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Opinião | A vingança de Carson

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convidado
Por José Renato Nalini

Na verdade, em lugar de vingança, leia-se “desagravo”. Rachel Louise Carson (1907-1964) está morta. Em 1962, publicou “Primavera Silenciosa”, um libelo para que o mundo viesse a despertar, senão deixaria de existir. A partir daí, as grandes empresas químicas produtoras de pesticidas gastaram tempo, energia e dinheiro tentando destruir a reputação profissional e pessoal da escritora.

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Dez anos depois, o livro “Os Limites do Crescimento” resultou de um estudo elaborado pelo poderoso MIT e editado pelo Clube de Roma. Ele previa um colapso em algum momento do século XXI, se continuássemos em nosso presente caminho. Agora, os ataques foram difusos e mais graduais. Mas o efeito cumulativo foi o de erodir a credibilidade do relatório nos anos 1990.

Ainda há negacionistas. Há quem diga que o Brasil tem mais área verde do que território. Existe quem ridicularize os ecologistas, associando-os ao fundamentalismo chiita. É comum ouvir: - “Você é o amigo do mico-leão?”. Só que hoje, Carson e o Clube de Roma estão vingados. A oposição às ideias de ambos continua feroz. E irada, característica da polarização em países menos desenvolvidos e, portanto, pouco atentos ao depauperamento da natureza.

Mas o capital já percebeu que a coisa é séria. O Pentágono não é, propriamente, um grupo de abraçadores de árvores. Ele alertou, em relatório secreto, que a mudança climática representa ameaça pior do que o terrorismo. Pode mergulhar o mundo num estado anárquico. Posição idêntica à do Banco Mundial, que elaborou um relatório advertindo o mundo de que o planeta não podia mais continuar esquentando.

Tudo aquilo que se vaticinava já ocorre. Elevação do nível dos mares, climas extremos, desertificação. Para piorar, há emissão de metano na atmosfera proveniente de fontes diversas. A decomposição da vegetação quando se descongela o permafrost e a liberação de hidratos de metano descongelados. O metano, pouco citado e esquecido pelo protagonismo do dióxido de carbono, é 25 mais potente do que este. Só no Alasca, o recuo das geleiras e o derretimento do permafrost estão liberando de 50 a 70% mais metano do que se poderia esperar.

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Outro fator é o papel que têm as algas na criação de oxigênio. Hoje, as algas produzem de 50 a 80% do oxigênio que respiramos. Se matarmos os oceanos, nos mataremos.

Estas duas últimas observações foram feitas por Margaret Atwood, no livro “Questões Incendiárias”, lançado pela Editora Rocco. Ela foi chamada a participar de uma conferência chamada “Como mudar o mundo”. Para ela, o mundo “é o mundo em sua totalidade: o espaço físico de gases, líquidos e sólidos em que vivemos, e que portanto encerra todos os nossos espaços sociais”. E “mudança”, vejo como mudança física: na água, no ar, na terra e no clima. O “como” seria uma combinação de intervenção física positiva e ação física negativa que afetarão nosso espaço físico. Para preservá-lo, devemos fazer algumas coisas novas: devemos fazer as coisas antigas de um jeito diferente e precisamos parar de fazer algumas coisas”.

A escritora indaga se é possível “mudar o mundo”. O tema pode parecer absurdo. Mudar mesmo o mundo é missão impossível. Só que o mundo já mudou sem nossa intervenção e, agora, tem mudado por nossa causa. Abusamos na emissão dos gases causadores do efeito estufa. Isso torna o mundo doente. Em seguida, entrará em agonia. E, se morrer, levará com ele toda espécie de vida que abrigou durante milênios.

O homem acredita ser onipotente. Pode mudar o mundo para melhor, propondo utopias. Ou tem noção de que está piorando o mundo, uma distopia. Podemos aprimorar a tecnologia, mas ela é uma espada de dois gumes: “Um gume abre o caminho, o outro corta nossos dedos”.

Para Margaret, “nosso maior fracasso é algo próprio da modernidade: nosso afastamento do universo, nossa incapacidade em compreender que tudo está interligado a todo o resto”.

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Mas, indaguemos: a natureza precisa de nós? Não. O planeta, para existir, precisa de nós? Não. Quem corre risco somos nós, não a Terra. Não é bom pensar um pouco nisso? Será que temos muita vontade em sobreviver? Se efetivamente quisermos, poderemos usar nossa elogiadíssima inteligência e racionalidade para tornar concreta essa vontade.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Alex Silva/Estadão
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