Tradução &: perspectivas teóricas e práticas [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015, pp. 45-69. ISBN 978-85-68334-61-4. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

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Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo
Advogada, servidora pública, pesquisadora em Direitos Culturais, mestre e doutoranda em Direito pela UFPR, especialista em Gestão Cultural e em Captação de Recursos pela Universidade de Boston, membro do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais (IODA), membro associada do IBDCult e coordenadora do GT Artes da Comissão de Assuntos Culturais da OAB/PR. Foto: Arquivo pessoal
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