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Opinião|Absolvição criminal com fundamento na atipicidade da conduta e reflexos na esfera da improbidade

Com o intuito de contribuir para a mudança do cenário endêmico atualmente existente, o presente trabalho apresenta alguns contornos da temática da (in)comunicabilidade da esfera penal com a improbidade administrativa, na busca pela concretização do direito fundamental difuso à probidade

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convidado
Por Rafael de Oliveira Costa
Atualização:

Uma mesma conduta pode implicar, simultaneamente, ilícito penal, civil e administrativo. A título de exemplo, uma pessoa que praticar atos de corrupção, poderá ser responsabilizada criminalmente, administrativamente e na órbita civil. O indivíduo poderá, ainda, ser absolvido em uma instância e ser condenada em outra, pois, em regra, as instâncias de responsabilidade são independentes. Trata-se do sistema da independência (relativa) das instâncias, que permite a propositura de demandas independentes em cada uma dessas esferas, pois a primeira (criminal) versa sobre o interesse de punir do Estado e, as duas últimas (civil e administrativa), sobre o aspecto patrimonial e funcional.

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A temática ganhou novos contornos com o advento da Lei nº 14.230/21, que conferiu nova redação ao art. 21, § 4º, da Lei n. 8.249/1992, estabelecendo que a absolvição criminal em ação que se discutem os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação de improbidade administrativa, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no artigo 386 do Código de Processo Penal.

Assim, o dispositivo estabelece: 1) que mesmo a absolvição na esfera penal por atipicidade, insuficiência de provas ou por não haver prova da existência do fato, leva à extinção da ação de improbidade administrativa; e 2) ser desnecessário o trânsito em julgado, sendo suficiente a prolação de decisão por um órgão colegiado para que ocorra a comunicação.

Contudo, ao apreciar o Agravo de Instrumento no Recurso Especial nº 1.991.470/MG, o STJ firmou recentemente o entendimento de que a absolvição criminal com fundamento na atipicidade da conduta não faz coisa julgada no juízo cível, tendo em vista a independência das instâncias e o disposto no art. 20, § 3º, da Lei 8.249/1992 (“sentenças civis e penais produzirão efeitos em relação à ação de improbidade quando concluírem pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria”).

A decisão encontra-se em consonância com a suspensão liminar do art. 21, § 4º, da Lei n. 8.249/1992, na ADI 7.236 do STF, sob o fundamento de que “a comunicabilidade ampla pretendida pela norma questionada acaba por corroer a própria lógica constitucional da autonomia das instâncias, o que indica, ao menos em sede de cognição sumária, a necessidade do provimento cautelar.”

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Na linha da decisão do STF, entendemos que o art. 21, § 4º, da Lei n. 8.249/1992 viola o artigo 37, § 4º, in fine, da Constituição de 1988, que rege o sistema probatório de responsabilização pela prática de atos de improbidade administrativa. O Sistema de Improbidade Administrativa, à luz de sua dimensão constitucional, deve ter sua exegese orientada pelas finalidades de prevenção, dissuasão e sancionamento de agentes que praticaram atos ímprobos, permitindo-se a devida produção de provas.

Do mesmo modo, o art. 21, § 4º, da Lei n. 8.249/1992, também afronta o artigo 5°, caput, inciso LIV, da Constituição de 1988, que estabelece o devido processo legal adjetivo, fundamentado nas máximas da proporcionalidade e da razoabilidade, vinculado à ideia de justiça constitucional e atuante como proteção em face de eventual abuso de poder.

Além disso, a comunicação de todos os fundamentos absolutórios implica a submissão absoluta da jurisdição cível à criminal, violando a autonomia de órgãos do Poder Judiciário no exercício de sua função jurisdicional.

E mais: o art. 21, § 4º, da Lei n. 8.249/1992 não atenta para a distinção estabelecida pela Lei nº 14.230/21 entre a esfera penal e do Direito Administrativo Sancionador, tendo sido este último consagrado expressamente pelo artigo 1°, caput e § 4°, da Lei de Improbidade Administrativa.

Por fim, a aplicação automática do artigo 386, caput, inciso III, do Código de Processo Penal – absolvição por não constituir o fato infração penal – na esfera da improbidade administrativa só seria possível se houvesse absoluta coincidência entre o tipo penal e o tipo administrativo, uma vez que é inviável a vinculação entre tipos que não contemplam a mesma conduta.

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A tarefa é hercúlea e ainda inacabada. Com o intuito de contribuir para a mudança do cenário endêmico atualmente existente, o presente trabalho apresenta alguns contornos da temática da (in)comunicabilidade da esfera penal com a improbidade administrativa, na busca pela concretização do direito fundamental difuso à probidade. Afinal, o “direito a um governo honesto, eficiente e zeloso pelas coisas públicas, tem, nesse sentido, natureza transindividual – decorrendo, como decorre, do Estado Democrático, ele não pertence a ninguém individualmente: o seu titular é o povo, em nome e em benefício de quem o poder deve ser exercido.”[1]

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O presente ensaio, contudo, não pretende apresentar uma resposta definitiva para o problema, mas apenas fomentar as discussões sobre o tema, de modo a se buscar a devida responsabilização de agentes que praticaram atos de improbidade, em um esforço permanente pela concretização da honestidade no trato da coisa pública.

[1] ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 100.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Rafael de Oliveira Costa
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo e professor de Direito. Foto: Inac/Divulgação
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