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Opinião|Acordos de leniência: um trabalho da ciência jurídica em observação

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convidado
Por Bruno Galvão Ferola, Pedro Arantes Pires e Pedro Paulo Togniazzolo*

É lecionado nas faculdades de Direito que todas as normas que compõem a legislação seriam mera formalização dos anseios e da cultura de uma organização social. Fica cada vez mais evidente, entretanto, o movimento dos juristas de implementar e praticar uma face do direito que não parece ser fruto “do anseio e da cultura” da sociedade brasileira, o que não seria natural a uma comunidade polarizada e beligerante.

Bruno Galvão Ferola, Pedro Arantes Pires e Pedro Paulo Togniazzolo Foto: Arquivo pessoal

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A exemplo desse trabalho, pode-se citar os métodos de solução consensual de conflitos cíveis do novo Código de Processo Civil. Sua premissa é simples: sentença nenhuma será capaz de satisfazer as partes e lhes garantir tamanha segurança jurídica tal como um acordo entre elas, pois somente as próprias partes seriam capazes de avaliar, à luz de suas realidades, o equilíbrio entre aquilo que deverão ceder e a contrapartida que receberão.

No âmbito da aplicação de sanções, temos no Direito Penal instrumentos jurídicos de negociação que podem envolver até mesmo a assunção de culpa, por parte do réu, pelo cometimento de algum crime. Trata-se, a título de exemplo, do Acordo de Não Persecução Penal, por meio do qual o réu assume obrigações ajustadas em conjunto com o Ministério Público, a fim de extinguir a punibilidade do crime que cometeu.

A figura do acordo de leniência, por sua vez, chega ao Brasil no dia 21 de janeiro de 2000. No âmbito de uma ciência secular tal qual a jurídica, o acordo de leniência é implementado no Brasil pouco antes da inauguração do século XXI. A princípio, sua aplicação seria restrita a casos de infração à ordem econômica, previstos na Lei nº 8.137/1990.

Todavia, em 2013 foi sancionada a Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, que trouxe a previsão para que as autoridades máximas de órgãos ou entidades públicas pudessem celebrar acordos de leniência em casos de atos lesivos à Administração Pública. Tratava-se de uma disruptiva ampliação da aplicabilidade dos acordos de leniência no âmbito do direito administrativo sancionador, ao viabilizá-lo nos casos elencados pela Lei Anticorrupção.

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Em síntese, os atos puníveis pela lei são as infrações contra a Administração Pública, tais quais: a corrupção ativa (prometer, oferecer ou dar vantagem indevida a agente público), ilícitos relacionados à licitação e a contratos administrativos e a tentativa de prejudicar investigação ou fiscalização de órgãos públicos.

O procedimento de celebração de um acordo de leniência, em matéria da Lei Anticorrupção, se divide em 5 etapas: a primeira consiste na proposição do acordo, ou seja, na manifestação escrita do interesse da empresa responsável pela prática de algum desses atos em celebrar um acordo de leniência.

Ao receber a proposta, cabe à autoridade avaliar sua competência sobre o caso e se houve cumprimento dos requisitos legais para o acordo. Havendo o cumprimento e tendo a autoridade interesse no objeto do acordo, as partes assinam o denominado “Memorando de Entendimentos”, por meio do qual formalizam o interesse mútuo de iniciar a etapa de negociações do acordo, além de determinar, desde logo, seus parâmetros.

À empresa, é fundamental ter em mente que o interesse da autoridade no acordo se funda, essencialmente, na sua efetividade e no resultado útil que potencialmente levará ao processo: quanto mais evidências úteis forem levadas à autoridade, maiores as chances de celebração.

Inicia-se, então, a penúltima etapa: as negociações. Neste momento, a autoridade reúne um comitê que a representará nas reuniões com representantes da empresa. Por fim, caso a autoridade entenda que os registros lhe servirão para comprovar a prática dos atos ilícitos e a participação de outras empresas nesses atos, será formalizada a celebração do acordo, sendo esta a sua última etapa.

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Por mais que o procedimento até a celebração do acordo de leniência seja importante, sua existência depende, por óbvio, da vontade inicial da empresa de se “autodenunciar” em troca de benefícios legais. O primeiro e mais importante benefício consiste no abatimento da multa administrativa em até dois terços. Vale ressaltar que essa multa, em sede de processo administrativo, pode variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa. Isso significa que, caso a empresa seja condenada a pagar multa correspondente a 20% do seu faturamento, um prévio acordo de leniência poderá abater esse valor para apenas 6,7%.

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Entretanto, ressalta-se que, por mais que a multa administrativa seja reduzida em até dois terços, a empresa ainda assim deverá reparar integralmente o dano decorrente de seu ato lesivo.

Outro benefício é a manutenção do direito de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas, o que seria vetado em caso de condenação administrativa.

Essas duas contrapartidas possuem claro caráter financeiro, embora a lei também tenha tratado da mitigação de potenciais danos reputacionais prevendo, por exemplo, a não publicação da sentença condenatória — que poderia ser determinada em ambientes de grande alcance e circulação, físicos e digitais, dentre as sanções administrativas aplicáveis. Ainda quanto aos riscos reputacionais, a lei determina o caráter sigiloso de todas as etapas que envolvem o acordo até o momento de sua celebração. Só então o acordo seria publicado no site da CGU.

É indicado a utilização de especialistas na área e profissionais de compliance no momento da celebração desses acordos, em vistas das possíveis obrigações, consequências e sanções.

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Nos casos de ilícitos durante licitação ou sob contrato administrativo, é possível a redução das sanções previstas pelas leis de licitação. Caso tenha sido objeto do acordo, haverá também a resolução das ações judiciais que tenham por objeto os fatos que componham o escopo do acordo.

O direito negocial é um trabalho científico que crescerá à medida que os casos de acordos bem-sucedidos comprovarem à sociedade seus benefícios. Trata-se claramente de uma lenta transformação cultural, cujos frutos, prometidos como bons, vêm sendo avaliados pelas lentes da sociedade.

*Bruno Galvão Ferola, sócio da P&B Compliance e mestre em Direito Público pela FGV/SP

*Pedro Arantes Pires, head de Prevenção à Lavagem de Dinheiro na P&B Compliance e especialista em Compliance

*Pedro Paulo Togniazzolo, estagiário de Compliance e aluno da graduação em Direito na PUC/SP

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